Os
ventos estão uivantes, hoje, aqui, nessa cidade que não é minha. Uivaram a
noite inteira. Quem leu O Morro dos
Ventos Uivantes sabe o que isso significa. Talvez, lá em baixo, nas ruas,
eles apenas soprem um ar morno, aquecido por um sol que brilha timidamente num
céu de braços abertos. Mas cá, dentro do meu minúsculo e acolhedor apartamento, pelas
frestas das janelas, ele uiva geme grita se contorce e chora, anunciando o maior dos pesos, isto é, o eterno retorno do mesmo.
Há tempos eu
não amaldiçoava, rangendo os dentes, o demônio que volta e meia aparece furtivamente em minha mais desolada solidão dizendo que terei de
viver esta vida, como a estou vivendo neste instante e já a vivi outrora, mais uma vez e por incontáveis
vezes; e que nada haverá de novo nela, que cada dor e cada prazer e cada
suspiro e pensamento, e que tudo que é inefavelmente grande e pequeno em minha
vida terá de me suceder de novo, tudo na mesma sequência e ordem, e que a
perene ampulheta do existir será sempre virada novamente, e eu, mera partícula
de poeira, serei virada e revirada junto com ela (e todas as outras partículas de poeira). Minutos
depois, após suspirar e pensar mais um pouco, lembrei-me que já experimentei instantes imensos nessa minha vida (muito maiores, melhores e mais
frequentes do que este), nos quais certamente eu poderia dizer que esse
demônio, na verdade, é um deus, e que a mensagem que ele assopra agora em meus
ouvidos me permite exclamar, com grande contentamento, jamais ter ouvido coisa
tão divina.
[quem conhece Nietzsche deve também conhecer (ou ao menos ter ouvido falar) de sua teoria sobre O eterno retorno do mesmo ─ anunciada no aforismo 341 de A Gaia Ciência, p.230, fonte inspiradora desse post, da edição da Cia. das Letras, 2001, e desenvolvida no Assim falou Zaratustra].