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sexta-feira, agosto 30, 2019

O Fideísmo Místico de Demea e sua crítica ao Antropomorfismo nos "Diálogos" de Hume




Sensação boa essa de chegar em casa e encontrar um 'packet' contendo aquele artigo publicado depois de tanto tempo guardado e aguardado.

Apesar da espinhosa especificidade do tema, foi escrito no espírito segundo o qual "as decisões filosóficas nada mais são do que as reflexões da vida ordinária, sistematizadas e corrigidas" (EHU 12 | Hume | 1711-1776).

acesso em

Síntese: Revista de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.





Hume, nos Diálogos sobre a religião natural, faz com que o personagem Demea defenda algumas teses que, a meu ver, podem ser formuladas do seguinte modo: i) a assimilação dos tradicionais atributos divinos depende de argumentos místico-religiosos, pois nossa razão, embora seja potente para provar a existência de Deus, não tem poderes para nos dizer qual a sua natureza; ii)  o antropomorfismo implicado na tese de Cleanthes é inaceitável; e iii) a existência de Deus pode e deve ser demonstrada por um argumento formal ou prova a priori. Pretendo, neste artigo, examinar conjuntamente as duas primeiras teses, uma vez que as entendo como teses solidárias, isto é, uma implica a outra. Defendo que o fideísmo místico (ou misticismo religioso) de Demea está circunscrito à sua concepção religiosa cristã e que seu compromisso mais forte em sua crítica ao argumento do desígnio é com a teologia racional subjacente à prova da existência de Deus. Para tanto, faço um exame dos argumentos que Demea oferece contra o antropomorfismo implicado no argumento do desígnio e suas relações com aquilo que chamei de fideísmo místico.

Palavras-chave: Religião Natural, Existência de Deus, Natureza Divina, Fideísmo Místico, Antropomorfismo.


sexta-feira, maio 26, 2017

Diálogos sobre a religião natural


"No caso dos raciocínios teológicos [...] 
somos como forasteiros numa terra estranha,
aos quais tudo parece suspeito" (D 1 § 10: 37).

[ William Blake | O primeiro dia |1794 ]

Os Diálogos Sobre a Religião Natural, escritos entre 1751 e 1755 e publicados em 1779, constituem-se num dos mais importantes e influentes textos filosóficos de Hume, bem como num dos mais belos e engenhosos exemplos de diálogo filosófico. E embora a obra seja voltada para a temática da filosofia da religião, ela é uma contribuição de primeira grandeza para investigações filosóficas mais gerais como, por exemplo, metafísica, teorias do conhecimento, e também para a própria filosofia moral ou ciência da natureza humana que Hume pretendeu fundar. Nesse sentido, o texto dos Diálogos é um clássico filosófico amplamente reconhecido que figura entre as obras mestras de Hume.


Acesso ao cronograma do evento em http://filosofia.ufsc.br/

I'll be there...


sábado, janeiro 07, 2017

O eterno silêncio




SAIR

Largar o cobertor, a cama, o
medo, o terço, o quarto, largar
toda simbologia e religião; largar o
espírito, largar a alma, abrir a
porta principal e sair. Esta é
a única vida e contém inimaginável
beleza e dor. Já o sol,
as cores da terra e o
ar azul – o céu do dia –
mergulharam até a próxima aurora; a
noite está radiante e Deus não
existe nem faz falta. Tudo é
gratuito: as luzes cinéticas das avenidas,
o vulto ao vento das palmeiras
e a ânsia insaciável do jasmim;
e, sobre todas as coisas, o
eterno silêncio dos espaços infinitos que
nada dizem, nada querem dizer e
nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer.


Antonio Cicero | 'Sair' | A Cidade e os Livros | Editora Record | Rio de Janeiro | 2002 | p.77.


"... sobre todas as coisas, o eterno silêncio dos espaços infinitos que nada dizem, nada querem dizer e nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer. ... sobre todas as coisas, o eterno silêncio dos espaços infinitos que nada dizem, nada querem dizer e nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer. ... o eterno silêncio... sobre todas as coisas..."

Encontrei esse belo poema de Antonio Cicero num site de literatura que não me lembro qual. Fui conferir, agora, a autenticidade dele e o encontrei publicado no blog do próprio autor que, aliás, eu não conhecia (o blog, não o autor). Há, nesse blog, um desdobramento dessa publicação motivado por um comentário que serve como pretexto para uma reflexão que discorda do conteúdo do poema. Achei esquisito discordar do conteúdo de um poema, but... o rapaz acaba levantando questões interessantes. 

