Há tempos Ella se sentia partida ao meio. De um lado, estava esvaziada, como se dentro dela houvesse apenas um silêncio devastador. De outro, sentia-se um bicho enjaulado a querer vomitar tudo que pensava e sentia – uma massa gordurosa que estava a lhe corroer. Não era um silêncio escolhido. Era simplesmente o que lhe restava. Estava anestesiada. Nada podia fazer, a não ser recolher-se em seu próprio sofrimento.
domingo, agosto 10, 2014
sábado, agosto 09, 2014
Excuse my dust
"Casa dos espelhos para onde torno e retorno, devolvida a mim mesma, labirinto especular no qual continuo vagando, os pés feridos nos meus próprios cacos, armadilhas obstinadas a me reter, infinitamente, destruir-me, reconstruir-me, incessantemente, em dor, em pó" (Denser, Márcia. Diana Caçadora, p.41).
[Photo: Erwin Blumenfeld - Teddy Thurman - New York 1948]
sábado, agosto 02, 2014
segunda-feira, julho 28, 2014
Ausência
Uma das oitenta "figuras" que Roland Barthes apresenta em seus Fragmentos de um Discurso Amoroso é a ausência. Essa figura (seja qual for dentre as oitenta) é, como diz Barthes, "o enamorado em ação" (o sujeito universal apaixonado). Aquele que pode ser reconhecido no discurso que se passa. Discurso tecido de desejo, de lembrança, de saudade, de angústia, de espera, de cansaço, imaginário, loucura... e por aí vai... o enamorado(a) em ação, no poema Ausência, de Jorge Luís Borges:
[ by Jacob Sutton]
Eu haverei de erguer a vasta vida
que ainda é o teu espelho:
cada manhã hei-de reconstruí-la.
Desde que te afastaste,
quantos lugares se tornaram vãos
e sem sentido, iguais
a luzes acesas de dia.
Tardes que te abrigaram a imagem,
música em que sempre me esperavas,
palavras desse tempo,
terei de as destruir com as minhas mãos.
Em que ribanceira esconderei a alma
pra que não veja a tua ausência,
que como um sol terrível, sem ocaso,
brilha definitiva e sem piedade?
A tua ausência cerca-me
como a corda à garganta.
O mar ao que se afunda.
domingo, julho 27, 2014
sexta-feira, julho 25, 2014
Na brevidade do verso
CARPE DIEM
Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio — nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.
[Poema de Nuno Júdice] - [Arte: Untitled II by Fabian Perez]
quinta-feira, julho 24, 2014
quarta-feira, julho 23, 2014
Nas garras de um grito
Naquele dia, Ella acordou com um pequeno poema ressoando em sua cabeça. Ella não gostava de todos os poemas que lia, ainda que fossem escritos pelas penas dos mais famosos e consagrados escritores. Era seletiva. Gostava de alguns, mas nem sempre em sua completude. Às vezes, abraçava-os por inteiro. Outras, apreciava apenas um fragmento. Identificava-se com um verso, uma linha, uma expressão, ou simplesmente um sentimento suscitado. Fosse pela profundidade, beleza ou doçura. Fosse pela loucura, sensualidade, tristeza ou luxúria; ou mesmo pela composição de duas ou mais dessas qualidades.
Todos os dias Ella divagava por algumas horas em seus livros de filosofia e literatura. Navegava pelos links e hiperlinks disponíveis em sua era high-tech, procurando algo que lhe arrebatasse os sentidos. Anotava em seus diversos caderninhos tudo que lhe tocava a alma. E o corpo! Pois Ella sentia que vivia, dissessem o que dissessem alguns filósofos, num corpo inseparável de sua alma: Ella era uma substância só, inteiramente indivisível.
Naquela gélida manhã sem graça, sufocada como se tivesse uma corda amarrada ao pescoço, Ella acordou com um grito querendo saltar de seu peito. Levantou, despiu-se, abriu o chuveiro e entrou debaixo d'água quente. Ressoava em três linhas um verso do poema Olmo, de Sylvia Plath, que havia anotado em um de seus caderninhos.
Dentro de mim mora um grito.
De noite, ele sai com suas garras, à caça
de algo para amar!
Resolveu, então, tomar um banho gelado.
Não suportou. Escorreu pelo ralo. E se foi.
quarta-feira, julho 16, 2014
Por ti
Das páginas de meu Moleskine...
"[...] Como uma flor a seu perfume, estou atado à tua lembrança imprecisa. Estou perto da dor como uma ferida, se me tocas me maltratarás irremediavelmente. Tuas carícias me envolvem como as trepadeiras aos muros sombrios. Esqueci teu amor e não obstante te adivinho atrás de todas as janelas. Por ti me doem os pesados perfumes do estio: por ti volto a espreitar os signos que precipitam os desejos, as estrelas em fuga, os objetos que caem".
