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sábado, julho 20, 2024

Eu uso óculos

Acabei de viver uma situação dramática, quando estava sossegada, atirada em meu sofá, assistindo a “Os cinco diabos”, filme de Léa Mysius. Ouvi um barulho na lâmpada de minha luminária e algum bicho rapidamente passou pela minha cabeça. Saltei igual a um canguru (vocês nem imaginam como sou rápida nesse gatilho). Imediatamente acendi a luz do teto. Já imaginei o pior bicho, o mais horripilante. Quero nem dizer o nome...

Corri e peguei o veneno (morro de pena, mas não dou conta de conviver com uma). Eu mato! mas mato com dó. Mato sofrendo.  Não suporto vê-la agonizando, sufocada pelo veneno. Agonizo junto. Mas não tem negociação possível. Ou eu ou ela, e, claro, sou mais eu. Sorry.

Espalhei o veneno na região do barulho: embaixo, atrás e nas laterais do sofá. Praticamente envenenei a sala e a mim mesma. Fiquei um pouco longe, de pé, esperando pra ver que bicho era aquele.  De repente, vejo uma formiga, daquelas que têm asas, em completa agonia. Era essa a bichinha. No caso, nem precisaria matá-la, já que era apenas uma formiga voadora. Pensei se deveria dar a ela o golpe de misericórdia, dada a agonia da coitada. Passou pela minha cabeça jogar mais veneno. Morri de pena! Achei cruel demais. É uma morte muito lenta. Fui, então, buscar um chinelo. O método tradicional seria menos agonizante e mais fatal.

Quando voltei, tomada de comiseração, resolvi tentar salvá-la. Tava desesperada a coitadinha. Peguei um papelzinho pra ela subir. Ia jogá-la na sacada, proporcionar-lhe ar puro, mas a coitada subiu muito rápido e caiu. O papel era pequeno demais. De repente, saiu voando toda tonta e desorientada. Abri a sacada e agora não sei por onde ela anda. Não sei se conseguiu fugir. Espero que sim. Silêncio total. Não ouço nenhum bater de asas, nenhum bicho dando rasante sobre minha cabeça.

Eu poderia terminar aqui. Ficou claro que me precipitei. Porém, justifico:

Meses antes, depois de ter ouvido um barulho semelhante ao do caso acima, e ter pensado que deveria ser uma mariposa, um grilo ou uma mosquinha qualquer, um daqueles seres que me recuso a pronunciar o nome simplesmente pulou em minhas costas nuas, enquanto eu estava sossegada, esparramada em meu sofá, assistindo a um filme que não me lembro qual. Voei dali na velocidade de um raio.

Fiz o mesmo movimento. Corri pegar o veneno. Fui e voltei em segundos, temendo perdê-la de vista. Perdi! Achei que se escondeu debaixo do sofá. Lasquei veneno e fiz a mesma coisa. Observei de longe. Não a vi mais. Dei um tempo dali e depois voltei, certa de que seria impossível que ela tivesse sobrevivido. E de fato não ouvi mais nenhum barulho. O silêncio voltou a reinar. Consegui relaxar.

Quando fui dormir, vi a desgraçada ali no ralo do box do banheiro completamente imóvel, mortinha da silva. Como ela chegou ali não entendi, dado o meu olhar atento, neurótico e paranoico, dada a distância entre a sala e aquele banheiro.

E agora? Deixei pra pensar no dia seguinte. Precisava criar coragem para tirá-la de lá. Fechei o box, fechei a porta do banheiro e não entrei mais ali. No dia seguinte, fui lá com uma pazinha e uma vassoura para retirá-la. Quando cheguei perto, não era a tal asquerosa. Era um pedacinho de sabonete Phebo tradicional (daquele preto), bem no finzinho, que tinha caído da saboneteira do box. 

Concluam vocês mesmos.



quinta-feira, fevereiro 29, 2024

Genialidade ímpar

Toda semana em que entro num certo banheiro, de um certo posto de gasolina, de uma certa estrada, não me conformo em ver que o suporte para pendurar a bolsa que, em geral, as mulheres carregam está fixado poucos centímetros acima da lixeira. Fico pensando que é muitíssimo provável que quem teve essa brilhante ideia deve ter sido um homem que não costuma usar bolsas e, portanto, não entende nada do assunto. 

