Lissy Elle's Photography
domingo, dezembro 31, 2023
to disappear
domingo, maio 14, 2023
Poema antigo
se amanhã o dia for cinzento,
se houver chuva
se houver vento,
ou se eu estiver cansado
dessa antiga melancolia
cinza fria
sobre as coisas
conhecidas pela casa
a mesa posta
e gasta
está tudo planejado
apago as luzes, no escuro
e abro o gás
de-fi-ni-ti-va-men-te
ou então
visto minhas calças vermelhas
e procuro uma festa
onde possa dançar rock
até cair
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[Caio Fernando Abreu | Revista Bravo | Fev 2006]
domingo, abril 23, 2023
Vazio
domingo, março 26, 2023
no need
tagarelar sobre
o óbvio.
exclamar pequenos
gastar sentimentos.
apenas instantes.
nem precisamos falar
desses segredos.
dos nossos amores.
só o silêncio e o vento
noite adentro.
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amiga que partiu,
assim,
de repente,
sem se despedir.
talvez por saber que,
na verdade,
sexta-feira, fevereiro 10, 2023
Cogito
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
[Torquato Neto | Cogito | In: Melhores poemas]
sábado, janeiro 07, 2023
O seu santo nome
Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
domingo, dezembro 04, 2022
In love
O amor,
Minha gente,
É um poema bem curtinho,
Que na sua incomensurável forma de ser,
Nos fode,
Sem a gente perceber.
sábado, outubro 29, 2022
Grito rubro que pulsa sob minha pele
Mesmo com a garganta
Perfurada pela lâmina do silêncio
O sangue pulsa vermelho
Mesmo que o carrasco
Arranque a língua insubmissa
O sangue grita vermelho
Mesmo sob a face do torturador
O corpo feito em pedaços
O sangue resiste vermelho
Mesmo com os olhos
Vagando na noite sem fim
O sangue brilha vermelho
Mesmo com rumores de ataques
Coturnos, bombas e tanques
O sangue da luta é vermelho
Mesmo com a corda no pescoço
Uma multidão pedindo nossas cabeças
O sangue permanece de pé, vermelho
Mesmo que os lábios toquem a lona
E sintam o gosto áspero da queda
O sangue levantará do chão, vermelho.
sábado, setembro 10, 2022
Tríptico II
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
— E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço —
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.
[Herberto Hélder, Tríptico II | in: A Colher na Boca | 1961]
sexta-feira, agosto 26, 2022
Hope
Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.
Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.
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Eugénio de Andrade
quinta-feira, agosto 18, 2022
Chuvosa
segunda-feira, março 21, 2022
O último brinde
Bebo à casa arruinada,
às dores da minha vida,
à solidão lado a lado
e a ti também eu bebo –
aos lábios que me mentiram,
ao frio mortal nos olhos,
ao mundo rude e brutal
e a Deus que não nos salvou.
Ilustración | Nicoletta Tomas Caravia | Espagne
sábado, dezembro 25, 2021
apocalyptic news
domingo, dezembro 12, 2021
Yourself
Virá o tempo
em que você, exaltado,
vai saudar a si mesmo chegando
à sua própria porta, em seu próprio espelho,
e vão trocar sorrisos de boas-vindas,
Vai amar o estranho que um dia você foi.
pra ele mesmo, o estranho que o amou
por outro alguém, que o conhece de cor.
Pegue da estante as cartas de amor,
descasque seu reflexo do espelho.
Sente-se. Sirva-se da vida.
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Love after love
The time will come
when, with elation
you will greet yourself arriving
at your own door, in your own mirror
and each will smile at the other's welcome,
You will love again the stranger who was your self.
Give wine. Give bread. Give back your heart
to itself, to the stranger who has loved you
for another, who knows you by heart.
Take down the love letters from the bookshelf,
peel your own image from the mirror.
Sit. Feast on your life.
sábado, outubro 30, 2021
Frutífera
'Da solidão do fruto'
De meu corpo ofereçoas minhas frutescências,
casca, polpa, semente.
E vazada de mim mesma
com desmesurada gula
apalpo-me em oferta
a fruta que sou.
Mastigo-me
e encontro o coração
de meu próprio fruto,
caroço aliciado,
a entupir os vazios
de meus entrededos.
'Da partilha do fruto'
as minhas frutescências,
e ao leve desejo-roçar
de quem me acolhe,
entrego-me aos suados,
suaves e úmidos gestos
de indistintas mãos e
de indistintos punhos,
pois na maturação da fruta,
em sua casca quase-quase
rompida,
boca proibida não há.
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quinta-feira, outubro 14, 2021
Moi-même
Eu não queria querer
sem ritmo, sem nada.
sábado, setembro 11, 2021
Filhos da época
Todas as tuas, nossas, vossas coisas
diurnas e noturnas,
são coisas políticas.
Querendo ou não querendo,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um aspecto político.
O que você diz tem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.
Até caminhando e cantando a canção
você dá passos políticos
sobre um solo político.
Versos apolíticos também são políticos,
e no alto a lua ilumina
com um brilho já pouco lunar.
Ser ou não ser, eis a questão.
Qual questão, me dirão.
Uma questão política.
Não precisa nem mesmo ser gente
para ter significado político.
Basta ser petróleo bruto,
ração concentrada ou matéria reciclável.
Ou mesa de conferência cuja forma
se discuta por meses a fio:
deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
numa mesa redonda ou quadrada.
Enquanto isso matavam-se os homens,
morriam os animais,
ardiam as casas,
ficavam ermos os campos,
como em épocas passadas
e menos políticas.
domingo, julho 25, 2021
Le son et le sens
entre a pedra e a perda
entre o vidro e o vivido
entre a onda e a sombra
entre o ritmo e o rito
entre o sonho e o sol
não ficou vestígio.
Só o som ficou
entre a letra e o espírito
no instante dito
no ar sumido
e este estar estrito
e este silêncio escrito —
tudo foi sentido.
[Rodrigo Garcia Lopes | O Enigma das Ondas | Iluminuras | 2000]
photo: Alper Durukan
sábado, junho 05, 2021
Se ...
domingo, maio 23, 2021
Tudo traz, tudo leva, tudo lava
Ela me perguntou o quanto eu a amava.
Reuni em vidro todos os humores vertidos:
sangue, sêmen, lágrimas.
Amo você tantos rios.
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Carla Madeira | Tudo é rio | Record | 2021