Antônio Cícero dá um show nas respostas, ainda que diga "não me sinto capaz de explicar um poema meu". Ele acaba sim, num certo sentido, explicando o poema ao responder as perguntas do rapaz. E faz isso muito bem (embora o poema não carecesse propriamente de explicação). Responde às questões com excelentes perguntas, suposições, interpretações possíveis e um raciocínio que me parece impecável. A discussão versa sobre o clássico tema da existência e natureza divinas, bem como sobre aquilo que ficou conhecido (seja na filosofia, na teologia ou na filosofia da religião) como o “problema do mal” — tema sobre o qual passei debruçada uns bons anos da minha vida. Há outros comentários ali, mas a discussão para a qual eu chamo a atenção é entre Lucas Nicolato e Antônio Cícero. Estou com um pouco de preguiça de reconstruir a discussão. Então, se tiver curiosidade, take a look: http://antoniocicero.blogspot.com.br/2007/08/sair.html.


quinta-feira, setembro 30, 2010

Existência de Deus e Natureza Divina

RESUMO - ANPOF 2010
Águas de Lindoia - SP

[04/10/2010 - 08/10/2010]
Existência de Deus e Natureza Divina nos Diálogos sobre a Religião Natural de Hume: uma análise do argumento de Demea

Demea alega no início dos Diálogos sobre a Religião Natural (D) que não se discute entre pessoas razoáveis a existência de Deus, mas apenas a sua natureza.  Ele também sustenta que a existência de Deus é uma “verdade certa e auto-evidente” (D II: 27). Mas cabe perguntar: Demea se compromete ao longo dos Diálogos com a alegada verdade indubitável e auto-evidente? Acredito que não. Penso que o compromisso de Demea com o teísmo tradicional pode ser considerado um compromisso forte. Mas esse compromisso não deixa de ser afetado pela confusão de Demea entre argumentos a priori e a posteriori, embora pareça não ser afetado pelo fideísmo místico da existência de Deus como uma “verdade certa e auto-evidente”. Entendo que essa intervenção inicial de Demea, bem como de algumas outras declarações que parecem isoladas (conforme tentarei mostrar nesta comunicação), tem mais valor retórico do que propriamente argumentativo. Ademais, quanto à sua declaração (e também a de Fílon) de que a existência de Deus não está em questão, mas apenas a sua natureza, salta aos olhos que os Diálogos versam não só sobre a natureza de Deus, mas também sobre a sua existência. Tudo bem que os três personagens se apresentem de acordo quanto à proposição de que Deus existe. Mas se a existência de Deus fosse, de fato, uma “verdade certa e auto-evidente”, penso que não haveria tanta dificuldade, tampouco tanta discordância assim, nem seria necessário apresentar complexos argumentos e uma prova em favor dela. Nós a tomaríamos facilmente como certa e auto-evidente e discutiríamos apenas a sua natureza. Todavia, para que a discussão sobre a natureza divina faça sentido, é necessário assentar, com base em bons argumentos, a sua existência. E tanto Cleantes quanto Demea se esforçam para estabelecer as bases da existência divina confrontando as provas e argumentos que cada um julga mais apropriados a ela. O principal argumento de Demea a favor da existência de Deus pode ser assim resumido: a determinação da existência de algo somente pode ser pensada ou a partir do acaso, ou do nada, (ou, ainda, de uma causa que exista por si). Mas é absolutamente impossível que alguma coisa produza a si mesma ou seja causa de sua própria existência. O acaso (no sentido de ausência de causa, bem entendido) é uma palavra sem significado (cf. D IX: 119). Do nada, não pode ser, pois o nada não produz coisa alguma. Logo, um efeito singular deve ter sua causa última remetida à noção de um Ser necessariamente existente. Apenas um ser necessariamente existente pode trazer consigo a razão de sua existência e permitir, assim, que se torne significativa toda a sucessão de causas e efeitos particulares (cf. D IX: 119). Isto considerado, a comunicação tem como objetivo a descompactação deste argumento e o exame das críticas que Cleantes e Fílon fazem a ele, bem como de outras possíveis críticas às alegações em favor da existência de Deus sustentadas por Demea.