Pergunto: de que vale um suporte para tal fim se quando penduramos a dita cuja ali ela fica tão mais encostada naquela lixeira (cheia de papéis higiênicos sujos e outros lixos mais) quanto mais ou menos comprida for a sua alça?

Ah... mas por que você não muda a lixeira de lugar? ora bolas, já pensei nisso, mas não há outro espaço que a caiba. Do outro lado temos cravado na parede o suporte para o rolo. E, no mais, qualquer outro lugar obstrui a porta. Ou seja, no way... 



sábado, novembro 18, 2023

Episódios do day by day

Hoje tive que ir ao shopping Catuaí e resolvi almoçar por lá mesmo. Entrei num restaurante (Original Prime Grill) e, na hora em que fui escolher o que comer na mesa de self-service, encostei numa mesinha lateral que tinha uma caixa de acrílico grande, cheia de latas de refrigerantes, sucos, garrafas de água etc… todas mergulhadas numa água com bastante gelo. Apenas toquei nela com o quadril. E eis que, não sei por que cargas d’água, a mesinha escorregou e a caixa espatifou no chão, fazendo um barulhão danado. E, claro, a água espirrou pra todo lado me dando um banho gelado. Todos do restaurante me olharam assustados. Eu apenas sorri, pedi desculpas aos funcionários (que logo se organizaram para enxugar o chão) e, meio encabulada, disse: nossa! mal encostei nela (dando a entender que não entendi como aquilo havia ocorrido). E acrescentei: tudo bem. Até que o banho foi bom, dado o calor infernal. Me servi, sentei e almocei calmamente. Quando fui pagar a conta, a moça do caixa me disse: não, você não precisa pagar nada. Ora, como assim? perguntei. E ela: dado o acidente com a caixa, o gerente pede desculpas e seu almoço fica por conta da casa. Eu insisti: imagina, não foi nada, não precisa. Olhei para o gerente e ele: faço questão, assentindo com a cabeça e um sorriso no rosto. Vi que ele não arredaria o pé da gentileza. Achei fofo demais. 

sábado, julho 29, 2023

Inteligência Artificial x Estultice Natural

 Uma tal inteligência artificial anda me ligando. Quando ela diz:

- olá, eu sou a inteligência artificial da Vivo e tenho pra você blá blá blá... já desligo na cara dela. Recuso-me a falar com inteligências artificiais e suas vozes robóticas (embora tenha, às vezes, de recorrer a elas).

Esses sistemas de vendas (Vivo e afins) e/ou tentativas de resolver problemas técnicos (Net Claro e afins) por meio daquelas gravações intermináveis, nas quais a gente nunca consegue falar com um ser humano com o mínimo de inteligência natural, esses sistemas, eu dizia, deveriam ser chamados de sistemas de estultices naturais. 

Em geral, os serviços são terceirizados por empresas que mal se comunicam. Para cada assunto, depois de repetidas tentativas frustradas e muito tempo perdido nas malditas gravações, damos de cara com um atendente ou um técnico diferente, que só entende de uma parte do sistema operacional da porra toda. E o problema não se resolve. 

Há semanas encontro-me mobilizada em busca de uma solução para meu problema com os canais da Net Claro TV. Várias tentativas, horas e horas de conversas truncadas, técnicos que vão e voltam em sua casa sem que o problema se resolva, outros que não vêm, deixando-nos em esperas vãs,  porque os sistemas não se comunicaram entre eles e a tal visita técnica não ficou devidamente marcada, enfim, ao que tudo indica, a coisa não tem fim...




domingo, fevereiro 26, 2023

conversa de whats

outro dia um amigo poeta, daqueles que a gente mal conhece (porque encontra pouco), mas sente uma atração antiga, escondida nos silêncios e trocas de olhares, me mandou um whats, assim, do nada (como só deus poderia fazê-lo):

olá...
como você está?
como tem passado?

(e eu, pega de surpresa, respondi):

enlouquecida,
frisante,
cheia de vida,
cheia de morte,
enrolada em muitas vírgulas,
e trabalhando pra caramba.
(pergunta complexa essa... rs).
e tu?

vinda de você, não poderia supor outra resposta que não fosse essa: 
profunda
cheia de graça
e de poesia.

eu me sinto como você: 
esse elemento da vida, 
que é bela 
e repleta de desconfortos...


moi-même, toute décoiffée

sábado, fevereiro 26, 2022

Louca, mas nem tanto...


