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sábado, outubro 30, 2021

Frutífera

'Da solidão do fruto'

De meu corpo ofereço
as minhas frutescências,
casca, polpa, semente.
E vazada de mim mesma
com desmesurada gula
apalpo-me em oferta
a fruta que sou.

Mastigo-me
e encontro o coração
de meu próprio fruto,
caroço aliciado,
a entupir os vazios
de meus entrededos.


'Da partilha do fruto'

De meu corpo ofereço
as minhas frutescências,
e ao leve desejo-roçar
de quem me acolhe,
entrego-me aos suados,
suaves e úmidos gestos
de indistintas mãos e
de indistintos punhos,
pois na maturação da fruta,
em sua casca quase-quase
rompida,
boca proibida não há.

...................................

[Conceição Evaristo | in: Poemas da recordação e outros movimentos | Belo Horizonte | Nandyala | 2008]


strawberry
close-up the fruit
[desconheço o/a autor/a]

terça-feira, setembro 07, 2021

7 de setembro

Calma lá!
take it easy...
aqui não!

Still Standing
by Tommy Ingberg




Os lambe-botas da pequena londrys estão agitados hoje. Quando eu era xofenzinha e alguém sem noção lascava o dedo na buzina, a gente berrava: cheira o dedo!!! 🤔🤔🤔... bom, deve ser porque ao menos enquanto a figura cheira o dedo ela o tira da buzina, sei lá: cheirem os seus malditos dedos !!! 

domingo, maio 17, 2020

Baudelaire-ando



XCIII

A uma passante

A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.

Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.

Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! "nunca" talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!




photo by Brett Walker

XCIII

A une passante

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d'une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet;

Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.

Un éclair... puis la nuit! - Fugitive beauté
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'éternité?

Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! jamais
peut-être!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
O toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!


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BAUDELAIRE, Charles | As flores do mal | Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira | Edição biligue | Rio de Janeiro | Nova Fronteira | 1985.

quinta-feira, agosto 15, 2019

Minuto




lá vem você
se passando por vento
como se ninguém te visse,

lá vem você dublando pensamento
como uma praia que se sentisse,

pra perto do riso, do risco, do início
das ondas, das dunas do espanto,

lá onde o calar fala mais alto
e onde o momento comemora
com um minuto de silêncio.



[Rodrigo Garcia Lopes | In: Visibilia | 1996 | Poemas Escolhidos | Centro Cultural São Paulo]

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(Photo: © Tetsuro Higashi)

quinta-feira, julho 25, 2019

Da calma e do silêncio




Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.

Quando meu olhar
se perder no nada,
por favor,
não me despertem,
quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo movimento.

Quando meus pés
abrandarem na marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.



[Conceição Evaristo | Poemas da recordação e outros movimentos | Belo Horizonte | Nandyala | 2008]

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fotos: Morro do Gavião | Ribeirão Claro | Represa de Chavantes | Rio Paranapanema | Paraná | Maio/2019]





sexta-feira, maio 31, 2019

Miséria existencial


Das páginas de um notebook qualquer 
encontrado, parcialmente rasgado, num terreno baldio 
da cidade de São Paulo, em 03 de maio de 2018...


Acordo cedo pra fazer algumas coisas, mas minhas intenções parecem se esvanecer no tempo de um mero cruzar de pernas. Estou perdido, sem emprego, sem dinheiro e sem esperança. Me vejo numa encruzilhada da vida. Mais uma. E tudo no mundo me parece sem graça, sem brilho, sem cor, sem gosto. Minha cabeça dói e não tenho vontade de nada. Dados os acontecimentos dos últimos anos, sinto-me enganado, injustiçado, indignado e, ao mesmo tempo, sem forças ou, talvez, coragem para gritar. Procuro resistir, mas, aos poucos, a desesperança e a depressão tomam conta de mim. Tento respirar fundo, o ar me falta... 



Preciso tomar algumas decisões e não sei direito quais. Tenho a sensação de patinhar na existência (tal como disse Camus alguma vez em algum lugar). Tento meditar para me equilibrar emocionalmente, arranjar forças para continuar, para encontrar uma saída. Porém, percebo que o que mais custa é mesmo continuar. Procuro sair do meu mundinho particular, mas o que vejo é apenas caos: caos político, caos social, caos econômico, caos mundial: caos, caos, caos para todo lado. Diante desse cenário, todas as questões parecem se reduzir à sobrevivência, à minha miserável e desgraçada sobrevivência. Sobreviver, resistir, lutar, persistir, continuar. Preciso respirar. Sair. Andar...




domingo, abril 07, 2019

Cântico Negro


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

[...]

