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domingo, março 17, 2024

Filósofo feminista

"À querida e saudosa memória daquela que foi a inspiradora, e em parte a autora, de tudo que há de melhor em meus escritos - a amiga e esposa, cujo exaltado senso de verdade e justiça foi meu estímulo mais forte, e cuja aprovação foi minha principal recompensa - dedico este volume. Como tudo que escrevi por muitos anos, este livro pertence a ela tanto quanto a mim; mas esta obra, tal como está, teve em medida muito insuficiente o inestimável benefício da revisão dela; algumas das partes mais importantes haviam sido reservadas para um reexame cuidadoso, que estão agora destinadas a não receber jamais. Se fosse eu capaz de interpretar para o mundo metade dos grandes pensamentos e nobres sentimentos que estão sepultados em seu túmulo, eu seria o meio para um benefício maior do que o que se possa obter de qualquer coisa que escreva sem contar com e sem ser assistido por sua incomparável sabedoria." 

(In: Sobre a liberdade, obra de John Stuart Mill [1806-1873] dedicada à sua esposa Harriet Taylor [1807-1858]). 

Na verdade, H. Taylor foi o grande amor da vida de Mill, vale frisar, já que nem sempre a esposa (ou o marido) e o grande amor da vida andam juntas, quero dizer, coincidem na mesma pessoa. Mas eles têm uma bela história de amor, cumplicidade, companheirismo e parceria intelectual, tal como se pode perceber nas poucas linhas dessa tocante dedicatória. 

Quanto ao fato de Mill ser aqui chamado de filósofo feminista, isso pode ser verificado, entre outros escritos, a partir da leitura de seu ensaio intitulado A sujeição das mulheres. Há uma boa edição das duas obras aqui mencionadas, com uma ótima introdução crítica, publicada pela Penguin-Companhia.

Harriet Taylor
[tela de autoria desconhecida]

[a arte da primeira imagem é de Gail Campbell]

domingo, novembro 12, 2023

Sarau Marginal



People, no dia 29/11/2023 vai rolar o II Sarau Marginal da UENP, a partir das 21:00 h, na Petiscaria Universitária, ao lado do CCHE e da Ágora. 
Quem foi no primeiro sabe que a vibe foi eletrizante. Então, bora lá beber poesia e arte.

O II Sarau Marginal faz parte da programação da XVI Jornada de Debates: Encontros com a Filosofia: Filosofia e Literatura: uma transa? & XIII Encontro de Iniciação Científica em Filosofia da UENP. Acesse https://jornadadedebates2023.blogspot.com/   e saiba mais sobre as conferências, minicursos, intervenções culturais, inscrições e tudo mais...

quinta-feira, outubro 26, 2023

Filosofia e Literatura: uma transa?

de 28/11/2023 a 01/12/2023


Pode-se dizer que a relação entre a filosofia e a literatura vem sendo debatida há séculos. A história da filosofia está repleta de reflexões em torno desse tema. Reflexões que remontam, ao menos, à Grécia Antiga, com Platão e Aristóteles, e atravessam seus mais de 2.500 anos. Em cada período de sua história — antiga, medieval, moderna e contemporânea — há, nessa galáxia, uma constelação de filósofos-literatos e muita filosofia escrita em gêneros literários distintos: ensaios, diálogos, epístolas, tragédias, confissões, tratados, investigações, aforismos, romances filosóficos, romances autobiográficos, contos e poemas. 

Afora esse aspecto em torno dos gêneros textuais, tanto filosóficos quanto literários, temos, de um lado, em seu sentido primordial, a filosofia em busca da sabedoria, do conhecimento e compreensão das questões mais fundamentais da existência, e, de outro, a literatura, como arte criativa, expressa por meio da linguagem e suas mais diversas narrativas. Ambas se expressam por meio da linguagem, das palavras, dos discursos. E produzem textos, isto é, são textualmente transmissíveis, cada qual a seu modo.

Nesse horizonte, o que se percebe é que, embora a filosofia e a literatura sejam disciplinas distintas, mostram-se, em seus variados gêneros, temas, aspectos, perspectivas e problemas, profundamente entrelaçadas. Dá-se, digamos assim, uma relação transacional entre elas, isto é, de transação, no sentido, entre outros, que Benedito Nunes deu a essa relação, em seu ensaio Poesia e filosofia: uma transa (2010), designando o termo poesia “no sentido estrito de composição verbal, vazada em gênero poético, [...], mas designando, também, no sentido lato, o elemento espiritual da arte [...] que acompanha o poético do romance, do conto e da ficção em geral”. Ali Nunes também esclarece o uso e significado do vocábulo ‘filosofia’, estendendo-o da noção de um “sistema e da elaboração reflexiva à denominação dos escritos, textos ou obras filosóficas que os formulam” (NUNES, 2010).

Dessa perspectiva, o próprio evento também se torna transacional, na medida em que propõe pontes com o curso de Letras, num momento em que as ciências, sobretudo as ciências humanas, encontram-se tão isoladas, e que as humanidades perdem espaço nos currículos da educação básica. Diante desse cenário, buscamos promover um debate acerca de um possível parentesco discursivo entre essas duas áreas das ciências humanas, bem como em torno de suas críticas, semelhanças, dificuldades, diferenças, limites, gêneros, temas e problemas.

Pergunta-se: em que sentido filosofia e literatura se aproximam? Dialogam? Com que olhares se veem? Em que sentido haveria uma transa entre elas? Em que aspectos se diferenciam? Para discutir essas questões, a filosofia sai em busca de um encontro (um date) com a literatura. Promove uma jornada de debates, propõe um diálogo, um flerte, um caso de amor. Ambas como espaço de humanidades, de expressões da vida humana. Quer especular o que literatos e literatas têm a dizer sobre a filosofia, e o que filósofos e filósofas têm a dizer sobre a literatura. Quer saber o que nossos alunos, professores, artistas, estudiosos, autodidatas, diletantes e curiosos pensam a respeito. 

Em um evento de somente uma tarde e quatro noites, isso seria beber apenas uma gota do vasto e profundo oceano das Humanidades — conceito mais do que relevante nesse universo, e que deve ser sempre trazido à baila, tanto no ambiente acadêmico quanto fora dele. 