[Pablo Neruda]
(ahh... o que seria de mim sem poesia..?)
(ahh... o que seria de mim sem poesia..?)
quinta-feira, julho 03, 2014
Eros
"Quando fui preso ao doce começo
De uma doçura tão docemente doce...
(suave foi a flechada)"
Depois, ah, depois desse doce começo, depois dessa doçura tão docemente doce e dessa suave flechada, segue, Da maneira mais simples, um poema de Eugénio de Andrade.
"É apenas o começo. Só depois dói,
e se lhe dá nome.
Às vezes chamam-lhe paixão. Que pode
acontecer da maneira mais simples:
umas gotas de chuva no cabelo.
Aproximas a mão, os dedos
desatam a arder inesperadamente,
recuas de medo. Aqueles cabelos,
as suas gotas de água são o começo,
apenas o começo. Antes
do fim terás de pegar no fogo
e fazeres do inverno
a mais ardente das estações."
.
.
Well: "Winter is coming soon!"
.
[Primeiro poema: Les Amours. Pierre de Ronsard, 1524-1585].
.
[Painting: Young girl defending herself against Eros (1880), William-Adolphe Bouguereau, 1825-1905]
De uma doçura tão docemente doce...
(suave foi a flechada)"
Depois, ah, depois desse doce começo, depois dessa doçura tão docemente doce e dessa suave flechada, segue, Da maneira mais simples, um poema de Eugénio de Andrade.
"É apenas o começo. Só depois dói,
e se lhe dá nome.
Às vezes chamam-lhe paixão. Que pode
acontecer da maneira mais simples:
umas gotas de chuva no cabelo.
Aproximas a mão, os dedos
desatam a arder inesperadamente,
recuas de medo. Aqueles cabelos,
as suas gotas de água são o começo,
apenas o começo. Antes
do fim terás de pegar no fogo
e fazeres do inverno
a mais ardente das estações."
.
.
Well: "Winter is coming soon!"
.
[Primeiro poema: Les Amours. Pierre de Ronsard, 1524-1585].
.
[Painting: Young girl defending herself against Eros (1880), William-Adolphe Bouguereau, 1825-1905]
quinta-feira, junho 12, 2014
Beijos, muitos beijos
[...]
Dá-me beijos, dá-me tantos
Que enleado em teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria vida
Nem minha alma, ave perdida
No azul-amor dos teus céus.
[...]
[...]
(Fernando Pessoa, in: Cartas para Ophélia)
sábado, junho 07, 2014
Nau
a nau me abandona nauseabunda
a náusea me abunda
Wreck of the "Ancon" in Loring Bay | Alaska |1889 | by Albert Bierstadt | 1830–1902
Oil on paper mounted on Masonite
terça-feira, junho 03, 2014
Observações triviais
Ella saiu pra almoçar às 12:45. Pelo brilho do sol, supôs que a temperatura estivesse mais alta. Se enganou tremendamente: o sol até que estava quente, porém, o vento... ai... o vento estava gélido e cortante! Ella se arrependeu de não ter se agasalhado até os dentes. Pensou que talvez fosse o caso de voltar ao hotel pra se agasalhar melhor. Mas, enquanto pensava, hesitou, pois achava que havia demorado tanto pra sair que, se voltasse, iria, comme d'habitude, se enrolar mais um pouco pra sair de novo. Acabaria perdendo o horário do almoço, a fome iria passar e isso certamente faria com que Ella passasse o resto do dia a enganar a fome quando esta retornasse ao seu estômago de passarinho.
Pensando assim (e já encantada pelo cenário das ruas curitibanas), seguiu em frente. Ao mesmo tempo em que blasfemava contra o vento frio, aprazia-se por ter tido a prudência de sair de luvas, cachecol, e uma echarpe de lãzinha na mochila. Tais acessórios ajudaram-na a suportar o frio, mas de modo algum a deixaram confortável. Ella procurou desviar sua atenção daquele frio impositivo em direção às pessoas que circulavam pelas ruas e avenidas, às belas praças, monumentos, construções, lojas e cafés (cenários que traziam a ela as mais diversas lembranças de um passado distante, mas memorável).
