Eis aí algo em que eu acredito.
Quem é do métier sabe...
Quem é do métier sabe...
Trabalho e tédio. ─ Buscar trabalho pelo salário ─ nisso quase todos os homens dos países civilizados são iguais; para eles o trabalho é um meio, não um fim em si; e por isso são pouco refinados na escolha do trabalho, desde que proporcione uma boa renda. Mas existem seres raros, que preferem morrer a trabalhar sem ter prazer no trabalho: são aqueles seletivos, difíceis de satisfazer, aos quais não serve uma boa renda, se o trabalho mesmo não for a maior de todas as rendas. A esta rara espécie de homens pertencem os artistas e contemplativos de todo gênero, mas também os ociosos que passam a vida a caçar, em viagens, em atividades amorosas e aventuras. Todos esses querem o trabalho e a necessidade, enquanto estejam associados ao prazer, e até o mais duro e difícil trabalho, se tiver de ser. De outro modo são de uma resoluta indolência, ainda que ela traga miséria, desonra, perigo para a saúde e a vida. Não é o tédio que eles tanto receiam, mas o trabalho sem prazer; necessitam mesmo de muito tédio, para serem bem-sucedidos no seu trabalho. Para o pensador e para todos os espíritos inventivos, o tédio é aquela desagradável “calmaria” da alma, que precede a viagem venturosa e os ventos joviais; ele tem de suportá-la, tem de aguardar em si o seu efeito: ─ é justamente isso o que as naturezas menores não conseguem obter de si! Afastar o tédio a todo custo é vulgar: assim como é vulgar trabalhar sem prazer [...].
[Nietzsche. A Gaia Ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, Livro I, Aforismo 42, p. 85].