Coordenação Geral

Marília Côrtes de Ferraz

Vice-coordenação

Renan Henrique Baggio


Comissão Organizadora

Professores

Alexander Gonçalves
Antônio Carlos de Souza
Constança Barahona
Gerson Vasconcelos Luz
Guilherme Müller Junior
Luana Talita da Cruz
Marília Côrtes de Ferraz
Renan Henrique Baggio


Acadêmicos

Giovana Andrea da Silva
Giovanna Maria Koba Vieira
Isabella D'Aquino Marcondes Noronha
Mário André de Oliveira
Olga Heroany Cassemiro
Yuri Claro de Moraes Campos Miranda

Comissão Científica

Alexander Gonçalves
Antônio Carlos de Souza
Constança Barahona
Gerson Vasconcelos Luz
Guilherme Müller Junior
Luana Talita da Cruz
Luciana Brito
Marília Côrtes de Ferraz
Renan Henrique Baggio


acesse https://jornadadedebates2023.blogspot.com/   e saiba mais sobre as conferências, minicursos, intervenções culturais, inscrições e tudo mais...

terça-feira, agosto 15, 2023

Poesia e Filosofia


"Toda verdade pronunciada, conforme martelou Nietzsche, deixa atrás de si 'uma multidão movente de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, em suma, uma soma de relações humanas poética e retoricamente realçadas, transpostas, ornadas…'" 

(NUNES, Benedito. Poesia e filosofia: uma transa. In: Ensaios Filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 2010).



The passion of creation | Leonid Pasternak | 1892


sábado, março 11, 2023

Freud-se II

 "Aí estão os elementos, que parecem zombar de toda coerção humana; a terra, que treme, se fende e soterra tudo que é humano e obra do homem; a água, que, em rebelião, inunda e afoga tudo; a tempestade, que sopra tudo para longe; aí estão as doenças, que apenas há pouco tempo reconhecemos como sendo ataques de outros seres vivos; por fim, o doloroso enigma da morte, para o qual até agora não se descobriu nenhum remédio e provavelmente nunca se descubra. Com tais forças, a natureza se subleva contra nós, imponente, cruel e implacável, colocando-nos outra vez diante dos olhos a nossa fraqueza e o nosso desamparo, de que pensávamos ter escapado graças ao trabalho da cultura." 

[Sigmund Freud | In: O Futuro de uma Ilusão]






quinta-feira, março 31, 2022

Bom dia, deem uma viajadinha no tempo. Remontem aos anos finais do século XVIII — contexto da Revolução Francesa — e vejam o que essa mulher, Olympe de Gouges, ousou declarar em linhas que, dois anos mais tarde, entre outras, custaram-lhe a cabeça.


 

“Homem, você é capaz de ser justo? É uma mulher que lhe faz a pergunta — você não a despojará desse direito, pelo menos. Diga-me, quem lhe deu o poder soberano para oprimir meu sexo? A sua força? Os seus talentos? Observe o criador em sua sabedoria, percorra a natureza em toda a sua grandeza, da qual você parece querer aproximar-se, e dê-me, se você ousa, o exemplo desse império tirânico (n.1).

Retorne aos animais, consulte os elementos, estude os vegetais, enfim, olhe todas as modificações da matéria organizada, e renda-se à evidência, quando lhe ofereço os meios de fazê-lo. Procure, pesquise e distinga, se você puder, os sexos na administração da natureza. Em toda parte, você encontrará os sexos confundidos, em toda parte eles cooperam com um conjunto harmonioso para essa obra prima imortal.

Somente o homem costurou para si um princípio dessa exceção. Estranho, cego, inflado de ciências e degenerado, neste século de luzes e de sagacidade, na ignorância mais abjeta, ele quer comandar como déspota sobre um sexo que recebeu todas as faculdades intelectuais. Ele [este sexo] pretende usufruir da Revolução e reivindicar seus direitos à igualdade, para nada mais dizer.”

(N.1. De Paris ao Peru, do Japão ao Senegal, o homem é, a meu ver, o mais tolo animal (N.A.)).

[Acima, texto de abertura à Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, 1791].

Olympe de Gouges (1748-1793), dramaturga, ativista política, abolicionista, autora da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã (1791), foi acusada de traição e guilhotinada em 03 de novembro de 1793 “por haver esquecido as virtudes que convêm a seu sexo e por haver se intrometido nos assuntos da República” — um destino também compartilhado pela rainha Maria Antonieta da Áustria, esposa de Luís XVI. 

Tal Declaração, dedicada à rainha Maria Antonieta, é composta por um preâmbulo, dezessete artigos, um epílogo e mais algumas linhas sobre a “Forma do contrato social entre o homem e a mulher.” Encontra-se traduzida in: ROVERE, Maxime (Org.). Arqueofeminismo: Mulheres Filósofas e Filósofos Feministas. Séculos XVII e XVIII. São Paulo: n-1 Edições, 2019.

Vale muito a leitura!

domingo, agosto 15, 2021

Amor de filósofo, filósofo existencialista

 "Na cidade de H... viveu há alguns anos um jovem estudante chamado Johannes Climacus, que não desejava, de modo algum, fazer-se notar no mundo, dado que, pelo contrário, sua única felicidade era viver retirado e em silêncio. Aqueles que o conheciam um pouco melhor procuravam explicar pela melancolia ou pela paixão sua natureza fechada, que fugia de todo contato permanente com os homens. Os partidários desta última hipótese, de certa maneira, não estavam errados; enganavam-se, porém, ao pensar que era uma jovem o objeto de seus sonhos. Tais sentimentos eram completamente estranhos ao seu coração, e, assim como sua aparência exterior era delicada, etérea, quase transparente, sua alma, no mesmo grau, era por demais determinada pelo intelecto para se deixar cativar pela beleza de uma mulher. Estava apaixonado, ardorosamente apaixonado ─ pelo pensamento, ou, antes, pelo pensar."