Ella andava sem direção definida, porém, a fim de encontrar um lugar agradável pra almoçar. Passeou pra cá e pra lá, nostalgicamente, até que encontrou um restaurantezinho com aparência simpática e sedutora. Entrou, apreciou o ambiente, sentou-se, e lá permaneceu ─ no Arrumadinho da Marechal Deodoro ─ a esperar seu virado à paulista, enquanto rascunhava suas observações triviais em seu moleskine de capa preta.
segunda-feira, junho 02, 2014
Vida ordinária
Ella observa, enquanto toma seu café, a encruzilhada da Cruz Machado com suas velhas esquinas e seus transeuntes. Táxis, carros de passeio, utilitários e os mais diversos tipos de veículos automotores se entrecruzam. Pessoas comuns transitam pra cá e pra lá: passos compassados, mecânicos e regulares: uns mais apressados, outros menos ─ uma perna seguindo-se à outra, como numa engrenagem.
Os olhos de Ella percorrem vagarosamente todos os movimentos da rua, enquanto desgosta de seu café morno. Ella pensa: que vida mais ordinária, povoada de pessoas ordinárias, com seus rostos, roupas e sapatos ordinários!
Apesar da baixa temperatura de junho (e por que não dizer temperatura ordinária?), o céu curitibano está aberto e o sol reina majestaticamente. Porém, está frio demais para Ella e seu gosto quente. Suas mãos estão geladas. O coração apertado. E em meio à observação e burburinho ordinários, Ella aprecia o borbulhar de seu interno mundo extraordinário.
Os olhos de Ella percorrem vagarosamente todos os movimentos da rua, enquanto desgosta de seu café morno. Ella pensa: que vida mais ordinária, povoada de pessoas ordinárias, com seus rostos, roupas e sapatos ordinários!
Apesar da baixa temperatura de junho (e por que não dizer temperatura ordinária?), o céu curitibano está aberto e o sol reina majestaticamente. Porém, está frio demais para Ella e seu gosto quente. Suas mãos estão geladas. O coração apertado. E em meio à observação e burburinho ordinários, Ella aprecia o borbulhar de seu interno mundo extraordinário.
segunda-feira, maio 26, 2014
Voragem
"Ela aí vai, a minha estrela, aí vai a resvalar no abismo, donde não sei se a levantarei mais..." (Machado de Assis, Teatro, p.270)
segunda-feira, maio 05, 2014
Por acaso...
─ Quem aqui acredita que alguma coisa nesse mundo acontece por acaso levanta a mão!
Todos levantaram...
Ela dá uns 50 minutos de aula e, em outros termos, pergunta novamente:
─ Quem aqui acredita que o acaso existe levanta a mão!
Ninguém levantou.
Fim da aula!
quarta-feira, abril 30, 2014
Por um instante...
"... pois desde que te vejo, por um instante, não me é mais possível articular uma palavra: mas minha língua se quebra e um fogo sutil desliza de repente sob a minha pele: meus olhos não têm olhar, meus ouvidos zumbem, o suor escorre pelo meu corpo, um arrepio toma conta de mim; fico mais verde do que o capim, e por pouco me sinto morrer..."
(Safo, apud Barthes. Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Hortênsia dos Santos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1989, p.136).
quarta-feira, abril 16, 2014
Oh vida enigmática!
Hino à vida
Claro, como se ama um amigo
Eu te amo, vida enigmática –
Que me tenhas feito exultar ou chorar,
Que me tenhas trazido felicidade ou sofrimento,
Amo-te com toda a tua crueldade,
E se deves me aniquilar,
Eu me arrancarei de teus braços
Como alguém se arranca do seio de um amigo.
Com todas as minhas forças te aperto!
Que tuas chamas me devorem,
No fogo do combate, permite-me
Sondar mais longe teu mistério.
Ser, pensar durante milênios!
Encerra-me em teus braços:
Se não tens mais alegria a me ofertar
Pois bem – restam-te teus tormentos.
[Lou-Andreas Salomé]
Devo confessar, ainda que a contragosto de muitos, que embora eu estude Hume e outros filósofos criticados por Nietzsche, tenho uma forte identificação com este autor, especialmente no que diz respeito ao seu interesse e apreço pela relação entre a arte, a filosofia, a vida e o espírito trágico.
Ora, mas o que tem a ver falar de Nietzsche aqui se o poema é de Lou- Salomé? Pois bem, não estou aqui para falar propriamente de Nietzsche, mas sim e tão-somente apresentar o belo poema da escritora russa Lou Salomé [1861-1937] (o grande amor da vida de Nietzsche), considerada a primeira mulher moderna que existiu na face desse ínfimo planeta chamado Terra.
