Mostrando postagens com marcador caos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador caos. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, junho 26, 2020

Untitled


enquanto seu corpo movente
move-se lentamente
sua mente pensante
pensa sistematicamente

o país está um caos
no mundo a barbárie reina

entre vales e abismos
estradas vazias e horizontes perdidos 
ele vagueia enlutado
como quem se perdeu nas coisas
que se perderam no tempo
tal qual poeira ao vento.

restam-lhe apenas
rastros, sopros
e nuvens de existência.

..........................................................

[Marília Côrtes | 2018]


René Magritte
The Thought Which Sees


sexta-feira, maio 31, 2019

Miséria existencial


Das páginas de um notebook qualquer 
encontrado, parcialmente rasgado, num terreno baldio 
da cidade de São Paulo, em 03 de maio de 2018...


Acordo cedo pra fazer algumas coisas, mas minhas intenções parecem se esvanecer no tempo de um mero cruzar de pernas. Estou perdido, sem emprego, sem dinheiro e sem esperança. Me vejo numa encruzilhada da vida. Mais uma. E tudo no mundo me parece sem graça, sem brilho, sem cor, sem gosto. Minha cabeça dói e não tenho vontade de nada. Dados os acontecimentos dos últimos anos, sinto-me enganado, injustiçado, indignado e, ao mesmo tempo, sem forças ou, talvez, coragem para gritar. Procuro resistir, mas, aos poucos, a desesperança e a depressão tomam conta de mim. Tento respirar fundo, o ar me falta... 



Preciso tomar algumas decisões e não sei direito quais. Tenho a sensação de patinhar na existência (tal como disse Camus alguma vez em algum lugar). Tento meditar para me equilibrar emocionalmente, arranjar forças para continuar, para encontrar uma saída. Porém, percebo que o que mais custa é mesmo continuar. Procuro sair do meu mundinho particular, mas o que vejo é apenas caos: caos político, caos social, caos econômico, caos mundial: caos, caos, caos para todo lado. Diante desse cenário, todas as questões parecem se reduzir à sobrevivência, à minha miserável e desgraçada sobrevivência. Sobreviver, resistir, lutar, persistir, continuar. Preciso respirar. Sair. Andar...




sábado, abril 07, 2018

A velha e soberana verdade


Bah!
estou farta de
opiniões
opiniões
opiniões!

proclama a voz da velha e soberana Verdade
 essa metida a besta e sabe-tudo

blá blá blá
Blá Blá Blá
BLá BLá BLá
BLÁ BLÁ BLÁ

burburinham seus súditos 
ph*didos 

em meio ao caos geral da nação



La Verité | 1901 
Luc Olivier Merson
(1846-1920)
huile sur toile
Musée d'Orsay | Paris | France

domingo, fevereiro 12, 2017

Êxtase musical II



"Nesses instantes em que ressoamos no espaço e o espaço ressoa em nós, nesses momentos de torrente sonora, de posse integral do mundo, só posso me perguntar por que não serei eu todo esse mundo. Ninguém experimentou com intensidade, com uma louca e incomparável intensidade, o sentimento musical da existência, a menos que tenha tido o desejo dessa absoluta exclusividade, a menos que tenha sido possuído de um irremediável imperialismo metafísico, quando desejara a ruptura de todas as fronteiras que separam o mundo do eu."




"O estado musical associa, no indivíduo, o egoísmo absoluto com a maior das generosidades. Queres ser só tu, mas não por um orgulho mesquinho, mas por uma suprema vontade de unidade, pela ruptura das barreiras da individuação, não no sentido de desaparição do indivíduo, mas de desaparição das condições limitativas impostas pela existência deste mundo. Quem não tenha tido a sensação da desaparição do mundo, como realidade limitativa, objetiva e separada, quem não tenha tido a sensação de absorver o mundo durante seus êxtases musicais, suas trepidações e vibrações, nunca entenderá o significado dessa vivência na qual tudo se reduz a uma universalidade sonora, contínua, ascensional, que evolui para o alto em um agradável caos. E o que é esse estado musical senão um agradável caos cuja vertigem é igual à beatitude e suas ondulações iguais a arrebatamentos?"