Dia desses achei que estava ficando louca. Fui até a cozinha beber água, abri a geladeira e, sem perceber, peguei uma coca. Em seguida, fui buscar um copo. No meio do caminho, fumando um cigarrinho, vi um cinzeiro sobre a mesa. Em vez de pousar o cigarro no cinzeiro, ou simplesmente bater a cinza, abri a coca e quaase a despejei no cinzeiro. Percebi, então, o quanto estava ligada no automático. Bom, ao menos percebi. Pior se tivesse mesmo despejado a coca no cinzeiro e bebido. Ora bolas, ao que tudo indica, concluí, restava ainda um pouco de sanidade na minha cachola.

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imagem: collage surreal space art

quinta-feira, fevereiro 10, 2022

A sós sob o sol

Ontem encontrei em meio à praia quase deserta alguns abutres que voavam numa aerodinâmica belíssima em busca de alimento. Abutres são necrófagos, se alimentam de carniça. Por isso, são muito malvistos. Mas ontem fiquei a observar a beleza do voo dos abutres. Havia alguns poucos peixes mortos na areia. Desses que as ondas trazem naturalmente. Céu azul, sol radiante, água morna, vento fresco. Tudo muito calmo, sincronizado e tranquilo. 

Os abutres voavam lá no alto, organizados num grande círculo. Pareciam inspecionar a área. Faziam uma espécie de ronda. A praia, cuja extensão de 10 km é também muito larga, estava simplesmente paradisíaca. Eles começaram a descer de mansinho, voando num movimento espiral, lento, observando o entorno. E foram se aproximando da areia, pousando de leve, fechando as asas, ao lado dos peixes mortos. 

Nunca havia visto tantos abutres juntos. E de tão perto. Como são grandes e pretos! De asas abertas ficam enormes. Eram cinco. Senti um pouco de medo de que viessem pra cima de mim. Mas eles estavam calmos. Não se sentiram ameaçados pela minha presença, pelo meu olhar. Perdi o fôlego. Meu coração descompassou. Quase saltou do peito. Estupefata, respirei fundo, controlei o medo, e deixei que a natureza seguisse seu curso habitual e uniforme, sem interferir na cena daquele belíssimo fenômeno natural da cadeia alimentar. Fiquei na posição de observadora passiva, paralisada. 

Não pude deixar de me perguntar: o que seria da carniça sem os abutres ou quaisquer outros animais necrófagos para comê-la? Toda matéria composta está sujeita à corrupção, à decomposição e à morte. Inclusive esse meu olhar fotográfico, que armazena a cena, e guarda um poema, em minha estética e melancólica memória.

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[marília côrtes | ilha do mel | janeiro de 2020].



sábado, janeiro 29, 2022

Triiimmm

Toca o interfone:

Marília? Chegou uma encomenda pra você... 

Desci achando se tratar daquele tênis que ganhei de presente das minhas filhas. Pelo tamanho da caixinha não poderia ser. O peso? leve, muito leve. Olhei o remetente: era do meu amigo Miguel. O sorriso mordeu minhas orelhas. 

Ah... que surpresa! O que seria? Não esperava. Não era meu níver, nem natal, nem nenhuma data comemorativa. Eita! Deve ser uma das peripécias delicadas e criativas do Miguelito. Um mimo para quem tinha acabado de mudar de apartamento. 

Subi apressada, louca de curiosidade, com a caixinha nas mãos. Abri o pacote e encontrei algo envolto em plástico bolha. Inferi que era um objeto sensível, provavelmente de vidro, quebrável. Desembrulhei com cuidado e, eis senão quando, encontrei um copinho pink estampado com a Penélope Charmosa a viajar loucamente pelo mundo afora, numa de suas corridas malucas. 

Quando liguei pra agradecer o presente, Miguelito me contou que ao vê-lo na lojinha pensou: é a cara da Marília. Confesso que também achei rs.

De imediato me lembrei que minha mãe havia dado o nome de Penélope Charmosa à nossa Caravan 76. Miguelito não sabia disso. Era uma Caravan cor de café com leite, 3 marchas, banco inteiro na frente, bem espaçoso, bom pra namorar. 