Lou entregara um exemplar deste poema como presente de despedida a Nietzsche ao deixar Tautenburg ─ local onde passou as férias de verão com ele e sua irmã Elizabeth Nietzsche. A meu ver, o poema revela que, a despeito da relação Lou-Niezstche não ter dado certo ─ pois embora Lou admirasse Nietzsche em demasia, desejava ser apenas sua amiga ─ eles compartilhavam do mesmo espírito trágico, ou, digamos assim, do mesmo amor fati (revelado no poema acima).
[Aviso aos leitores navegantes que o poema pode ser encontrado em
traduções ligeiramente diferentes. Como não entendo bulhufas de alemão nem de
russo, tenho que me contentar (e confiar... sempre com aquele ceticismo mais do
que recomendado) com a pesquisa que fiz pela internet, pois o poema não aparece
completo na biografia que li durante minhas férias de verão 40 graus, em
dezembro de 2013. Se algum ser bondoso e versado na língua original do poema, preocupado
com a precisão da tradução (que é mesmo importante), quiser fazer alguma correção, sinta-se à
vontade].
A referência da biografia de Lou-Andreas Salomé é a seguinte:
Peters, H.F. Lou: minha irmã, minha esposa. Tradução de Waltensir
Dutra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986, (com prefácio de Anaïs Nin).
terça-feira, abril 08, 2014
A linguagem do amor
"O amor é mudo, diz Novalis, só a poesia o faz falar"
Há tempos anotei essa frase num de meus moleskines.
Fiquei horas em silêncio, muda,
a ouvir apenas a poesia contida no meu peito em chamas.
[Depois de um tempo ocorreu-me que alguém poderia objetar (pois sempre existe alguém nesse mundo disposto a objetar) que apenas a poesia poderia fazer o amor falar. Imaginei que alguém (especialmente aqueles versados em lógica) poderia alegar: não se segue necessariamente... Mas, pergunto eu, o que tem lá o amor a ver com a lógica? Ah... poupe-me dessa lógica e deixe-me aqui, a sós, em silêncio, com minha poesia amorosa a falar].
sexta-feira, março 21, 2014
A musa da noite
Pois não é que caí no conto do facebook? Ops, será menos pior do que cair no conto do vigário? Sei lá... Calma! Je peux expliquer: eu havia visto no meu farto, concorrido (rs) e pouco confiável feed de notícias, que o dia 14 de março era o dia da poesia. Meus amigos du métier publicaram várias poesias em homenagem a elas. E eu, que vinha há dias perambulando pelos meus livros e arquivos de literatura e poesia, no dia seguinte, resolvi, por conta dessa informação (que eu rápida e irrefletidamente admiti como verdadeira), escrever algo a respeito.
Porém (ah... o velho porém), vejo hoje novamente no facebook que, na verdade, o dia da poesia é hoje (21/03). Ts ts ts, fiquei confusa e, desta vez, resolvi conferir. Eis que, ao pesquisar no Google sabe-tudo, constatei que é mesmo hoje o Dia Mundial da Poesia ─ criado, diz o mestre Google, na XXX Conferência Geral da UNESCO, em 1999.
- Mas que papelão, hein, Marília! (fala a voz da autocensura). Logo você, que aprecia tanto a poesia, dá um fora desses! Cadê aquele seu zelo tradicional de conferir as informações que recebe via facebook ou de outra fonte qualquer?
Bom, agora a Inês est morte. Só me resta, então, tentar remediar esse terrível engano que, ao final, nem foi propriamente um engano, pois depois de pesquisar um pouco mais, descobri que o dia 14 de março é o dia nacional da poesia, e não o dia mundial da poesia (bah, grande coisa!). Sendo assim, aquilo que inicialmente seria um sincero pedido de desculpas à poesia, torna-se agora um mero pretexto para publicar uma que me deixou gamada (mais do que já sou por natureza) quando li no mural do facebook da minha amica del cuore Ana de Lucca. Lá vai: transcrevo abaixo um poema de Florbela Espanca extraído (pela Ana) do Livro de Sóror Saudade [1923], in Sonetos [Ediclube, 1995].
Que fale, pois, a poesia de Florbela ─ a bela musa da noite!
[La Nuit - Auguste Raynaud - 1854-1937]
A noite desce...
Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!
Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!
A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!
E a noite vai descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!
Devo adverti-los que encontrei, em outras fontes http://portugues.free-ebooks.net/ebook/Livro-de-Soror-Saudade/pdf?dl&preview, algumas linhas traduzidas de modo ligeiramente diferentes, mas que "roubei" a versão publicada e devidamente citada pela Ana, por achar que essa versão é sutilmente mais bela. Que os diletantes, especialistas, mestres, doutores e pós-doutores de plantão, caso desejem, apresentem, se houver, suas correções. Caso contrário, apenas
apreciem a beleza dessa noite muda e calma
que desce com perfume de baunilha ou de lilás
beijando nesta hora a minha boca e alma.
sábado, março 15, 2014
Dedicatória
Ouvi dizer que ontem,
14 de março
foi o dia da poesia.
ora bolas, e poesia lá tem dia?
