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quarta-feira, março 02, 2016

Se...


            Se partires, não me abraces – a falésia que se encosta
            uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
            e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

           Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
           das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
           mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
           porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
           a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces –

          o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
          [...] – longe de ti, o corpo não faz
          senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
          as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
          espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
          Se me abraçares, não partas.


[ Maria do Rosário Pedreira | O Canto do Vento nos Ciprestes | Gótica | 2007 ]

quinta-feira, janeiro 30, 2014

Morte Lírica


Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.


[A meu ver, uma mulher que pensa sente e expressa o que está acima dito, uma mulher que concebe essa combinação de ideias palavras imagens sons e sentimentos, não pode deixar de ser considerada, reverenciada e declarada em alto (e eu diria até... solene) e bom som, uma grande e admirável poetés: Maria do Rosário Pedreira].