Costumo anotar num caderninho algumas ideias,
frases, passagens e expressões literárias dos livros que leio. É como se elas me lessem e, ao me lerem, dizem algo mais. Quando li A Identidade de Milan Kundera
fiz isso. Anotações que me fizeram pensar e
repensar. Eis uma... e apenas uma delas:
Chantal
se pergunta:
“Saudade?
Como podia sentir saudade se ele estava na frente dela? Como se pode sofrer com
a ausência de alguém que está presente? (Jean-Marc saberia responder: pode-se
sofrer de saudade na presença do amado se se entrevê um futuro em que o amado
não está mais presente; se a morte do amado já está, então, invisivelmente
presente)” (p.39).
Algumas
vezes me fiz essa mesma pergunta, certamente porque me vi diante
dessa situação: sofrendo a ausência de alguém que estava presente, bem ali, na
minha frente.
A resposta de Jean-Marc me parece boa. Estou ali, na presença do
meu amado, mas, ao olhar para o futuro, não o vejo mais presente em minha vida. Vejo apenas a ausência dele ─ um vazio, uma dor. Sinto saudades, sofro e lamento
sua ausência presente.
Ops! como assim?
Eu
diria que se pode sofrer a ausência de alguém que está presente quando aquela
pessoa já não se apresenta mais como aquela que você conheceu, amou ou ama ainda.
Ela mudou, não é mais a mesma, malgrado seja ela mesma quem está bem ali na sua frente. Aquela ficou no passado. Hoje você a olha e não
a vê. Você está com ela, mas se sente só. Você ama quem já não existe mais ─ nem aqui, nem agora, nem lá ou acolá.
(Kundera, Milan. A Identidade. Tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Cia das Letras, 1998).
[Art | Os Amantes |1928 de René Magritte]