Não seria todo dia dia de poesia?
dia de mais poesia
dia de menos poesia?
Digamos, pois, que hoje é um dia de mais poesia!
Destino, então, esta pequena poesia
ao meu amor poético
com esta breve
muito breve
dedicatória:
ao meu lírico amor
um beijo
um licor.
Tal dedicatória, que acabo de escrever, me fez lembrar de um verbete contido nos Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes. Eis o verbete:
Dedicatória: "Episódio de linguagem que acompanha todo presente amoroso, real ou projetado, e, ainda, mais geralmente, todo gesto, efetivo ou interior, pelo qual o sujeito dedica alguma coisa ao ser amado". Entre muitas outras coisas que não caberão aqui, diz, ainda, Barthes: "Não se pode dar linguagem (como fazê-lo passar de uma mão a outra?), mas pode-se dedicá-la [...]. Nada podendo dar, dedico a própria dedicatória, que absorve tudo que tenho a dizer" (pp. 66-67-68).
14 de março
foi o dia da poesia.
ora bolas, e poesia lá tem dia?
Não seria todo dia dia de poesia?
dia de mais poesia
dia de menos poesia?
Digamos, pois, que hoje é um dia de mais poesia!
Destino, então, esta pequena poesia
ao meu amor poético
com esta breve
muito breve
dedicatória:
ao meu lírico amor
um beijo
um licor.
Tal dedicatória, que acabo de escrever, me fez lembrar de um verbete contido nos Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes. Eis o verbete:
Dedicatória: "Episódio de linguagem que acompanha todo presente amoroso, real ou projetado, e, ainda, mais geralmente, todo gesto, efetivo ou interior, pelo qual o sujeito dedica alguma coisa ao ser amado". Entre muitas outras coisas que não caberão aqui, diz, ainda, Barthes: "Não se pode dar linguagem (como fazê-lo passar de uma mão a outra?), mas pode-se dedicá-la [...]. Nada podendo dar, dedico a própria dedicatória, que absorve tudo que tenho a dizer" (pp. 66-67-68).
L'Altare della Patria ~ Rome, province of Rome LazioLeonardo Bistolfi
[1859-1933]
quinta-feira, fevereiro 27, 2014
Voar é para os pássaros
Chegamos em Montevideo. Antes disso, tortura aérea. Três decolagens. Três pousos. E algumas turbulências. Ai... como detesto voar dentro de uma máquina gigante, inflamável e falível (é assim que concebo um avião). Se eu soubesse que teria de voar, preferiria ter nascido pássara!
De início, já detesto as instruções das aeromoças ou comissários de bordo, que dizem sempre sorrindo: "em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão. Puxem o elástico, coloquem a máscara 'assim' e respirem normalmente". Ora bolas, indago indignada: quem pode respirar normalmente numa situação dessa? E com aqueles sorrisinhos brancos, simpáticos e tranquilos, continuam eles: "em caso de pouso na água, usem o acento para flutuar... e blablablá".
PQP, dá vontade de mandá-los à M...! Num grito silencioso, imploro: calem a boca peloamordedeus! Não povoem a minha imaginação (que já é suficientemente fértil) com essas possibilidades. Afastem de mim esses cálices!
Well, um modo de amenizar meu sofrimento é, se possível, nunca me sentar próxima à janela. Assim posso evitar olhar pra fora, pois se vejo que o céu está carregado de nuvens escuras (que nunca me parecem passageiras), fico mais apavorada ainda. No primeiro voo, Londrina-São Paulo, tive pânico e tremedeira (ainda bem que minhas demais funções eu consigo controlar rs). Desta vez, como em muitas outras, cheguei (discretamente) a chorar... de medo e de nervoso (sempre tenho medo e fico nervosa em qualquer voo, mas, em geral, e por pura necessidade, aprendi a ter um [in]certo controle). Comecei tomando calmantes e, aos poucos, fui encarando os voos "de cara", sem tarja preta nenhuma.