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

[...]

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

[...]

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

...............................

[ José Régio | Cântico Negro | Poemas de Deus e do Diabo ] 



Noir | by Hengki Koentjoro | Fine Art Photographer

domingo, dezembro 23, 2018

Carta a uma desconhecida



photography by Kasia Derwinska


Quando passarem os anos, quando passarem
os anos e o ar tenha cavado um fosso
entre tua alma e a minha; quando passarem os anos
e eu só seja um homem que amou,
um ser que se deteve um instante diante de teus lábios,
um pobre homem cansado de andar pelos jardins,
onde estarás tu? Onde
estarás, ó nascida de meus beijos!


Nicanor Parra



(PARRA, Nicanor. Nicanor Parra & Vinicius de Moraes. Tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández. Rio de Janeiro: ABL, Academia Chilena de la Lengua, 2009,  p.65)

domingo, dezembro 09, 2018

Nothingness II


para onde olhas?
para o abismo
e o que vês?
o nada
assim
sem ponto
sem vírgula
sem nada


The White Sky | XIX | by Stefano Bonazzi


quarta-feira, novembro 21, 2018

Nonsense


acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido


(leminski | in: caprichos & relaxos | 1983)


(digital photography by anka zhuravleva)


segunda-feira, outubro 29, 2018

Doce cantiga sepulcral


Entra, amor, comigo na escuridão?
No vão onde hei eu de encerrar-me,
o vão onde encerrados os meus flancos
e extinta a tua carne – ah maciez, ah invólucro.

Vens comigo ao longo despautério?
Vem, amor, jaze comigo sobre a terra,
deixa que o líquido doce do teu corpo
se misture ao meu líquido. Vens?

Convido-te ao desmonte, homem.
Convido-te à devastação – mas teus olhos…
Não, não teus olhos, não aqueles que
entrefechaste quando enfim te conheci.

Atravessa, amor, comigo estes umbrais.
Anoitece comigo e eu contigo me desfaço
e te desfazes comigo e desfazemo-nos
unos, perdidos, destituídos – mas juntos.

Decide, não há tempo. Deita comigo sobre
a umidez da terra? Abraça-me enquanto
ainda braços tens? Abre, amor, os teus umbrais
enquanto ainda resiste o meu tendão.

Sei que amargo, amor, é meu convite.
Mas vem, quero as folhas do teu coração
sucumbindo enquanto eu ardo e sucumbo
contigo e sucumbimos unos, indistintos.

Vem, que o teu desfazer-se é o meu,
que o meu desenfeixar-me é o teu
e somos um só feixe, amor, jungidos
à mesma sorte, morte, aniquilação. Vem.

[by Ygor Raduy]


[White Gauze | 1984 | by Robert Mapplethorpe]

sexta-feira, setembro 28, 2018

Help me



Trauma | by Cristina Otero 



Socorro, eu não estou sentindo nada.
Nem medo, nem calor, nem fogo,
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir.

Socorro, alguma alma, mesmo que penada,
Me empreste suas penas.
Já não sinto amor nem dor,
Já não sinto nada.

Socorro, alguém me dê um coração,
Que esse já não bate nem apanha.
Por favor, uma emoção pequena,
Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos,
Deve ter algum que sirva.

Socorro, alguma rua que me dê sentido,
Em qualquer cruzamento,
Acostamento, encruzilhada,
Socorro, eu já não sinto nada.


Alice Ruiz | Socorro | in: 50 Poemas de Revolta | São Paulo | Cia das Letras, 2017

domingo, julho 09, 2017

Retrato antigo


Ontem, ao rever essa foto de minha mãe, Walkyria Ferraz, lembrei-me desse poeminha...

"Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus? "

[ Helena Kolody | Retrato Antigo | Poemas do amor impossível | 2002 ]



Para minha surpresa, ela [my mom] me disse que foi aluna da Helena Kolody no Instituto de Educação do Paraná. Achei o máaaximo (quisera eu...).

A foto, de Mirian Costa Vajani, foi a vencedora do 1º lugar no Concurso Desafio Virtual do Fotoclube de Londrina/2016 e encontra-se exposta no foyer do Cine Teatro Ouro Verde.

quinta-feira, junho 23, 2016

Imagética



[Petals From My Roots]



[The Grand Finale]

Brooke Shaden | Fine Art Photography | Galeria de Arte AFK 
www.arteafk.com