"Nenhum jovem apaixonado, diante da passagem incompreensível, na qual o amor desperta no seu peito, diante do relâmpago que acende na amada um amor recíproco, poderia experimentar uma emoção mais profunda do que ele diante da passagem compreensível que um pensamento se encadeia em outro, uma passagem que representava para ele o instante feliz da realização do que pressentira e esperara no silêncio de sua alma. Então sua fronte se inclinava pensativamente, como uma espiga madura, não porque escutasse a voz da amada, mas porque prestava atenção ao murmúrio secreto dos pensamentos; seu olhar tornava-se sonhador, não porque adivinhasse a imagem da amada, mas porque via o movimento do pensamento aparecer diante de si. Seu prazer consistia em começar por um pensamento particular, a partir dele seguir o caminho da consequência, escalando degrau por degrau até um pensamento mais alto; pois a consequência era a seus olhos uma scala paradisi [escala do paraíso], e sua beatitude lhe parecia maior até que a dos anjos. Com efeito, tendo alcançado este pensamento mais alto, ele experimentava uma alegria indescritível, uma voluptuosidade apaixonada em mergulhar sob as mesmas consequências no raciocínio inverso até chegar ao ponto do qual partira. Entretanto..." [...] 

ah, entretanto... esse é só o começo, você vai ter que ler pra saber o que vem pela frente dessa magnífica e curiosa obra: uma verdadeira aula de filosofia, de fato, sui generis — escrita numa espécie de romance autobiográfico — repleta de poesia e sabedoria.

.............................................

Søren Aabye Kierkegaard (Copenhague 1813-1855).

[É preciso duvidar de tudo | Tradução de Sílvia S. Sampaio e Álvaro L. M. Valls | Prefácio e notas de Jacques Lafarge | São Paulo | Martins Fontes | 2003 | pp. 5-7].


segunda-feira, julho 19, 2021

Ciclo de Palestras 'Hume Filósofo Ensaísta'


O Ciclo de Palestras “Hume Filósofo Ensaísta” é um evento de extensão que se apresenta como parte das atividades de um Projeto de Pesquisa em desenvolvimento na UENP, intitulado “Hume Filósofo Ensaísta”, bem como parte das atividades do Grupo de Estudos de mesmo título, formado em março de 2020, a partir deste projeto. O evento contará com a presença de nove professores pesquisadores de outras instituições que, por sua vez, proferirão suas palestras em torno de alguns temas tratados por David Hume [1711-1776] em seus Ensaios Morais, Políticos e Literários [1741] — obra central de análise da pesquisa acima mencionada. 


 SOBRE HUME E SEUS ENSAIOS

David Hume [1711-1776] é considerado um dos espíritos mais luminosos do século XVIII e ocupa lugar de destaque entre os autores de língua inglesa, não somente como filósofo, mas também como ensaísta e historiador. Suas obras exploram uma ampla variedade de temas, que vão desde a epistemologia, a política, a moral e a estética, até a economia, a história e a metafísica. Dentre seus escritos filosóficos de maior envergadura encontra-se o Tratado da Natureza Humana [1739-1740], dividido em três partes: Do entendimento, Das paixões e Da moral — tal obra contém a exposição mais completa e detalhada de seu sistema filosófico, em aproximadamente 700 páginas. Mais tarde ele publicou, entre outros, dois textos mais concisos: a Investigação sobre o Entendimento Humano [1748] e a Investigação sobre os Princípios da Moral [1751], oferecendo, em ambas, exposições mais claras, breves e acessíveis sobre as principais teses do Tratado

Já os Ensaios Morais, Políticos e Literários [1741], obra que mais nos interessa aqui, apresentam, no estilo e na temática, o modelo criado por Montaigne em 1580 — e que inspirou textos de Francis Bacon, Alexander Pope, Samuel Johnson, Joseph Addison e muitos outros. Numa linguagem mais informal, ainda que culta e referida à République des Lettres, os Ensaios contêm textos curtos, fluentes e dirigidos ao leitor comum. Em Sobre a escrita de ensaios, Hume afirma ser este o gênero de escrita mais adequado à discussão da filosofia da vida comum, em oposição à filosofia abstrata. Ali ele diz considerar-se “uma espécie de representante ou embaixador dos domínios do saber nos domínios da conversação”, e que é seu dever promover “um diálogo fecundo entre esses dois Estados, que dependem inteiramente um do outro” (Essays, p. 535). 

Vale destacar a fusão entre estilo fluente e profundidade filosófica operada por Hume nesses Ensaios, assim como o intercâmbio entre os “homens de letras” e os “homens do mundo”. De acordo com ele, seria um erro confinar a filosofia aos tratados e gabinetes das universidades, separando-a do mundo e das boas companhias. Tal aproximação entre filosofia e vida comum constitui-se, pois, numa das principais contribuições dos 49 ensaios reunidos nas também aproximadamente 700 páginas desta imponente obra. Dessa perspectiva, um ciclo de palestras em torno dos Ensaios se apresenta, aqui, como uma excelente ferramenta de articulação entre pesquisa, ensino e extensão, possibilitando a geração de produção científica de qualidade e o aprimoramento da formação dos acadêmicos inseridos na complexidade e diversidade do mundo atual.

PROGRAMAÇÃO

1. Bel Limongi (UFPR) – 28/07/2021: Tema: O caráter político dos Ensaios Econômicos de Hume.

2. Franco Nero Soares (IFRS) – 11/08/2021: Tema: A felicidade é para todos? Hume e os limites da razão na regulação do temperamento.

3. Andreh Sabino (IFRN) - 25/08/2021: Tema: Cultura, polimento e comércio.

4. Stephanie Zahreddine (UFMG) – 08/09/2021: Tema: As "ocorrências irregulares e extraordinárias" do mundo político segundo David Hume.