Em qualquer decolagem tenho a sensação de que o avião não vai conseguir subir, ou, pior, que vai explodir: BUUUMMM... e tudo irá pelos ares (e por terra abaixo)! Não suporto qualquer movimento, qualquer balancinho, qualquer barulhinho diferente, seja no motor do avião, seja no recolher ou acionar do trem de pouso. Odeio quando o avião se inclina nas curvas. Tenho a impressão de que ele vai despencar. E a cada vez que ouço o sinal que indica que alguém vai falar (o comandante ou qualquer tripulante), meu coração salta pela boca... e volta (ainda bem que volta!). Lá vem o BLIM-BLOM: "senhores passageiros..." imediatamente minha mente trágica imagina um aviso nefasto, do tipo: "o avião apresenta problemas, uma das turbinas pifou, a outra está pegando fogo, vamos ter de fazer um pouso de emergência, além de, antes, enfrentar uma tempestade com raios, ventos, trovões e furacões". Apertem os cintos!!! Socoooooorro...!!!
No segundo voo, São Paulo-Porto Alegre, resolvi tomar 1/4 de Rivotril, pois estava nervosa demais. Meu estado era de emergência. Eu era uma bomba-relógio, sem humor para brincadeiras e piadas. Mas, com o Rivotril, consegui cochilar e relaxar um pouco (apesar da eterna e constante sensação de insegurança e medo).
No terceiro, de Porto-Alegre a Montevideo, mais 1/4 de Rivotril. Suspirei fundo, aliviada, quando o avião tocou o chão. Constatei que sobrevivemos! Porém (ahh... sempre tem um porém), em seguida, pensei: droga! teremos de voltar... e um voo é sempre periclitante, é sempre um voo no escuro (ao menos pra mim). E de nada adianta tentarem me convencer de que o transporte aéreo é, estatisticamente comprovado, o mais seguro de todos. Não me ofereçam razões para acreditar nisso. Porque eu não acredito, infelizmente! Bem que eu gostaria... (ai de mim)!
quinta-feira, janeiro 30, 2014
Morte Lírica
Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa
que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me
a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.
quinta-feira, janeiro 23, 2014
Ella na passarela
Ella chegou ao clube desfilando aquele seu charme habitual ─
uma delicada mistura de graça, beleza e vivacidade. E ainda que Ella fosse uma mulher madura, do alto de seus 38 anos, conservava seus trejeitos de garota marota, dada uma discreta malícia em
seu sorrisinho de lado, e uma evidente irreverência em seu corpinho
de moça. Onde Ella entrava, e por onde Ella
passava, atraía olhares de admiração. Ella movimentava-se com a graciosidade e leveza de
quem está a bailar.
Ao caminhar toda formosa pela passarela que circunda a piscina, à procura de um
lugar ao sol, Ella avistou de longe um tipo asqueroso (que ela mesma certa vez já
havia observado com involuntária repulsa). Era um tipo chulo, excessivamente chulo.
Ella
pensou em dar meia-volta, mudar o caminho, só pra não ter de passar por aquele
sujeitinho bronco, visto que o cara, comme d’habitude,
já havia lançado a distância seu olhar ordinário de macho predador. Ella
percebeu aquele tipinho "eu sou o lobo mau" lamber os beiços e teve uma espécie de náusea. Controlou-se.
E achou que, uma vez dados os primeiros passos, era melhor não hesitar e voltar. Ia
dar muito na cara que desviava daquele caminho apenas para evitá-lo. Respirou fundo,
franziu o cenho e foi em frente.
Ella sempre via aquele sujeitinho vulgar por ali,
geralmente cercado de mais uns três tipos semelhantes a ele. Já o havia visto
também algumas vezes conversando sobre negócios com seu ex-marido (que raramente
aparecia). E pelo fato de vê-los às vezes conversando, Ella se sentia constrangida a cumprimentar aquele ser tosco e estulto sempre
que não havia como evitá-lo. Cumprimentava-o sempre com apenas um gélido movimento de cabeça, justamente pra não lhe dar espaço pra dizer nada.
Ora, o que Ella poderia esperar ouvir de um sujeitinho daquele?
Ao vê-la passar, o malandro de quinta, com ar de quem quer
puxar um papinho, adiantou-se e lhe perguntou: ─ o namorado não quis vir hoje? Ella bufou
diante de tal atrevimento. Ficou puta da vida, ao ponto de não conseguir
disfarçar o constrangimento que sentiu. Com um olhar sério e furtivo, não respondeu. Deu apenas um sorrisinho amarelo e sem graça. E continuou em frente, indignada, pensando:
“não é que esse beiçudo barrigudo teve a pachola de me fazer uma pergunta
dessa?”