Meu pai comprou a Penélope zero km, em 1976, e ela ficou em nossa família por 26 anos. Destes, por 6 mais ou menos ela foi só minha. Ganhei de presente no início de 1997. Era bem conhecida. Ao que tudo indicava, na época, só circulavam três daquela cor na cidade. E a nossa nunca passava despercebida. No final de 2002 troquei-a por um Passat prata, mais novo, mas bem usadinho.

Além de Penélope Charmosa, eu a chamava também de Sedenta, já que era difícil satisfazer a sede dela por gasolina (que já custava os olhos da cara). A Sedenta rodava de 5 a 6 km por litro. Era mesmo insaciável. De vez em quando a marcha encavalava e, daí, eu tinha que parar onde estivesse, descer, atrapalhar o trânsito, abrir aquele capô imenso e pesado, e desencavalá-la. Mas essa já é outra história.

Quanto ao copinho, é meu xodó. Um charme!


domingo, novembro 07, 2021

Oftalmo


Ela sai toda toda, a fim de renovar a carteira de motorista. Ao entrar na sala do médico, o doutor pergunta: 

- e aí, como vais? tens sentido alguma coisa? 

- sim, doutor, claro, tenho sentido muitas coisas (e esboça um meio-sorriso indefinido, do tipo entre aspas). 

Ele perde a fala, não sabe o que dizer. Ela percebe e arremata:

- mas nada que diga respeito propriamente a algum problema de saúde... (abandonando as reticências no fim da frase, feito pozinho de pirilipimpim).  

Ele sorri desconcertado:

- vamos então ao exame de vista. 

Resultado: sem óculos, sem condições. A partir de agora o uso de óculos de grau para dirigir será obrigatório.

Grande coisa, pensou ela, já era de se esperar. Sabia que estava cada vez mais pitosga. Pitosga?  adjetivo esdrúxulo que descobrira recentemente ao procurar um sinônimo para cegueta.  



sexta-feira, julho 31, 2020

Notas do day by day


Acordei cedo e fiz o que sempre faço primeiro: um café preto, bem forte e bem quente! Meu ritmo é lento. Penso em meus compromissos: terminar de revisar os artigos para a "Coleção Rumos da Epistemologia", ler a nova introdução do texto de qualificação de mestrado de minha filha, dar um up no apto...

De repente, viajei no tempo, ao observar o aspirador de pó emprestado (que nem sei usar ainda) e fiquei entre fumar e não fumar. Sei que quando fumo meu dia será diferente: menos produtivo, talvez, mas mais poético. A fumaça me leva à contemplação. Sempre olho com vagar em torno de mim mesma. E vejo uma certa mesmice no ar. A poeira que se acumula nos livros, nos artigos, documentos, pequenos objetos e quinquilharias. A velhice do apartamento me incomoda mais do que o meu próprio caminhar para ela. Procuro poesia. Mas não só nos livros. Procuro poesia na vida, nas pessoas, nos ambientes, nas engrenagens do day by day. Poesia como poíesis, no sentido bem grego da palavra ποίησις.

Nessa procura, lá vem ele caminhando pelos recônditos de minha memória. Que coisa! Esse vai e vem, esses laços que se rasgam, se despedaçam, se desfiam, mas não se desfazem, apenas tecem outros fios, outros planos e caminhos. Tem dor, tem amor, tem riso, prazer, atração e repulsão.

Como bem expressado naquela carta em que dizia um NÃO para mim, em alto e bom som: algo se perdeu... e ele dizia também não saber o que era. Mas eu sabia. Sim, eu sabia. Algo se perdeu. E eu poderia apresentar, se não tudo o que se perdeu, e o que permaneceu, muito do que se perdeu entre nós.

Abri aquela agenda (2011) que ganhei da Nick. Aquela marronzinha, com bolinhas azuis e capa de tecido. Há varias anotações ali: frases, poemas, citações filosóficas, referências bibliográficas e estudos diversos. Viajei novamente ao folheá-la. Reli vários escritos. Peguei outra entre tantas que habitam meu universo: uma espécie de Memorandum (2000). Início de minha graduação em filosofia. Na verdade, do meu segundo ano. Época em que comecei a estudar Nietzsche. Ali contém notas sobre a filosofia deste autor, meios e modos de expressão da escrita acadêmica, uma lista de conectivos lógicos, significados de palavras desconhecidas, mal assimiladas e/ou definidas, termos em francês e em inglês, tipo notas de vocabulário, and so on...

