Profª. Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do encontro de 16 de setembro de 2006. Por Espinosa de Aquino
Neste encontro foram discutidos os seguintes pontos:
1. Retomada da leitura e análise do § 9 do prefácio da segunda edição da CRP (B XIV-XV)
1.1. Metafísica, Filosofia e Matemática
■ 1.1. A metafísica, como escreve Kant em CRP B XIV, pode ser entendida como “um conhecimento especulativo da razão inteiramente isolado que através de simples conceitos (não como a matemática, aplicando os mesmos à intuição), se eleva completamente acima do ensinamento da experiência na qual portanto a razão deve ser aluna de si mesma”. A metafísica, assim, estaria em condições menos favoráveis que a matemática, pois não poderia contar com qualquer espécie de, digamos, certificação intuitiva, como acontece com a matemática. De todo modo, como argumenta Kant na seqüência, a matemática e outras ciências poderiam ter seu fim caso uma barbárie assolasse a humanidade e seus conhecimentos, porém não a metafísica. A metafísica sobreviveria ao abismo dessa barbárie. “Pois a razão emperra continuamente na metafísica, mesmo quando quer dar-se conta a priori (como se arroga) daquelas leis confirmadas pela experiência mais comum” (CRP B XIV). Essas palavras evocam o início do prefácio A da CRP. Enquanto a razão sobreviver, a metafísica sobreviverá.
Em que pese essa compreensão, relativamente fácil do que Kant afirma no § 9 do prefácio B, é possível levantarmos alguns questionamentos:
a) A compreensão de matemática no § 9 é equivalente à compreensão exposta no § 6 (B XI-XII)? Aparentemente, não. No § 6, a matemática parece ser melhor entendida como um conhecimento racional que constrói conceitos representando-os a priori. No § 9, a idéia sugerida nos inclina a pensar que o conhecimento matemático primeiro produziria conceitos e depois os aplicaria à intuição. Ora, é duvidoso se o conhecimento matemático comporta dois momentos distintos. O momento em que o conceito é produzido parece ser o mesmo momento em que o conceito é construído. Sendo assim, não há por que dizer que ele se aplica à intuição, uma vez que a construção do conceito já é realizada intuitivamente.
b) A metafísica e a filosofia poderiam ser consideradas equivalentes? De acordo com a definição de Kant, a filosofia é um conhecimento racional a partir da exposição de conceitos (CRP B 741). Essa definição está muito próxima, é verdade, da compreensão de metafísica. Contudo, a filosofia é mais ampla que a metafísica, principalmente se pensarmos nas pretensões mais propositivas da metafísica.
c) Um triângulo é construído (e isso compete ao conhecimento matemático), porém a liberdade não é construída (pois ela compete ao conhecimento filosófico). Se essa compreensão é correta, o que a sustenta? Kant considera que a liberdade é um conceito dado (conceito no sentido amplo, o que envolve também idéias), precisando evidentemente de elucidação e justificação. Já um triângulo não é conceito dado, mas construído. A liberdade não é representada a partir das formas puras da intuição (tempo e espaço), já o triângulo, como um conceito matemático, depende das formas puras da intuição.
O § 9 (B XV) termina com a famosa caracterização do procedimento de investigação metafísica, a saber, “um mero tatear e, o que é pior, entre meros conceitos”. Talvez pudéssemos aproximar com a noção humeana de relação de idéias. Nesse caso, a metafísica, embora pretenda ser sintética, não conseguiria ir além de juízos analíticos. Como ela não tem consciência de sua própria errância, resta dogmática levantando pretensões que não pode suportar.