A sorte dele foi que Ella
era educada. O sorrisinho glacial, seguido de um ar de desprezo,
disse tudo, mas certamente Ella desejou ser suficientemente grosseira para, soltando
fogo pelas ventas, lhe perguntar:
─ Por que o senhor acha que seria minimamente razoável me
fazer uma pergunta tão invasiva? Que relevância tem para você e/ou para a
humanidade se meu namorado quis ou não quis vir hoje? Quando é que lhe dei
espaço para o senhor se dirigir a mim, assim? Ah... faça-me o favor! A você, lobo mau com cara de bobo mau,
caberia apenas me observar passar, ou, no máximo, respeitosamente me cumprimentar com um brevíssimo aceno de cabeça. E mais nada! Vá lamber esses beições pra lá
e comer sua vovozinha ─ seu babaca ordinário! ou melhor: vá lamber sabão! como
dizia a minha avó!
quarta-feira, janeiro 08, 2014
Ausência na presença
Costumo anotar num caderninho algumas ideias,
frases, passagens e expressões literárias dos livros que leio. É como se elas me lessem e, ao me lerem, dizem algo mais. Quando li A Identidade de Milan Kundera
fiz isso. Anotações que me fizeram pensar e
repensar. Eis uma... e apenas uma delas:
Chantal
se pergunta:
“Saudade?
Como podia sentir saudade se ele estava na frente dela? Como se pode sofrer com
a ausência de alguém que está presente? (Jean-Marc saberia responder: pode-se
sofrer de saudade na presença do amado se se entrevê um futuro em que o amado
não está mais presente; se a morte do amado já está, então, invisivelmente
presente)” (p.39).
Algumas
vezes me fiz essa mesma pergunta, certamente porque me vi diante
dessa situação: sofrendo a ausência de alguém que estava presente, bem ali, na
minha frente.
A resposta de Jean-Marc me parece boa. Estou ali, na presença do
meu amado, mas, ao olhar para o futuro, não o vejo mais presente em minha vida. Vejo apenas a ausência dele ─ um vazio, uma dor. Sinto saudades, sofro e lamento
sua ausência presente.
Ops! como assim?
Eu
diria que se pode sofrer a ausência de alguém que está presente quando aquela
pessoa já não se apresenta mais como aquela que você conheceu, amou ou ama ainda.
Ela mudou, não é mais a mesma, malgrado seja ela mesma quem está bem ali na sua frente. Aquela ficou no passado. Hoje você a olha e não
a vê. Você está com ela, mas se sente só. Você ama quem já não existe mais ─ nem aqui, nem agora, nem lá ou acolá.
(Kundera, Milan. A Identidade. Tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Cia das Letras, 1998).
[Art | Os Amantes |1928 de René Magritte]
segunda-feira, dezembro 09, 2013
Nobody
UEL 8:30. Vim aplicar exame de filosofia para apenas uma aluna. Nobody is here! Sala escura. Entro, espero, penso: ela não virá, obviamente. But I'm here. Da parte dela não há, absolutamente, nenhum compromisso com a disciplina, tampouco com a filosofia, e acho que nem com ela mesma.
E essa maldita dor de dente que não me dá uma trégua!?
Bom, ao menos os passarinhos cantam, o dia está belo, a temperatura agradável e o ar fresco.
Aproveito para estudar. Dou um tempo. Pouco mais de uma hora.
Ela não veio.
Fui...
E essa maldita dor de dente que não me dá uma trégua!?
Bom, ao menos os passarinhos cantam, o dia está belo, a temperatura agradável e o ar fresco.
Aproveito para estudar. Dou um tempo. Pouco mais de uma hora.
Ela não veio.
Fui...
quinta-feira, dezembro 05, 2013
Tango Fati
Tango of the Archangel | Kees Van Dongen |1877-1968
Oil on canvas
Oil on canvas
Hoje, ao ouvir
um tango, transbordei, tangamente, de emoções e lembranças. Coração
disparado, agitado... Inspirei,
expirei, suspirei, pausei! pensamentos pulularam no ritmo sincopado de meus
batimentos cardíacos enquanto dirigia. Pisei no freio. Derrapei! ouvindo
um tango. Ora, por que os tangos me encantam, arrebatam e extasiam desse modo? Porque são belos, penetrantes. Invadem-me não só pelos ouvidos, mas
também pelas veias, poros e pulmões. Tangos circulam por todo o meu sistema
sanguíneo e, por pouco, não me arrebentam as veias. Tangos... tangos... que bonitos. O que dizer?
Seria um caso
daquilo sobre o que não se pode falar e que, portanto, deve-se calar? Se sim...
dane-se! vou transgredir esse famoso enunciado e falar mais um pouco
sobre o que, talvez, devesse calar, ainda que Wittgenstein venha a se
revirar na tumba. Trata-se de falar sobre o inefável, ainda que a lógica se descabele
por eu ter proferido tamanha contradição. Trata-se de dizer sobre o indizível, ainda
que me faltem palavras para exprimir as paixões que se agitam em meu peito em
chamas e que se diga que o indizível só pode, então, ser mostrado.
