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segunda-feira, agosto 13, 2018

A alma de volta


VII

Que te devolvam a alma
Homem do nosso tempo.
Pede isso a Deus
Ou às coisas que acreditas
À terra, às águas, à noite
Desmedida,
Uiva se quiseres,
Ao teu próprio ventre
Se é ele quem comanda
A tua vida, não importa,
Pede à mulher
Àquela que foi noiva
À que se fez amiga,
Abre a tua boca, ulula
Pede à chuva
Ruge
Como se tivesses no peito
Uma enorme ferida
Escancara a tua boca
Regouga: A ALMA. A ALMA DE VOLTA.




Hilda Hilst — 'Alma
Poemas aos homens do nosso tempo.
In júbilo, memória, noviciado da paixão .
homenagem a Pavel Kohout


sexta-feira, maio 05, 2017

Onde não vive o adeus




"Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.

Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinquenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim

E me perdoa de ti a indiferença."


Hilda Hilst | Dez Chamamentos ao Amigo | Poema X | In: Obra Poética Reunida | 1950-1996 

quarta-feira, novembro 16, 2016

Espelhado em meu peito


Eis abaixo mais um belíssimo texto [and painting] do meu querido e talentoso amigo Ygor Raduy. Quando o li, senti como se suas palavras fossem arrancadas de meu próprio peito. Não resisti a'

O AMOR INTEIRO
  
Amo-te inteiro, com corpo, alma, ligamentos. Amo-te sem controle, inevitável. Estás em mim, como o sangue flui em mim, corrente. Amo-te inteiro, até as profundezas, e sempre. Amo-te completo e irrevogável – e és a peste em mim adormecida, és o incêndio, a floração de tudo. E só quando estás presente estou presente;  só quando estás alegre estou alegre; só quando respiras eu respiro. Amo-te às pressas, urgente.  És o alento e a força – embora de nada desconfies. És a festa onde meus olhos brincam, o abismo onde a minha carne cai. Eu perco o coração, mas vou a ti com alegria. E embora o teu silêncio me aferroe, vou a ti. Vou a ti, embora nada indique que venhas a mim; vou a ti, sem que jamais teu braço se mova em minha direção. Pois amo-te inteiro. E algo em mim insiste que és o único norte – algo em mim resiste e diz: “ama-o inteiro, com corpo, alma, ligamentos”. E vou, obedeço, como quem vai ao mundo, já que aos meus olhos és o próprio mundo. Se porventura de existir desistires, tudo desiste,  tudo cai, a luz declina, flores murcham, tudo é vulto. E eu não posso perder nem um minuto teu, nem um sorriso teu posso perder, preciso de cada palavra, de cada gesto teu, de cada respiração. Pois amo-te inteiro, até os subterrâneos. E cada minuto sem ti é um minuto perdido. Cada passo, um passo em falso. Se estás ausente, agonizo; se estás presente, gozo. E me perco de mim, e erro e lamento e apago as luzes e choro pelos cantos. Mas se vens, a alma minha em festa, bandeiras hasteadas, coro de vozes exultantes, luz. Pois amo-te inteiro, com o corpo, com a alma, com os ligamentos.


words, Wörter, blood, Blut 2 | painting | ygor raduy


Não partas com teu reflexo/
Deixa-o espelhado em meu peito.
F. Garcia Lorca

[texto originalmente publicado em 

quarta-feira, setembro 12, 2012

A leitura dos leitores


"Um romance é como o arco, e a alma do leitor é como o corpo do violino que emite o som."

Stendhal. The life of Henry Brulard. Tradução de John Sturrock. Nova York, 2002, p.184. In: Gianetti, Eduardo. O livro das citações. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.22.