5. Marcos Balieiro (UFS) – 15/09/2021: Tema: Considerações sobre a polidez em Hume.

6. Luiz Eva (UFABC) – 13/10/2021: Tema: (a definir)

7. Flávio Williges (UFSM) – 27/10/2021: Tema: O lugar das emoções na filosofia moral de Iris Murdoch.

8. Jaimir Conte (UFSC) – 10/11/2021: Tema: Sobre os ensaios póstumos de Hume: Da imortalidade da alma e Do Suicídio.

9. Fernão de Oliveira Salles (UFSCAR) - 24/11/2021: Tema: Comércio e civilização na filosofia de David Hume.


Inscrições e demais informações:

https://ciclodepalestrashu.wixsite.com/website


ORGANIZAÇÃO

COORDENAÇÃO
Marília Côrtes de Ferraz

COMISSÃO ORGANIZADORA
Marília Côrtes de Ferraz
Giovana Andrea da Silva
Douglas Trindade de Paula

ARTE E DESIGN
Douglas Trindade de Paula


UENP - Universidade Estadual do Norte do Paraná
CCHE - Centro de Ciências Humanas e da Educação
Colegiado do Curso de Filosofia
GEPFES - Grupo de Estudos e Pesquisa em Filosofia, Educação e Sociedade
Campus Jacarezinho


sexta-feira, setembro 04, 2020

quinta-feira, abril 09, 2020

Bom senso


Ontem, pela primeira vez, fiz uma reunião (virtual) de estudos com os alunos envolvidos em meu projeto de pesquisa na UENP. Um estudo sobre os Ensaios Morais, Políticos e Literários de Hume. Foi uma espécie de live, como denominou uma aluna. Live pelo Zoom. Achei bem interessante essa experiência, embora ainda não esteja muito familiarizada com esse formato virtual de discussões filosóficas, nem me entenda muito bem com a câmera e o aplicativo.

Por ter me debruçado um pouco sobre a obra, o autor e alguns temas relativos aos common affairs of life, e logo cedo ter me defrontado com alguns tititis sobre a pandemia e os pandemônios espalhados pelo mundo afora, assim como com a imensa variedade de opiniões, gostos, news e fake news sobre os diversos assuntos, me lembrei de uma passagem que abre o Discurso do Método (DM 1637) de Descartes.

Ora, mas Hume e Descartes não jogam em times rivais? Num certo sentido, ou mesmo em vários sentidos, sim! Teorias diferentes. Métodos distintos...

E Descartes não escreveu o DM lá no século XVII? Ele também não defendeu certas ideias que hoje não se sustentariam? Ok. Pode-se dizer que sim!

Mas, caros leitores, peço a vocês, avaliem por si mesmos se o que ele diz não faz sentido:

"O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal respeito; mas isso antes testemunha que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, destarte, que a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de serem uns mais racionais do que outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem” (DM I §1).

Sem mais,



sexta-feira, janeiro 03, 2020

Considerações sobre o princípio de proporcionalidade entre a causa e o efeito nos Diálogos de Hume



Recebi hoje a excelente e muito aguardada notícia de que mais um artigo meu foi publicado no ano de 2019.

Trata-se, neste artigo, de uma análise do princípio fundamental ─ like effects prove like causes ─ sobre o qual Cleanthes, nos Diálogos sobre a Religião Natural de Hume, apoia sua defesa do argumento do desígnio, bem como de um exame da estratégia argumentativa de Philo para enfraquecer paulatinamente a força do argumento defendido por Cleanthes.

Take a look e tire suas próprias conclusões. Para isso, acesse http://www.revistas.usp.br/discurso/issue/view/11356


quarta-feira, novembro 20, 2019

Memória





Vozes-Mulheres 

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
    

[Conceição Evaristo | Poemas de recordação e outros movimentos | p. 10-11]




Esta é a Nayara. Minha aluna da UENP em duas disciplinas: história da filosofia moderna e tópicos especiais de filosofia moral. Foi ela quem leu, sob absoluto silêncio, este poema fodástico na abertura da XII Jornada de Debates: Encontros com a Filosofia: Mulheres na Filosofia, antes mesmo de um 'boa noite a todas / boa noite a todos'. Há dias pensei em publicá-lo. Achei que hoje, dia da Consciência Negra, por razões óbvias, seria um bom dia.


quinta-feira, novembro 07, 2019

Zeitgeist : no espírito do tempo




Este é o cartaz da XII Jornada de Debates: Encontros com a Filosofia: Mulheres na Filosofia; e IX Encontro de Iniciação Científica em Filosofia da UENP. Um evento realizado nesta semana, entre os dias 04 e 07 de Novembro/2019, e coordenado por mim. Confesso que não foi fácil, desde a sua concepção até a sua realização final. 

Quando assumi coordenar essa Jornada, em torno de abril/maio/2019, ainda sem a escolha de um tema, jamais imaginei que ele viesse a se configurar precisamente neste. Passei algumas semanas pensando em alguns assuntos e também quais temas poderiam ser interessantes, ainda que eles não contemplassem propriamente meus horizontes de estudos. Propus em torno de sete temas: Filosofia e Literatura; Arte e Filosofia; Filosofia Ensaística; Filosofia Política; Filosofia, Misticismo, Superstição e Fanatismo; Filosofia e Senso Comum; Ceticismo; Mulheres na Filosofia.

A ideia de incluir o tema "Mulheres na Filosofia" me veio à mente quando me lembrei da formação  do GT Filosofia e Gênero e, posteriormente, passei a notar a série "Conheça Filósofas" promovida pela Associação Nacional de Pós-Gradução em Filosofia - ANPOF. Achei que o tema estava, digamos assim, na ordem do dia. Mas jamais imaginei que o colegiado, composto atualmente por nove homens e uma mulher (euzinha aqui), votasse nele. 

De imediato, me vi em maus lençóis, uma vez que em 20 anos de academia estudei apenas o pensamento de filósofos homens. Curioso é que nunca havia estranhado propriamente tal fato. Tomava a hegemonia masculina dos cânones filosóficos e agendas de pesquisas nesse assunto como algo natural. Afora as mulheres que li (fora da academia), mais da literatura do que propriamente da filosofia, não conhecia bulhufas desse tema, nem ninguém que o trabalhasse pontualmente. Algo nada difícil de descobrir, dadas as ferramentas de pesquisa disponíveis na atualidade. 