Transbordo-me
quando ouço um tango. Tangos agitam minhas paixões (desejos, amores, temores
e dores). Eles têm um "q" de sagrado e um "q" de profano.
Ao ouvir um belo e bom tango, ao menos por um breve momento, abandono-me em mim
mesma e para além de mim mesma, tornando-me, digamos assim, metafísica ─ pura contemplação estética! É como se eu e o universo inteiro nos tornássemos um
só em toda a sua plenitude.
[ Acho que Schopenhauer iria gostar dessa última
frase rs, mas só dessa última, uma vez que ele entende o belo como uma dissolução
do eu: um rompimento completo das amarras da vontade de viver, que, por sua
vez, é enlouquecida pelo querido e amado eu. Para Schopenhauer, a contemplação
estética se dá por um apaziguamento, uma libertação momentânea dos grilhões da
vontade, e não uma agitação do eu em tormentos passionais,
como no meu caso. Well. deixemos, então, o "velho rabugento" pra lá ].
A meu ver, os tangos
inspiram o amor ─ os amantes latinos ou os simplesmente amantes.
A vida e a literatura estão repletas de amores calientes, ardentes,
trágicos, dramáticos ou simplesmente amores. Quando ouço um
tango, não quero mais nada, talvez, no máximo, um amante argentino rsr
(brincadeirinha ─ mantenham o senso de humor)
Há tangos alegres ou felizes?
Acho que não! Ao menos não me vem nenhum à memória. Arrisco-me a dizer, pois,
que os tangos são sempre trágicos ─ exprimem os sofrimentos e dramas da
existência, o que ela tem de belo, profundo, triste, dolorido e... (pausa)...
trágico! E não são menos belos por trazerem à tona a tragicidade da existência.
Ao contrário, precisamente por serem trágicos, os tangos são ainda mais belos.
Creio que vêm ao encontro do conceito de Amor-Fati exposto por Nietzsche do seguinte modo:
"Quero cada vez mais aprender a ver
como belo aquilo que é necessário nas coisas ─ assim me tornarei um daqueles
que fazem belas as coisas. Amor Fati: Amor ao
Destino". Tango Fati: "seja este, doravante, o meu
amor" (A Gaia Ciência IV | § 276).
sábado, novembro 30, 2013
A eternidade da morte
Conversando sobre a morte com a Bibi (minha filha de 19 anos), assim, ao acaso, ela me disse:
"não sei mãe
morrer... ah... morrer...
morrer é tão eterno né...?"
e eu: é!
no fundo...
morrer é que é eterno
e não viver
porque morrer é para sempre.
[Sculpture: Monumental Cemetery of Certosa di Bologna, Italy - by Renaud Martelli,1947]
quarta-feira, novembro 13, 2013
Desassossego
Dia lindo. Céu azul. Resolvi queimar o lombo. Não há uma alma viva sequer, com exceção da minha, aqui no clube. Silêncio. Meu coração está apertado. Queria poder arrancá-lo do peito para que me desse um alívio. Ah... meu angustiado coração! Por que não vais dar um passeio? Volte depois, de preferência mais leve, mais solto, mais livre. Vá... voe!
De vez em quando passa um avião sobre minha cabeça. Começo a ouvir burburinhos dos funcionários do clube, o que significa que há mais almas vivas por aqui. Percebo também os passarinhos. Sol quente. Vento fresco. Água gelada. Calor. Agonia. Calmaria exterior. Inquietação interior.
quarta-feira, outubro 30, 2013
Eros e Thanatos
Num daqueles dias em que perambulo ao léu... procurando qualquer coisa que arrebente ou arrebate meu coração, ou mesmo que o estraçalhe de uma vez por todas, encontrei esse belo hino de Lou Andreas-Salomé. Não resisti à tentação. Não resisti a esse impulso de vida... e de morte! Voici!
Hino à Morte
No dia em que eu estiver no meu leito de morte
Faísca que se apagou -,
Acaricia ainda uma vez meus cabelos
Com tua mão bem-amada
Antes que devolvam à terra
O que deve voltar à terra,
Pousa sobre minha boca que amaste
Ainda um beijo.
Mas não esqueças: no esquife estrangeiro
Eu só repouso em aparência
Porque em ti minha vida se refugiou
E agora sou toda tua.
(NOVAES, Adauto (org.) Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Cia das Letras, 1987)
[Jardin du Luxembourg. La fontaine Médicis. Polyphemus surprising Acis and Galatea (1866). Auguste-Louis-Marie Jenks Ottin (1811-1890)]
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