Constatei como era estudiosa, interessada e apaixonada pelo que fazia. Era e continuo a ser. O passado aqui é mero tempo verbal ー classe gramatical.

Volto à agenda que a Nick me deu e encontro uma frase solta, forte, que não sei de onde tirei. Ei-la:

"vou ao enterro de minha solidão" ー impacto que me levou a engolir seco e, inevitavelmente, ao ponto final.


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[marília côrtes | março/2016]


segunda-feira, março 30, 2020

Pandemia




Assistindo ao Jornal Hoje, vejo o mundo mobilizado. O arsenal é de guerra, tanto em relação ao tratamento dos feridos quanto no combate aos inimigos.

Ouço os planos dos governos, dos chefes de estado e suas equipes. Os fatos, as news, as estatísticas, as previsões e possíveis estratégias. A ciência a todo vapor produzindo novas descobertas e instrumentos. Drones sobrevoando os espaços. Alertas.

Médicos, enfermeiros, auxiliares e toda uma cadeia de serviços essenciais. Medidas de isolamento, problemas de abastecimento. Toques de recolher. Consequências econômicas. Pacotes e mais pacotes de assistências emergenciais. Políticas de distanciamento, medidas restritivas. Mortes.

Itália, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, França: mortes e mais mortes. A China, dizem, aos poucos, vai voltando ao normal. População educada, higienizada, a maioria de máscaras e obedecendo às medidas de proteção. Rígido controle social. A Nigéria? Uma lástima. Muitas favelas. Não há saneamento básico. Água suja, lixo, miséria, doenças, tristeza e desorganização. Um caos. 

A calamidade é pública, quase universal. Há que se conter a crise. Impõe-se uma nova ordem. Tudo é urgente. A imprensa internacional critica Bolsonaro. Ouço falar na liberação de 306 bilhões de reais para assistir parte da população brasileira. O processo é moroso, depende da burocracia e da aprovação no congresso.

E lá vem o presidente, passeando pela cidade do Distrito Federal, fazendo politicagem. Viola as medidas de distanciamento. Posa para uma foto ao lado de uma criança no colo do pai ou outro irresponsável qualquer hipnotizado pelo mito. 

Bolsonaro faz um discurso tosco. É contra a política de isolamento social recomendada pelos mais bem preparados profissionais e instituições de saúde. Diz que devemos enfrentar o vírus como homem. Wow, cabra-macho! Em tom fatalista, culpa os pobres pela pobreza. E pergunta: É crime trabalhar?

Pergunta errada, Sr. Presidente!

Maju não consegue disfarçar sua indignação ao falar no dito-cujo. Nem eu.


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Imagem: Eyes without a face - Sophie Calle

sábado, junho 22, 2019

Baruk sem ser Spinoza




Esse é o Baruk... o carinha mais difícil de conquistar que encontrei nessa vida. Do tamanho de um sapato, e da cor de um carvão (no escuro ninguém o vê), parece que tem medo de mim. A seus olhos devo parecer uma gigante, que anda a passos largos com suas botinhas ameaçadoras e uma cabeleira comprida, loira e esvoaçante. Baruk adora destruir uma vassoura (dizem que é sua tara). Talvez ele me veja como uma bruxa.

Na tentativa de atraí-lo pra um carinho, faço com minha voz experimentos: Baruk...  BAruk... BaRUk... vem cá coisa fofa... baRuK... baruk... vem aqui... vEem... vem... lindinho. Se tento falar naturalmente ele permanece inconquistável, se tento falar mais fino, melodioso e suave, tipo quando a gente fala com criancinhas (vem tiiii fofinho), ele continua a latir, irredutível, com rabinho, orelhas e olhares de desconfiança.




Logo que entrei na casa ele latia fino e ardido o tempo todo. Agora, só de vez em quando, quero dizer, quando estou sozinha ou na companhia de dois dos meus colegas. Porém, quando seu dono (que, aliás, é um gato) chega ou está presente, ele rosna e late pra mim como um louco, correndo atrás de minhas botas e canelas (o máximo de mim que ele alcança). Diz o dono que ele faz isso porque quer mostrar serviço, além de ter muito ciúmes dele.