Emil Cioran | O Livro das Ilusões |Tradução de José Thomaz Brum | RJ | Rocco 2014 | p.8

terça-feira, julho 11, 2006

Ainda sobre a ordem e o caos


Caro Diego

Receio que nosso acordo não seja tão grande quanto você pensa. Gostaria de insistir num ponto. Você afirma que “ao menos não existe um caos tamanho que possibilite o surgimento de matéria”. Essa, a meu ver, é uma afirmação temerária, pois, na verdade, podemos afirmar apenas que não temos a experiência de ver a matéria surgir de tamanho caos, e não de que ele, de fato, não exista. Temos sim a experiência das transformações da matéria, mas a origem desta permanece oculta às nossas percepções. Não entendo por que você considera o argumento da subjetividade humana válido, mas, ao mesmo tempo, abominável em relação às leis físicas e químicas. Não estou segura, mas parece-me que a física quântica já admite a possibilidade de que não haja imparcialidade do sujeito em relação aos movimentos das partículas atômicas. Também não vejo como se possa demonstrar que se partirmos do pressuposto de que em tudo há subjetividade humana deveríamos declarar um caos absoluto. Ora, subjetividade não é igual a caos. Ao contrário, do modo como a subjetividade foi por mim expressa, pode-se dizer que ela tem uma estrutura própria de ordenação dos materiais apreendidos. A questão seria: é o universo que possui ordem ou é nossa subjetividade que o ordena de modo a torná-lo o mais compreensível possível?

terça-feira, julho 04, 2006

Ordem ou Caos?



Caro Diego.
Se entendi bem, quando você fala em surgimento e desaparecimento da matéria, acho que o que você está querendo dizer é que a matéria se transforma, não é? Com efeito, a matéria não desaparece. Nós não temos acesso pela experiência ao surgimento e desaparecimento da matéria, mas apenas à sua transformação. E essa transformação pode ser fruto – como disse antes e você também menciona – de princípios ordenadores intrínsecos à matéria.
Sobre monoteísmo e politeísmo. Penso que o defensor do monoteísmo tem de enfrentar realmente a dificuldade que você assinala. Sobre isso estamos de acordo. Contudo, acredito que um litígio apenas entre o monoteísta e o politeísta seria provavelmente vencido pelo primeiro. Platão e Aristóteles, para citar apenas os dois maiores filósofos gregos, nunca deram crédito ao politeísmo.
Em relação à inteligência do cosmos, a meu ver, não está de modo algum excluída a possibilidade do cosmos ser na realidade caótico e o princípio ordenador ser apenas uma imposição de nossa subjetividade às coisas.
Um abraço!

terça-feira, junho 20, 2006

O primeiro dia (1794) William Blake


Coloquei a gravura ao lado para ilustrar a idéia de rigor e precisão.
Pintada por William Blake e intitulada O primeiro dia (1794), tal gravura "representa a regularidade encontrada em cada nível do universo conhecido, desde o maior até o menor de todos, e normalmente em formas que podem ser expressas em equações matemáticas. É como se o universo mesmo contivesse a racionalidade. Como disse alguém um dia, é como se 'Deus fosse matemático'" (Bryan Magee. História da Filosofia). 

Como vocês podem observar, a imagem representa um Deus que possui em suas mãos um compasso - instrumento de precisão. E, de fato, o título "O primeiro dia" alude, neste contexto, ao momento da criação do universo (supostamente criado por Deus). Portanto, a figura remete, ao menos em linhas gerais, à tese do criacionismo. Isso me leva a pensar naquilo que os filósofos chamaram de argumento do desígnio e que Hume, nos Diálogos Sobre a Religião Natural, também discute. 

O argumento do desígnio é o argumento mais difundido e bem aceito da religião natural em favor da existência de Deus. Há várias versões deste argumento, mas em sua forma mais abrangente ele reza que a partir da aparente ordem, beleza e desígnios do universo, podemos legitimamente inferir a existência de um criador, possuidor de atributos naturais e morais, tais como inteligência, poder, sabedoria, benevolência, justiça e misericórdia. Embora Hume, na voz do personagem Cleanthes, não pense exatamente num ordenador matemático, a análise que ele faz do argumento do desígnio tem uma íntima relação com as idéias que a imagem nos desperta. Mas aqui vou apontar ao menos dois problemas que Hume levanta nos Diálogos: por que pensar num único ser ordenador e não em vários seres ordenadores? Ou por que não pensar que a própria matéria possa ter um princípio organizador interno responsável por toda essa ordem aparente?