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segunda-feira, outubro 27, 2014

Vontade e vontade: Como assim?

Penso que é possível dizer que o conceito mais fundamental da filosofia de Schopenhauer é o de vontade. À primeira vista, parece muito simples, afinal, quem não sabe o que é vontade, ter vontade, sentir vontade? Como Schopenhauer mesmo diz: a vontade é o que há em nós de mais imediatamente conhecido (MVR §18). Mas cuidado: essa vontade é apenas a vontade como fenômeno. Ora, como assim? Bom, para responder a essa questão é necessário distinguir a vontade como coisa em si e a vontade como fenômeno. A vontade fenomênica (ao menos a nossa) é essa que se expressa em nossos desejos e atos particulares, ou seja, essa de que temos consciência e conhecemos através do nosso corpo. Vontade como designação da coisa em si e vontade como aparência ou manifestação fenomênica são coisas bem diferentes e essa distinção é condição sine qua non para entendermos a filosofia de Schopenhauer. Não se pode confundir a primeira que, considerada puramente em si mesma, é desprovida de conhecimento e, portanto, não é mais que um impulso cego, sem finalidade e direção; não se pode confundir, dizia eu, com a vontade humana ou com nenhum outro tipo de processo consciente. Ora, mas a vontade não é aquilo que sempre quer alguma coisa? Que corre para a satisfação de um ou mais desejos? Então, como pode não ter finalidade ou direção? Mais uma vez impõe-se a necessidade da famosa distinção.

A afirmação schopenhaueriana de que a vontade, como coisa-em-si (bem entendido) é um impulso cego, sem finalidade e direção, é inequívoca, uma vez que é textual em vários parágrafos de O Mundo como Vontade e Representação. Precisamente no § 29 Schopenhauer diz: “A ausência de qualquer finalidade e de qualquer limite é, com efeito, essencial à vontade em si, que é um esforço sem fim” (§29 p.172). “A renovação contínua da matéria em cada organismo é ainda uma simples manifestação deste esforço e deste movimento perpétuos. Um eterno devir, um escoamento sem fim, eis o que caracteriza as manifestações da vontade. Todo ato particular tem uma finalidade; a própria vontade não a tem; como todos os fenômenos naturais isolados, a sua aparição em tal lugar, em tal momento, é determinada por uma causa que lhe dá fundamento; mas a força mais geral que se manifesta nesse fenômeno não tem ela própria causa, visto que ela é apenas um grau das manifestações da coisa em si, da vontade que escapa ao princípio da razão. Em resumo, a vontade sabe sempre, quando a consciência a ilumina, o que quer em tal momento e em tal lugar; o que ela quer em geral, ela nunca o sabe” (§29 p.173).

Como vocês podem ver, Schopenhauer fala em finalidade também. Mas essa só existe no ato particular (de uma vontade como fenômeno, iluminada pelo conhecimento e submetida ao princípio de razão suficiente). “Assim, o homem tem sempre uma finalidade e motivos que regulam suas ações: pode sempre dar conta da sua conduta em cada caso. Mas perguntem-lhe por que é que ele quer, ou por que é que ele quer ser, de uma maneira geral: não saberá o que responder, a questão lhe parecerá mesmo absurda”(§29 p.172). Pois bem, em suma, para Schopenhauer o que a vontade (como coisa em si) quer é simplesmente viver. A vontade como coisa em si é vontade de vida, mas carece da consciência disso. Schopenhauer chega a dizer que falar em vontade de vida seria mesmo um pleonasmo porque vontade, como essência do mundo, já pressupõe o querer viver, à medida que incessantemente disputa, cega e obstinadamente, a matéria, o espaço e o tempo para objetivar-se no fenômeno. E a vontade pode objetivar-se como matéria inorgânica, orgânica vegetal ou orgânica animal. Seja aqui, lá ou acolá. Seja neste ou noutro momento qualquer.