Já tentei de tudo para conquistá-lo: desci à sua pequena estatura, o que significa deitar no chão, esperando que ele viesse até mim. Ele até veio, mas para me morder. Ofereci-lhe ração pra que chegasse perto e comesse em minhas próprias mãos. Sabem o que ele fez? Veio, comeu rapidinho e tentou me lascar seus dentinhos finos feito alfinetes. Não sei mais o que fazer. Diz meu colega Miguel que o conquistou em não muito tempo. E, de fato, ele é cheio de graça e carinhos para com o Miguel (morro de inveja). O Márcio não dá muita bola para ele, nem ele pro Márcio. Convivem muito bem. E sem melodramas. Com o Maciel, seu dono, vive in love. E ai de mim se chegar perto dele.


[ photos by Miguel Zioli]


sexta-feira, maio 31, 2019

Miséria existencial


Das páginas de um notebook qualquer 
encontrado, parcialmente rasgado, num terreno baldio 
da cidade de São Paulo, em 03 de maio de 2018...


Acordo cedo pra fazer algumas coisas, mas minhas intenções parecem se esvanecer no tempo de um mero cruzar de pernas. Estou perdido, sem emprego, sem dinheiro e sem esperança. Me vejo numa encruzilhada da vida. Mais uma. E tudo no mundo me parece sem graça, sem brilho, sem cor, sem gosto. Minha cabeça dói e não tenho vontade de nada. Dados os acontecimentos dos últimos anos, sinto-me enganado, injustiçado, indignado e, ao mesmo tempo, sem forças ou, talvez, coragem para gritar. Procuro resistir, mas, aos poucos, a desesperança e a depressão tomam conta de mim. Tento respirar fundo, o ar me falta... 



Preciso tomar algumas decisões e não sei direito quais. Tenho a sensação de patinhar na existência (tal como disse Camus alguma vez em algum lugar). Tento meditar para me equilibrar emocionalmente, arranjar forças para continuar, para encontrar uma saída. Porém, percebo que o que mais custa é mesmo continuar. Procuro sair do meu mundinho particular, mas o que vejo é apenas caos: caos político, caos social, caos econômico, caos mundial: caos, caos, caos para todo lado. Diante desse cenário, todas as questões parecem se reduzir à sobrevivência, à minha miserável e desgraçada sobrevivência. Sobreviver, resistir, lutar, persistir, continuar. Preciso respirar. Sair. Andar...




quarta-feira, agosto 15, 2018

Besteirol




Adoro sonhos. Os sonhos do sono. Os sonhos da imaginação,
dos delírios e ilusões. Mas adoro também os sonhos de goiabada e de doce de leite. Ontem de tarde comprei um sonho de goiabada. Fui comê-lo há pouco. Fiz aquele café preto bem quente. O sonho estava um pesadelo de tão duro. Foi um sonho broxante.

Sempre como sonhos. E sempre sonho muito. Acho que posso dizer, então, que conheço os sonhos (inclusive, quando morei em Curitiba, eu mesma fazia meus sonhos - sonhos de goiabada... e fritos). Certamente esse sonho que comprei não foi feito no dia. Ou, se foi, o padeiro, a massa, a receita e o comerciante eram todos ruins. Creio que nunca comi um sonho tão enganoso...

Me and my notebooks
Londrina
31.10.2015
10 hs

(desta vez, no original, sem edições)


sábado, agosto 11, 2018

Eca...


Há pouco vivi um episódio dramático com uma barata. A primeira que vi neste pequeno e aconchegante apartamento. Certamente entrou pela janela. Era grande e voadora. Asquerosa e nojenta (como toda barata): eca! Surpreendi-a na parede do meu quarto. Um horror!

Primeira coisa que pensei: não há um homem para matá-la (momento em que todo meu feminismo precipitou-se ladeira abaixo). Eu mesma terei de dar conta dela. Eu mesma terei de enfrentá-la. Não há veneno. E ela não pode sumir, pois a pior coisa que existe é saber que há uma barata em algum lugar e não encontrá-la. Corri pegar uma vassoura, temendo perdê-la de vista. Não a perdi. 

