Não acho que você interpretou mal. Mas sim de uma perspectiva unilateral. Acredito que o desespero pode ser entendido negativamente e associado à ausência de esperança, como algo que retira o amor de viver, como você falou. Mas também pode ser associado à esperança desesperada de vida, ou desespero de viver, de amar, de desejar e de ser feliz.
Posso dizer que fiz a associação que você fez em raríssimas situações em minha vida. O que me chamou a atenção na frase de Camus (e que me fez concordar com ele, por entendê-la a partir da minha vida, e não da dele) é a perspectiva, bem ao gosto nietzscheano (sorry rs), da Vontade de Potência, e, às vezes, mas só quando estou pessimista, ao gosto schopenhaueriano. No caso de Schopenhauer, refiro-me àquela vontade de vida insaciável, autofágica, sem direção e fim que nos leva a pendular do tédio à necessidade numa insatisfação desesperada. É um apetite desordenado, um desespero, mas não no sentido que geralmente eu entendo.
Meus desesperos não foram e não são raros, mas são desesperos que, em geral, aumentam o meu apetite de viver. Por isso simpatizo-me mais com a teoria nietzscheana (e aqui não quero entrar no mérito ou demérito de se Nietzsche é filósofo, poeta, bufão, louco ou dinamite) da Vontade de Potência, segundo a qual viveríamos (desesperadamente, a meu ver, se o quantum de vontade de potência for grande e forte) para ultrapassar limites, vencer desafios, culpas e ressentimentos – um auto superar-se, mas não naquele sentido piegas que a gente vive criticando rs.
Sendo mais radical, penso num desespero de poder vencer a morte. Não só a grande morte, no caso de a vida estar em risco, devido a uma doença fatal, um acidente grave, uma catástrofe, tragédia, ou apenas uma depressão profunda que, no extremo, te leve ao suicídio; como as pequenas mortes que vivemos em vida, ou seja, toda e qualquer perda que nos custe caro - como a de um amor, por exemplo.
Antes de associar desespero à falta de esperança, associo-o à esperança desesperada de superar (ou não ter que passar por) tudo isso aí que eu falei. É a idéia do náufrago que diante da consciência da morte iminente, agonizante, agarra-se a uma palha (ou tábua) na esperança de permanecer vivo: é desespero, mas é desespero de vida, de amor pela vida e por si próprio.
Você mesmo já me falou em algumas situações: nossa! como você ama a vida! não se desespere! Numa dessas vezes eu estava mesmo desesperada... e de medo! Voltávamos de Passo Fundo e na estrada despencou aquela chuva torrencial que tornou a viagem extremamente tensa e perigosa. Não enxergávamos um palmo adiante do nariz, não dava pra parar nos acostamentos, verdadeiras correntezas se formavam nas baixadas e curvas.
Enquanto isso, do outro lado do Estado do Paraná, minhas filhas mais novas também estavam na estrada, voltando de São Paulo com o pai, e eu, ali, com aquele espírito terrivelmente trágico, sofria desesperadamente com a idéia de que eles poderiam estar numa mesma (ou pior) situação, e que, portanto, alguma tragédia poderia ocorrer, fosse com eles ou conosco. O que me restava? Uma esperança desesperada de ultrapassar tudo aquilo e viver (apesar de tudo, pra mim, la vita è bella rsrs).
Quero (e acho que todo mundo quer) viver bem, feliz, com satisfação e prazer. Mas você sabe... não me agrada viver mornamente (não que eu goste de passar pela situação acima descrita). Como sou imperfeita, transbordo pelas tampas e peco, naturalmente, e na maioria das vezes, pelo excesso: excesso de intensidade rsrs. É isso que faz com que eu me identifique com o apetite desordenado, desespero e amor de viver de que Camus fala. Tá certo que com a experiência consegui ordenar melhor esse meu apetite, mas ainda faço muita desordem nessa vida hehehe.
Um beijo.