A princípio, mal percebi que o assunto nos conduz, num certo sentido de modo indissociável, ao tópico do feminismo e às discussões sobre gênero e violência contra a mulher. Definitivamente, tal tema passava ao longe de meus horizontes de estudos, embora estivesse sempre a me rondar. Comecei a pesquisar, num primeiro momento, com uma certa resistência. Jamais havia me envolvido efetivamente com o feminismo, suas lutas e desdobramentos. Tampouco me assumia, declaradamente, como feminista. Porém, passei a perceber, de uns tempos pra cá, e, definitivamente, após me envolver com esse evento, que, na verdade, sempre fui feminista ─ feminista na vida, dada a maneira como a levei, e dadas algumas posturas determinantes que assumi e certas atitudes que tomei nesse meu mais de meio século de existência.

Foram meses gestando uma proposta, uma imagem e um texto de abertura que pudesse representá-la. A imagem já se encontra acima (arte realizada pelo Paulo Guerreiro da Concebe Agência de Publicidade). O texto, lido na abertura, após a leitura de um poema de Conceição Evaristo (depois eu digo qual e publico), segue abaixo:



XII JORNADA DE DEBATES: ENCONTROS COM A FILOSOFIA
MULHERES NA FILOSOFIA
IX ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM FILOSOFIA DA UENP


Na contemporaneidade, a mulher na filosofia assume uma posição sem dúvida bastante relevante. Isso se dá, principalmente, em virtude do momento histórico atual que, por sua vez, exige a inserção da mulher como conceito filosófico em face aos diversos sistemas e perspectivas de pensamento. Nesse horizonte, torna-se urgente pensar e ressignificar outros conceitos que, há algum tempo, encontram-se em crise: política, diversidade, minorias, lugar de fala, igualdade de gênero, feminismo, liberdade, violência, resistência, modos de avaliação e valoração de conhecimentos, práticas, culturas, etc. Contudo, é sabido que a presença das mulheres na filosofia (assim como em outras áreas do saber) foi, em grande parte, apagada ao longo de toda a tradição filosófica. Quer dizer, a perspectiva filosófica da mulher não se constitui de modo consistente como parte dessa tradição. Mas não é verdade que elas não existiram. A aparente ausência das Mulheres na Filosofia revela, em larga medida, desconhecimento da própria historiografia da filosofia: Hipátia de Alexandria, Aspásia, Safo de Lesbos, Hildegarda de Bingen, Lou Andreas Salomé, Susan Sontag, Graciela Hierro, Angela Davis, Émile Du Châtelet, Edith Stein, Rosa Luxemburgo, Simone de Beauvoir, Margaret Cavendish, Damaris Cudworth, Marie de Gournay, Christine de Pizan, Elizabeth de Bohemia, Judith Butler, Mary Astell, Anne Conway, Hannah Arendt (e tantas outras que não foram aqui mencionadas) figuram nesse universo filosófico até então muito pouco explorado e de evidente supremacia masculina. Ora, não cabe mais apontarmos esse apagamento das mulheres filósofas como ausência de Mulheres na Filosofia. É preciso, antes, questioná-lo, tendo em vista a construção histórica do pensamento e os diversos motivos pelos quais essas vozes estiveram relegadas ao silêncio. De outro lado, a crise das Humanidades aponta para um levante extremamente interessante de escrituras – filosóficas e literárias – nas quais as vozes das mulheres ressoam em caráter investigativo e reflexivo acerca de problemas e questões não apenas filosóficas, mas também políticas, econômicas, sociais e culturais. Em vista disso, uma Jornada de Debates em torno desse tema vem ao encontro dessas vozes femininas que clamam por uma investigação, resgate e lugar de fala das Mulheres na Filosofia. Alinhar as diretrizes de pesquisa em filosofia da UENP com os problemas que estão sendo postos na esfera nacional de pesquisa pela ANPOF ─ e, em especial, com as demandas sociais, políticas, econômicas e culturais da atualidade ─ visa aqui, além de promover o debate, revirar os cânones filosóficos, incluindo as filósofas nas agendas de ensino, pesquisa e extensão das universidades, de modo a reconhecer e fortalecer a presença fundamental das Mulheres na Filosofia e seus possíveis desdobramentos.


***
[obs: as primeiras linhas desse texto foram traçadas, lá no início, por um aluno da filosofia, Murilo N. Nucini, que topou de cara me ajudar a pensar  num projeto para esse evento. De lá para cá, o texto deu voltas e voltas em ma tête. Cortei, acrescentei, incluí, excluí, revirei frases, termos, expressões e parágrafos, mudei a ordem, torci e retorci, encorpando-o significativamente. Um retoque semifinal (aquele olhar exterior necessário de quem não o tem já viciado depois de tantas edições e reedições) foi dado pela minha amiga Bárbara Marques, professora da UEL  uma das conferencistas que já trabalhava esse tema].


Bom, acho que posso dizer, sem receio de passar por mentirosa, que o evento foi impactante para todos aqueles que participaram. De minha parte, tomei ciência de muitas mulheres filósofas escritoras porretas e poderosas da filosofia antiga, medieval, moderna e contemporânea. Como tema de estudos - Mulheres na Filosofia - será um caminho sem volta, ainda que eu não vá abandonar os estudos de meus filósofos preferidos. Um novo leque se abriu. Tenho em vista, agora, novos horizontes. Minhas alunas(os) também.

Para mais informações sobre essa XII Jornada de Debates (resumos das conferências, minicurso, mesa-redonda, intervenções culturais, atividade paralela e comunicações), acesse: 



sexta-feira, agosto 30, 2019

O Fideísmo Místico de Demea e sua crítica ao Antropomorfismo nos "Diálogos" de Hume




Sensação boa essa de chegar em casa e encontrar um 'packet' contendo aquele artigo publicado depois de tanto tempo guardado e aguardado.

Apesar da espinhosa especificidade do tema, foi escrito no espírito segundo o qual "as decisões filosóficas nada mais são do que as reflexões da vida ordinária, sistematizadas e corrigidas" (EHU 12 | Hume | 1711-1776).

acesso em

Síntese: Revista de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.