- Ai, ai, ai, e agora? 

Arremessei a vassoura contra ela. Mas ela escapou. Horror dobrado. Que luta inglória. Tentei de novo. Não consegui. Ela sumiu. Endoideci. 

Pânico total. Só um veneno poderia aniquilá-la. Corri na vizinha, toda-toda-chorosa, implorando um veneno peloamordedeus. Ela não tinha. Por sorte chegava uma outra vizinha. Essa tinha. Voltei armada e comecei a espirrar veneno debaixo e detrás da cama, criados-mudos, cantos do chão e do teto. Aproveitei e esguichei no banheiro, na sala e na cozinha - quase me envenenei junto. 

E fiquei só observando... até que a avistei, toda-toda-horrorosa, num dos criados-mudos, praticamente dentro do meu nécessaire. Mas ela estava na borda e caiu. Começou a baratear tontamente. Peguei a vassoura novamente e golpeei-a várias vezes. Mas ela estava louca, tentando sobreviver heroicamente. A fdp grudou na vassoura... hugh... eca... Abri a janela, toda trêmula e agitada, e atirei-a para fora. Que alívio! Pude respirar. É mesmo de arrepiar! 

Depois, fiquei imaginando, do ponto de vista da barata, o que ela pensaria ao ver um SER gigante, pálido, cheio de antenas loiras esvoaçantes, olhos e "patas" enormes, e uma boca cheia de dentes, gritando, pulando pra cá e pra lá, com uma arma esquisita em uma pata mais esquisita ainda - um SER enlouquecido... etc... etc... etc... e me lembrei, mutatis mutandis, de A Metamorfose do Kafka.



Me and my notebooks  
Chapecó-SC 
19/10/2015
segunda-feira
00:26 h


segunda-feira, março 19, 2018

Chá de espera

Segunda-feira cedo. Horário no oftalmologista às 9h. Havia me esquecido completamente. Programei o despertador para às 9h mesmo, já que tinha ido dormir de madrugada. Porém, acordei sozinha em torno das 8h15min e fiquei ali enrolando um pouco na cama, comme d’habitude, uma vez que tal compromisso nem me passava pela cabeça (algo raro, pois não costumo me esqueçer de um compromisso). De repente, às 8h28min, acendeu um letreiro em minha tête com a informação: oftalmo às 9h.

Bah! e agora? Preciso de um banho e, em geral, sou bem lenta para isso. Well, terei de ser rapidíssima. Corri, joguei uma água no corpo, escovei os dentes, fiz um café, passei um secador nos cabelos, me vesti, coloquei meus anéis, pulseiras, brincos, sapatos e tudo mais.  Resolvi, então, ligar no consultório para avisar que poderia me atrasar uns minutinhos. A secretária me disse: será que você conseguiria chegar lá pelas 9h10min? Eu disse: claro!!! E saí toda esbaforida. Cheguei às 9h03min. São 9h42min. Até agora nem sinal do médico. Simplesmente ele não chegou ainda. E a sala de espera está cheia. Assim como a minha paciência! Humpft!

photo by Stephanie Jager 
Alice in Wonderland

sexta-feira, janeiro 12, 2018

Call her


a gente liga pra amiga
a amiga pergunta se tá tudo certo...
a gente responde:
hummm, tá, tá sim, tá tudo certo
em linhas tortas,
mas tudo certo... rs

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[marília côrtes/ 2018]


quinta-feira, dezembro 21, 2017

Divagação

-  Vou passar um hidratante no corpo.

Sobre a pia encontram-se três embalagens em cores e designs mais ou menos semelhantes: o hidratante, um démaquillant e um shampooNum gesto mecânico, absorta, pego o démaquillant (líquido como água) e derramo-o nas mãos como se fosse o hidratante. Derramo quase tudo. Espanto-me. Percebo imediatamente: 

- Caraca!!! Acho que estou ficando louca!!!

Insisto em passar o creme. Repito o gesto. Divago novamente. Pego o shampoo e, mecanicamente, derramo-o nas mãos. Percebo o engano com um segundo a menos de imediatez, dada a consistência cremosa mais semelhante ao hidratante.

- My god! Não estou ficando louca! Já estou louca! 

