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quarta-feira, janeiro 08, 2014

Ausência na presença


Costumo anotar num caderninho algumas ideias, frases, passagens e expressões literárias dos livros que leio. É como se elas me lessem e, ao me lerem, dizem algo mais. Quando li A Identidade de Milan Kundera fiz isso. Anotações que me fizeram pensar e repensar. Eis uma... e apenas uma delas:

Chantal se pergunta:

“Saudade? Como podia sentir saudade se ele estava na frente dela? Como se pode sofrer com a ausência de alguém que está presente? (Jean-Marc saberia responder: pode-se sofrer de saudade na presença do amado se se entrevê um futuro em que o amado não está mais presente; se a morte do amado já está, então, invisivelmente presente)” (p.39).

Algumas vezes me fiz essa mesma pergunta, certamente porque me vi diante dessa situação: sofrendo a ausência de alguém que estava presente, bem ali, na minha frente. 

A resposta de Jean-Marc me parece boa. Estou ali, na presença do meu amado, mas, ao olhar para o futuro, não o vejo mais presente em minha vida. Vejo apenas a ausência dele  um vazio, uma dor. Sinto saudades, sofro e lamento sua ausência presente. 

Ops! como assim? 

Eu diria que se pode sofrer a ausência de alguém que está presente quando aquela pessoa já não se apresenta mais como aquela que você conheceu, amou ou ama ainda. Ela mudou, não é mais a mesma, malgrado seja ela mesma quem está bem ali na sua frente. Aquela ficou no passado. Hoje você a olha e não a vê. Você está com ela, mas se sente só. Você ama quem já não existe mais ─ nem aqui, nem agora, nem lá ou acolá.

(Kundera, Milan. A Identidade. Tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Cia das Letras, 1998).

[Art | Os Amantes |1928  de René Magritte]