Hume, nos Diálogos sobre a religião natural, faz com que o personagem Demea defenda algumas teses que, a meu ver, podem ser formuladas do seguinte modo: i) a assimilação dos tradicionais atributos divinos depende de argumentos místico-religiosos, pois nossa razão, embora seja potente para provar a existência de Deus, não tem poderes para nos dizer qual a sua natureza; ii)  o antropomorfismo implicado na tese de Cleanthes é inaceitável; e iii) a existência de Deus pode e deve ser demonstrada por um argumento formal ou prova a priori. Pretendo, neste artigo, examinar conjuntamente as duas primeiras teses, uma vez que as entendo como teses solidárias, isto é, uma implica a outra. Defendo que o fideísmo místico (ou misticismo religioso) de Demea está circunscrito à sua concepção religiosa cristã e que seu compromisso mais forte em sua crítica ao argumento do desígnio é com a teologia racional subjacente à prova da existência de Deus. Para tanto, faço um exame dos argumentos que Demea oferece contra o antropomorfismo implicado no argumento do desígnio e suas relações com aquilo que chamei de fideísmo místico.

Palavras-chave: Religião Natural, Existência de Deus, Natureza Divina, Fideísmo Místico, Antropomorfismo.


sexta-feira, maio 24, 2019

The true idea of the human mind





Nos dias 06 e 07 de junho/2019, terei o prazer de estar na UNICAMP, a convite do Prof. Dr. Daniel Omar Perez, para falar sobre a identidade e princípio de união que constitui uma pessoa, com base na formulação dada por Hume a este tema no Tratado da Natureza Humana.



Título I

I. Hume e a concepção de sujeito num teatro sem palco

(graduação: livro I)

[06/06/2019, 19 h, sala 05 do prédio da graduação do IFCH]


Título II


II. O papel das paixões na formação do sujeito em Hume

(pós-graduação: livro II)

[07/06/2019, 19 h, prédio da pós-graduação do IFCH]



Resumo: O tema da identidade pessoal tornou-se muito debatido na filosofia moderna e contemporânea a partir da controversa formulação dada por Hume no livro I do Tratado da Natureza Humana (1.4.6). Ali Hume rejeita a tese metafísica, defendida por alguns de seus antecessores e contemporâneos, segundo a qual existe um eu substancial, incorpóreo, contínuo e invariável ao longo do tempo, dotado de identidade e simplicidade perfeitas. Hume argumenta que a atribuição de uma identidade pessoal a um sujeito é produto de uma ficção, bem como de uma tendência natural da imaginação em conectar percepções na mente por meio de certos princípios associativos. Tendo em vista esclarecer o que a filosofia de Hume tem a dizer acerca da identidade do ‘eu ou pessoa’ a partir do pensamento e da imaginação (Livro I), e o que pode ser dito sobre ela a partir das paixões e do interesse próprio (Livro II), as aulas terão como objetivo uma exposição geral do tema por meio do exame de alguns elementos articuladores centrais de sua filosofia implicados neste tópico, tais como: percepções, impressões, ideias (e seus princípios de associação), imaginação, memória, crença, paixões e the true idea of the human mind.


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Art by Matthew Spiegelman


sábado, setembro 15, 2018

Humanidades






Encontrei há alguns dias esse velho livro em minha estante. Tá surrado (é de 1980), e certamente existem hoje edições bem melhores. Esse eu comprei quando ainda era teen. Na época, entre as diversas áreas de conhecimento, era a física que mais me despertava a curiosidade e interesse (e mais como diletante, claro, pois havia saído há apenas um ano do colegial e ainda não sabia bem o que queria fazer da vida).  

O estudo da filosofia (que não fazia parte do currículo escolar daquele tempo) só entrou pra valer em minha vida quase 20 anos depois. Nesses 20 anos me mudei várias vezes de casa, de cidade, de opiniões e de ideias, me perdi outras tantas pelos caminhos, mas não perdi o livro. Tenho um baita apreço por ele e por muitas das ideias e opiniões de Einstein sobre o mundo. Eis uma delas:



Educação em vista de um pensamento livre

"Não basta ensinar ao homem uma especialidade. Porque se tornará assim uma máquina utilizável, mas não uma personalidade. É necessário que adquira um sentimento, um senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto. A não ser assim, ele se assemelhará, com seus conhecimentos profissionais, mais a um cão ensinado do que a uma criatura harmoniosamente desenvolvida. Deve aprender a compreender as motivações dos homens, suas quimeras e suas angústias para determinar com exatidão seu lugar exato em relação a seus próximos e à comunidade.

Estas reflexões essenciais, comunicadas à jovem geração graças aos contatos vivos com os professores, de forma alguma se encontram escritas nos manuais. É assim que se expressa e se forma de início toda a cultura. Quando aconselho com ardor "As Humanidades", quero recomendar esta cultura viva, e não um saber fossilizado, sobretudo em história e filosofia.

Os excessos do sistema de competição e de especialização prematura, sob o falacioso pretexto de eficácia, assassinam o espírito, impossibilitam qualquer vida cultural e chegam a suprimir os progressos nas ciências do futuro. É preciso, enfim, tendo em vista a realização de uma educação perfeita, desenvolver o espírito crítico na inteligência do jovem. [...] O ensino deveria ser assim: quem o receba o recolha como um dom inestimável, mas nunca como uma obrigação penosa."


Albert Einstein
Como Vejo o Mundo
(pp.29-30)


domingo, agosto 05, 2018

Diletantes, diletantes!





Os escritos filosóficos considerados menores de Arthur Schopenhauer, Parerga e Paralipomena [1851] (traduzido por Restos e Acessórios), traz um título bastante estranho, mas que se esclarece em seu subtítulo: "Pensamentos isolados, todavia ordenados sistematicamente, sobre diversos assuntos".