Insisto novamente. Presto bastante atenção. Terceira tentativa. Pego o hidratante e, enfim, espalho-o pelo corpo...

- Ahhh... algum resto de sanidade deve permanecer em mim! 


Haze All Clouded up My Mind 
by Marisa S. White


quinta-feira, junho 01, 2017

Frágil e incerta


Há pouco, ao me levantar da cadeira na qual estudava, levei um tombo ridículo (como em geral são os tombos). Virei-me rapidamente para ir até a sala buscar meu celular e tropecei feio no adorável cão da casa que, por sua vez, descansava silenciosamente logo atrás da cadeira. Chegou ali sem que eu, absorta, o tivesse percebido. Ele é meio cor de creme, o piso da casa é cor de creme e até eu sou meio cor de creme. Diante desse cenário de cores e tons praticamente indistintos, não vi nada na minha frente, afora, após o tombo, o chão na cara, uma escuridão momentânea, seguida de algumas estrelas piscando. Caí dura, de corpo inteiro no chão, feito bloco de pedra, pois o silente e vigilante companheiro ─ que é grande e alto ─ me passou uma rasteira. Levantou-se rapidíssimo deslocando meus dois pés do chão ao mesmo tempo. Sem qualquer apoio, a queda foi praticamente livre. Digo praticamente porque consegui amortizá-la um pouco com as duas mãos. As veias de meus pulsos saltaram grossas e roxas. Meus ossos gritaram. 

Doeu pacas!!! Cheguei a tocar o nariz e a testa no chão. Junto a essa cena tragicômica, senti uma pontada nas escápulas, no pescoço, e uma forte dor no peito. Ninguém assistiu ao espetáculo, a não ser o próprio Bóris ─ doce cão, amigo, querido, e cheio de expressão nos olhos. Sem ninguém para me acudir no momento, fiquei ali por um tempo, estatelada, gemendo muitos ais. Aos poucos, fui me levantando. Toda trêmula e doída.

Pensei: tive muita sorte. Se eu tivesse caído de modo um pouco mais desajeitado, as consequências poderiam ter sido desastrosas. Eu poderia ter quebrado o nariz, ou o osso da fronte, um ou outro ou ambos os braços, ou uma clavícula, os pulsos, ou mesmo o pescoço ─ um pensamento trágico nunca pode faltar em se tratando de moi...

Ah... como a vida é frágil e incerta! Eu poderia ter me quebrado toda. Um tombinho de nada (na verdade, um tombão ridículo!) e tudo que eu programei para a semana que vem, ou mesmo para o resto de minha vida, seria revirado, alterado ou afundado.

[Boris: cheio de expressão nos olhos]


E por falar em vida frágil e incerta, a gente ouve falar daquelas pessoas que morrem num tombo besta porque caíram de mau jeito. Pensei: ainda que eu esteja agora toda dolorida, com hematomas nos dois pulsos, caí de bom jeito, assim como capotei de bom jeito na famosa estrada da morte, em outubro de 2016, a mais ou menos 100 km de Curitiba. Nessa capotada, que de cômica não teve nada (uma clássica rodada no óleo de uma pista sob garoa), também tive muita sorte. Saí praticamente indene. Não fiz nenhum corte, não verti nenhuma gota de sangue, não quebrei um osso sequer. Ganhei apenas alguns hematomas abaixo dos joelhos, nas costelas e na clavícula esquerda, além de diversos incômodos práticos e dores pelo corpo todo (como se tivesse levado uma surra). Mal acreditei que na hora do acidente não fiquei nem tonta e saí andando, embora estupefata, imediatamente após o carro parar embicado numa vala do canteiro que divide as pistas. Mas, para a sorte do meu destino, "esse fantasma sincronizador" (como diz Humbert Humbert em Lolita), com as rodas no chão. Para não dizer que não perdi nada, perdi alguns materiais impressos de estudos (que foram parar na lama), um brinco da orelha esquerda, meu Celtinha "bala" ─ tão leve, rodado e cheio de spirit ─ e mais algumas ilusões.

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[marília côrtes / 2017]

quarta-feira, março 01, 2017

Me and my notebooks


Uma concepção peculiar do que vem a ser produtivo.
Alguns entenderão.
Outros não!

I don't care...