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sábado, junho 05, 2021

Se ...


fosse eu poeta
poetisa escritora
ou algo assim
ai de mim!

sacava aqui
agora e enfim
uma poesia
a toda prosa.

.................

[marília côrtes / 2021]


Asiza Fine Art

quarta-feira, fevereiro 27, 2019

Poesia e prosa



                          
Quem ri quando goza
é poesia
até quando é prosa



....................
(Alice Ruiz)



terça-feira, maio 09, 2017

Ausência


"Antes, tu estavas. Agora, tu não estás mais. O agora é um agora sem ti. Lá fora, tão mansamente cai a chuva. Mas é uma chuva sem ti, e não importa quão mansamente ela caia, não importa nem mesmo que seja ela ou não a chuva, porque ela, assim como todas as outras coisas, são coisas sem ti. E eu mesmo – eu respiro sem ti, meu coração pulsa sem ti em algum lugar fora do lugar do coração, eu me olho no espelho e verifico que sou uma face sem ti, meus olhos sem ti são dois buracos ocos sem serventia, já que a única serventia que eles tinham era olhar-te e agora, sem ti, eles miram estupidamente o vazio. Não me encontro alegre nem triste. Alegria e tristeza eram somente possíveis por ti, ou em teu louvor. Agora que te foste, não há razão alguma pela qual possa eu alegrar-me ou entristecer-me. Há apenas esse apático e despovoado e monótono agora sem ti e, dentro dele, lágrimas que verto sem razão."


[ Ygor Raduy | Pequeno Manual de Coisas Absolutamente (Ir)Relevantes ]




art by Mantha Tsialiou 

domingo, abril 30, 2017

Dispersa na imensidão


O confiteor do artista


Como são prementes os dias de outono! Ah! Prementes a ponto de machucar! Pois há certas sensações deliciosas cuja indefinição não exclui a intensidade; e não há nada mais pungente que a ponta do infinito.

Que delícia indizível ter o olhar disperso na imensidão do céu e do mar! Solidão, silêncio, inocência incomparável do azul! A vela de uma pequena embarcação que vibra no horizonte, e que pelo tamanho diminuto e isolamento imita minha existência irremediável, melodia monótona do marulho; todas essas coisas pensam através de mim, ou eu penso através delas (pois, na desmesura do devaneio, o eu se perde depressa!); essas coisas pensam, eu digo, mas musicalmente e de forma pitoresca, sem argúcias, sem silogismo, sem deduções.

Em todo o caso, esses pensamentos, saiam eles de mim ou se lancem das coisas, cedo se tornam intensos. A energia que há na volúpia cria um mal-estar e um suspense positivos. Meus nervos retesados não proporcionam senão sensações gritantes e dolorosas.

E eis que a vastidão do céu me oprime, sua translucidez me exaspera. A falta de sensibilidade do mar e o caráter imutável do espetáculo me revoltam... Ah! Deve-se sofrer eternamente, ou eternamente fugir do belo? Natureza, feiticeira sem piedade, rival sempre vitoriosa, larga-me! Chega de provocar os meus desejos e o meu orgulho! O estudo do belo é um duelo no qual o artista grita de susto antes de ser vencido. 

Baudelaire | O Spleen de Paris | Pequenos poemas em prosa | Tradução de Alessandro Zer | Porto Alegre | RS | L&PM Pocket | 2016  pp.17-18

[ by Hanna of Hanna & Hedvig ]


Well, ao pesquisar o significado da palavra "confiteor", encontrei também o poema na língua original. Antes tivesse ficado quieta, pois isso foi suficiente para eu querer modificar, em ao menos alguns pontos, a tradução do Zer. Acho que eu não traduziria, por exemplo, "pénétrantes" por "prementes". Tampouco "pénétrantes jusqu’à la douleur" por "Prementes a ponto de machucar", mas, talvez, "Penetrantes até a dor" ... literalmente, enfin, traduzir exige que façamos escolhas. E nem sempre fazemos as melhores. As dúvidas nos atormentam, as decisões aussi. Ganha-se aqui, perde-se ali.

- Ah, mas por que me ocupar disso agora? 


Le Confiteor de l'Artiste


"Que les fins de journées d’automne sont pénétrantes ! Ah ! pénétrantes jusqu’à la douleur ! car il est de certaines sensations délicieuses dont le vague n’exclut pas l’intensité ; et il n’est pas de pointe plus acérée que celle de l’Infini.

Grand délice que celui de noyer son regard dans l’immensité du ciel et de la mer ! Solitude, silence, incomparable chasteté de l’azur ! une petite voile frissonnante à l’horizon, et qui par sa petitesse et son isolement imite mon irrémédiable existence, mélodie monotone de la houle, toutes ces choses pensent par moi, ou je pense par elles (car dans la grandeur de la rêverie, le moi se perd vite !) ; elles pensent, dis-je, mais musicalement et pittoresquement, sans arguties, sans syllogismes, sans déductions.

Toutefois, ces pensées, qu’elles sortent de moi ou s’élancent des choses, deviennent bientôt trop intenses. L’énergie dans la volupté crée un malaise et une souffrance positive. Mes nerfs trop tendus ne donnent plus que des vibrations criardes et douloureuses.

Et maintenant la profondeur du ciel me consterne ; sa limpidité m’exaspère. L’insensibilité de la mer, l’immuabilité du spectacle me révoltent… Ah ! faut-il éternellement souffrir, ou fuir éternellement le beau ? Nature, enchanteresse sans pitié, rivale toujours victorieuse, laisse-moi ! Cesse de tenter mes désirs et mon orgueil ! L’étude du beau est un duel où l’artiste crie de frayeur avant d’être vaincu."



quarta-feira, fevereiro 22, 2017

Um hemisfério numa cabeleira




Deixa-me respirar por um bom tempo, por um bom tempo, o odor dos seus cabelos, neles mergulhar meu rosto, como um homem sedento mergulha o seu numa fonte. Deixe-me agitá-los com a mão como lenço perfumado, a fim de evocar lembranças na atmosfera.

Se você soubesse quantas coisas eu vejo, quantas coisas eu sinto, quantas coisas seus cabelos me dão a entender! Minha alma viaja levada por esse perfume como a de outros homens viaja pela música.

Em sua cabeleira cabe todo um sonho, em que abundam velas e mastros, imensos oceanos cujas correntes me levam a regiões de um clima deleitante, onde o espaço é mais azul e profundo, e a atmosfera é perfumada de frutos, folhas e pele humana.

No oceano de sua cabeleira, entrevejo um porto que fervilha de canções melancólicas, de homens vigorosos de todas as nacionalidades, de embarcações de todas as formas, cuja arquitetura sutil e complicada se recorta sob um céu imenso em que se instala o calor eterno.

Acariciando sua cabeleira, recupero os langores de longas horas passadas sobre um divã, na cabine de um belo navio, embalado pelo balanço imperceptível do mar no porto, entre vasos de flores e botijas refrescantes.

Na fogueira de sua cabeleira, respiro o cheiro do tabaco, misturado a ópio e açúcar, na noite de sua cabeleira, vejo resplandecer o infinito azul tropical; nas praias aveludadas de sua cabeleira, me inebrio de odores mesclados de alcatrão, almíscar e óleo de coco.

Deixe-me morder por um bom tempo essas tranças morenas e pesadas. Ao mordiscar esses cabelos elásticos e rebeldes, sinto como se experimentasse lembranças.




Baudelaire | O Spleen de Paris | Pequenos poemas em prosa | Tradução de Alessandro Zer | Porto Alegre | RS | L&PM Pocket | 2016  p.57-58