Pode-se dizer que essa obra é uma espécie de coletânea de pequenos ensaios filosóficos sobre temas variados. Nela, Schopenhauer discute questões fundamentais que já foram desenvolvidas em algumas de suas obras anteriores como, por exemplo, em O mundo como vontade e representação [1818] ou em Sobre o fundamento da moral [1840], mas discute também assuntos mais prosaicos como, por exemplo, em Sobre as mulheres, a natureza, o valor e a aptidão das mulheres - um escrito polêmico sobre o qual já  me meti a comentar aqui - o que, por sua vez, causou a fúria de grande parte do meu parco exército de leitores anônimos (cujos comentários ofensivos não foram publicados), e alguns pequenos debates interessantes.

Contudo, não vim aqui para falar sobre as mulheres, mas sim para apresentar uma curiosa passagem de A arte de escrever: uma pequena coletânea de cinco escritos extraídos dos Parerga e Paralipomena (na tradução de Pedro Süssekind) que a LP&M, em sua primeira edição, publicou em 2005. Em tais ensaios, Schopenhauer tece considerações a respeito de diversos assuntos relacionados à literatura. 

Ele critica de modo sempre muito contundente e, às vezes, até mesmo muito engraçado, mal-humorado (as usual), e, ainda, de modo injusto, a literatura de consumo, buscando identificar a decadência da literatura por intermédio de uma crítica aos escritores eruditos de sua época, sobretudo da Alemanha. Conforme Süssekind assinala, nestes curtos ensaios ele também defende "um outro tipo de produção literária que possa ser contraposto ao então vigente" (p.9). Mas o ponto aqui não é esse.





 Vamos à passagem:

"Diletantes, diletantes! - Assim os que exercem uma ciência ou uma arte por amor a ela, por alegria, per il loro diletto [pelo seu deleite], são chamados com desprezo por aqueles que se consagram a tais coisas com vistas ao que ganham, porque seu objeto dileto é o dinheiro que têm a receber. Esse desdém se baseia na sua convicção desprezível de que ninguém se dedicaria seriamente a um assunto se não fosse impelido pela necessidade, pela fome ou por uma avidez semelhante. O público possui o mesmo espírito e, por conseguinte, a mesma opinião: daí provém seu respeito habitual pelas 'pessoas da área' e sua desconfiança em relação aos diletantes. Na verdade, para o diletante, ao contrário, o assunto é o fim, e para o homem da área como tal, apenas um meio. No entanto, só se dedicará a um assunto com toda a seriedade alguém que esteja envolvido de modo imediato e que se ocupe dele com amor, con amore. É sempre de tais pessoas, e não dos assalariados, que vêm as grandes descobertas" (Schopenhauer | Sobre a erudição e os eruditos | § 6 | p.23).

Well, nada impede alguém da área de se ocupar de seu assunto com amor, e de um assalariado fazer grandes descobertas. Quer dizer, "alguém da área" e "ocupar-se de seu assunto com amor" não são coisas necessariamente excludentes, tampouco um "assalariado" fazer "grandes descobertas". Mas sabemos que Schopenhauer possui uma verve acalorada, considerada muitas vezes no mínimo politicamente incorreta, e o que ele quer mesmo dizer é que "para a imensa maioria dos eruditos, sua ciência é um meio e não um fim, [...] e que a verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os gêneros, quando elas forem produzidas em função de si mesmas e não como meios para fins ulteriores" (§ 4, p.21). 

No entanto, os fatos parecem contradizer essa teoria se pensarmos, por exemplo, nas condições sob as quais, de acordo com o que a história nos conta, muitas vezes, Balzac e Dostoiévski produziram suas obras, ou seja, para pagarem suas dívidas.  Talvez se Schopenhauer tivesse incluído um 'apenas', a frase acima citada teria soado melhor: "a verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os gêneros, quando elas forem produzidas em função de si mesmas e não [apenas] como meios para fins ulteriores". Pois nada impede que os artistas, literatos, escritores e filósofos se sustentem ou ganhem dinheiro com a arte e/ou a ciência que os envolvem con amore, ou com as quais eles se envolvem per amore. 


domingo, julho 29, 2018

O dia do juízo


"Aviso: a não ser que prefirais o inferno ao céu (pois há gosto para tudo, e o inferno de muitos - ó preciosa liberdade de escolher – é o céu de inumeráveis), de nenhum modo, e nem por isso, deveis descuidar-vos em vida, tendo presente que o vosso reino, este, aquele, ou aqueloutro, começa no lugar em que tiverdes apoiado os pés. Que até lá, a existência vos pese menos que uma pá de cal. 
Saudações e paz." 

Rosário Fusco | in: Dia do Juízo |  Rio de Janeiro | José Olympio | 1961 | p.250


Juízo Final | 1570 | by Marten de Vos



Encontrei a citação acima, por acaso, quando navegava à procura de informações sobre este autor tão interessante e, ao mesmo tempo, tão pouco conhecido. Fusco é considerado um escritor maldito que traz em sua escrita preocupações já discutidas por tantos outros escritores e filósofos: as relações entre o homem e Deus, o bem e o mal, o real e o ilusório, a dor e o sofrimento, o sentimento de culpa, o instinto e a moralidade dos costumes, os infernos psíquicos and so on

Porém, eu ainda nem li o romance, última obra dele, apesar de ter ficado curiosíssima, em virtude da mordacidade da citada passagem e de todas as outras coisas que li a respeito dele e de suas obras. Mas, registre-se, eu nem acredito nesse tal dia do juízo final, embora o tema, como crença muito difundida entre as diversas religiões, seja filosoficamente instigante. That's all!


***

[Ops, mais uma coisa: sobre esse tema, Juízo Final, tratei numa entrevista informal "sobre o fim do mundo", em 2006, tempo em que ideia levava acento e ainda se usava trema. Acesso em http://mariliacortes.blogspot.com/search/label/Ju%C3%ADzo%20Final  São IX questões dispostas em ordem inversa, isto é, deve-se rolar a página até o fim e iniciar a leitura debaixo para cima. Fiz uma revisão, mudei algumas imagens, mas não alterei em nada as minhas respostas ].


segunda-feira, junho 18, 2018

De olhos bem vendados


Imaging Red |Asya Kucherevskaya


Nunca, na história deste país, os fatos contradisseram tão bem o velho ditado-clichê segundo o qual a justiça tarda, mas não falha. Aqui, em nossa corrupta e mal administrada res publica, a justiça não apenas tarda, mas, na maioria das vezes, também falha. E, pior, agoniza!

