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quinta-feira, fevereiro 11, 2016

A voz da divina Loucura


Com a palavra, a Loucura:


"Sou difamada diariamente pelos homens, estes seres que estão acostumados a ferir minha reputação e conheço muito bem quanto soa mal o meu nome aos ouvidos dos mais tolos, mas me orgulho em vos dizer que esta Loucura que estais assistindo é a única que pode alegrar a vida dos deuses e dos mortais. A comprovação disso está na incontrolável alegria que brilhou nos olhos de todos quando eu surgi sublime, diante deste abundante palco" (p.17).



Pow! Acho essa abertura do Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam, um desbunde. O livro é bem louco rsr, interessante e polêmico. Nele, é a Loucura quem vos fala. Ela está ali, personificada na voz de uma deusa que, como ela mesma diz, basta a sua "nobre presença para conseguir aquilo que vigorosos oradores jamais alcançariam com um fastidioso e meditado discurso para expulsar de vossa alma... o tédio" (p.18). 

Extremamente irônica, a obra é uma sátira à sociedade dos séculos XV e XVI - um discurso pilhérico proferido pela própria Moria (e, note-se, esse detalhe é importante, a Loucura é feminina - é mulher). Esta, por usa vez, ridiculariza a sabedoria, os sistemas, os costumes, as crenças e os homens, incluído-se, aí, os acadêmicos, soberanos e papas. Ela deseja mostrar que tudo que diz é a cristalina verdade. Não há, na Loucura, nenhuma falsa modéstia. Ao contrário, numa roupagem excêntrica, trata-se de um auto-elogio, de uma auto-celebração, afinal, como ela mesma diz: "quem poderá fazer a minha pintura com mais veracidade do que eu mesma" (p.19)? Ela diz tudo que lhe vem à boca, sem papas na língua. E se regozija tremendamente com isso (p.20). 

"Adeus, pois, ilustres e caros amigos! Aplaudi, vivei, bebei, ó muito nobres iniciados nos segredos da Loucura" (p.191). 


Foi mesmo um prazer insano.

The grand finale
William Henry Barribal


(Rotterdam, Erasmo. Elogio da Loucura. Tradução de Ana Paula Pessoa. São Paulo: Sapienza, 2005).

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Artigos do III Encontro Hume


Encontra-se disponível a primeira edição comemorativa aos 300 anos de David Hume publicada pela Revista Controvérsia (2011/3). Trata-se de uma edição especial que reúne alguns artigos apresentados no III Encontro Hume, ocorrido na UNISINOS em 11-13/05/2011. Essa edição conta com os artigos de André Luiz Olivier da Silva, Fábio Augusto Guzzo, Franco Nero Antunes Soares, José Oscar de Almeida Marques, Marco Antonio Oliveira de Azevedo e Marília Côrtes de Ferraz, e pode ser acessada diretamente no endereço http://revistas.unisinos.br/index.php/controversia/article/view/5234

Em breve será publicada a próxima edição (2012/1) contendo os demais artigos aprovados no III Encontro. No que se refere ao meu artigo, eis o resumo:


A voz articulada proveniente das nuvens e a biblioteca natural de Cleanthes nos Diálogos sobre a Religião Natural de Hume

RESUMO: Meu objetivo neste artigo visa a um exame dos curiosos exemplos que o personagem Cleanthes apresenta na parte III dos Diálogos Sobre a Religião Natural de Hume, a saber, i) o da voz articulada proveniente das nuvens (D 3 §2: 48) e, ii) o da biblioteca natural repleta de livros que se perpetuam da mesma maneira que os animais e vegetais, isto é, por descendência e propagação (D 3 §4: 49). Tais exemplos são, conforme veremos, experimentos mentais que Cleanthes oferece como réplica às primeiras objeções que Philo apresenta ao argumento do desígnio. Entre os comentadores de Hume, William Morris os toma como bizarros, irrelevantes e inconsistentes com a metodologia experimental de Cleanthes. E. Rabbitte afirma que os exemplos mostram que Cleanthes perdeu o ponto central da crítica de Philo, e se mostra simpático à interpretação de Kemp Smith segundo a qual o primeiro exemplo serve para ilustrar o fracasso de Cleanthes em reconhecer o ponto e a força da crítica de Philo à analogia implicada no argumento do desígnio, e o segundo para preparar o caminho de Philo para entrar com sua artilharia de contra-argumentos às teses de Cleanthes. Keith Yandell, por sua vez, defende que a estratégia de Cleanthes quanto a estes exemplos parece bastante apropriada. Diante deste cenário de interpretações diversas, além de tentar esclarecer o significado e relação desses exemplos com a crítica de Philo ao argumento do desígnio, pretendo mostrar que eles cumprem um papel crucial na estratégia argumentativa de Philo e Hume nos Diálogos como um todo, conforme Smith e Yandell sugerem.

Palavras-chave: religião natural, argumento do desígnio, crítica, analogia