Aliás, eu diria, não apenas aqui, na história deste país, e agora, em nosso tempo (nesse caso, o "nunca" introduz o assunto aqui apenas como recurso retórico). Se houve na história da humanidade, acho eu, um tempo e lugar no qual a justiça (pensemos especialmente naquilo que costumamos chamar de justiça social) se fez efetivamente justa, prevalecendo sobre as injustiças, esse tempo deve ter sido muito curto. Não é à toa que desde Sócrates e Platão essa virtude cardeal par excellence  foi e continua sendo matéria de diversas controvérsias, teses e dissertações.

É claro que alguns vão dizer que Deus - o supremo legislador moral - está vendo e fará a justiça prevalecer no dia do juízo final, que não compreendemos seus onibenevolentes desígnios, que Ele nos reserva um verdadeiro paraíso no além, e que, em algum momento, todos os males serão punidos e todos os bens recompensados, ou mesmo que, do ponto de vista da eternidade ou do todo (que ninguém jamais alcança, diga-se de passagem, exceto o próprio Deus, caso exista), os males, misérias e injustiças que superabundam no mundo serão, ao fim e ao cabo, bens para o universo.

Mas isso, diriam outros, já seria sair do exame da vida ordinária, ultrapassar o alcance e os limites de nossas faculdades e adentrar o reino das fadas, centauros e dragões.


Giulio Aristide Sartorio | Studio per la Gorgone e gli eroi


sábado, novembro 04, 2017

Entre a solidão e o convívio social


David Hume [1711-1776], na conclusão do Livro 1 do Tratado da Natureza Humana (T) encontra-se num estado que tenho (quase) certeza de que, se não todos, ao menos a maior parte daqueles que estudam filosofia já se encontraram num dado momento de seus estudos, numa certa hora de seus dias ou de suas noites.


Hume se vê assustado, confuso, e numa solidão desesperadora diante das reflexões que empreendeu ao escrever e concluir o livro I do Tratado intitulado Do Entendimento


Logo no § 1 ele confessa, um tanto melancólico e desesperado, além de assustado e confuso, como se sente diante da viagem que empreendera. Salta, ao menos aos meus olhos, que Hume é, aqui, não apenas um filósofo, mas também um literato muito poético...



“Sinto-me como um homem que, após encalhar em vários bancos de areia, e escapar por muito pouco do naufrágio ao navegar por um pequeno esteiro, ainda tem a temeridade de fazer-se ao mar na mesma embarcação avariada e maltratada pelas intempéries, levando sua ambição a tal ponto que pensa em cruzar o globo terrestre em circunstâncias tão desfavoráveis. A memória de meus erros e perplexidades passados me faz desconfiar do futuro. A condição desoladora, a fraqueza e desordem das faculdades que sou obrigado a empregar em minhas investigações, aumentam minhas apreensões. E a impossibilidade de melhorar ou corrigir essas faculdades me reduz quase ao desespero, fazendo-me preferir perecer sobre o rochedo estéril em que ora me encontro a me aventurar por esse ilimitado oceano que se perde na imensidão. Essa súbita visão do perigo a que estou exposto me enche de melancolia; e como costumamos ceder a esta paixão mais que a todas as outras, não posso me impedir de alimentar meu desespero com todas essas reflexões desalentadoras, que o presente tema me proporciona em tamanha abundância” (T 1.4.7 §1).


Caminhando do prazer à dor, Hume hesita entre a inclinação natural a buscar diversões e companhias e a inclinação natural a devanear solitariamente.

“A  visão intensa dessas variadas contradições e imperfeições da razão humana me afetou de tal maneira, e inflamou minha mente a tal ponto, que estou prestes a rejeitar toda crença e raciocínio, e não consigo considerar uma só opinião como mais provável ou verossímil que as outras. Onde estou, o que sou? De que causas derivo minha existência, e a quem devo temer? Que seres me cercam? Sobre quem exerço influência, e quem exerce influência sobre mim? Todas essas questões me confundem, e começo a me imaginar na condição mais deplorável, envolvido pela mais profunda escuridão, e inteiramente privado do uso de meus membros e faculdades (T 1.4.7 §8). Felizmente ocorre que, sendo a razão incapaz de dissipar essas nuvens, a própria natureza o faz, e me cura dessa melancolia e delírio filosóficos, tornando mais branda essa inclinação da mente, ou então fornecendo-me alguma distração e alguma impressão sensível mais vívida, que apagam todas essas quimeras. Janto, jogo uma partida de gamão, converso e me alegro com meus amigos; após três ou quatro horas de diversão. Quando quero retomar essas especulações, elas me parecem tão frias, forçadas e ridículas, que não me sinto mais disposto a levá-las adiante” (T 1.4.7.§9).

Nesse momento, Hume se encontra “absoluta e necessariamente determinado a viver, a falar e a agir como as outras pessoas, nos assuntos da vida corrente”, e se diz pronto a lançar ao fogo todos os seus livros e papéis, bem como disposto a nunca mais renunciar “aos prazeres da vida em benefício do raciocínio e da filosofia” (T 1.4.7.§10).

Em seguida, ele pergunta a si mesmo: “... seguir-se-á que devo lutar contra a corrente da natureza, que me conduz à indolência e ao prazer? Que devo me isolar, em alguma medida, do comércio e da sociedade dos outros homens? E que tenho de torturar meu cérebro com sutilezas e sofisticarias, no momento mesmo em que não sou capaz de me convencer da razoabilidade de uma aplicação tão penosa, nem tenho qualquer perspectiva tolerável de, por seu intermédio, chegar à verdade e à certeza (T 1.4.7.§10)?

E então? Deverá Hume continuar “a vagar em meio a tão lúgubres solidões e atravessar mares tão bravios quanto os que até agora” (T 1.4.7.§10) ele encontrou? 


E eu? Deverei...?

[HUME, David. Tratado da Natureza Humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais. Tradução de Débora Danowski. — São Paulo: UNESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001].