domingo, julho 16, 2006

Liberdade e determinismo I

Por Nicolas Piocoppi

Os dois textos a seguir são observações elaboradas a partir do encontro do Grupo de Estudos sobre Kant, coordenado pela professora Marília Côrtes de Ferraz, ocorrido em 25/06/2006.

O tema “liberdade” que foi discutido no último estudo pode ser também entendido como uma relação de causa e efeito quando se pensa na liberdade de vontade e na liberdade da ação. Para a liberdade da vontade pensa-se, obviamente, em uma vontade livre de qualquer “determinação” anterior a seu surgimento – da vontade – o que é certamente complicado de se pensar, pois nossos desejos estão entrelaçados com “n” determinações dispostas no meio externo. Parece, de fato, que o meio externo é verdadeiramente aquilo que “determina” a vontade. Se morássemos em um lugar de breves dimensões – o que não deixa de ser verdade – desde o nosso nascimento, e nunca conhecêssemos nada “diferente” do local, não teríamos vontade de ir aonde não conhecemos e se não conhecemos tal coisa poder-se-ia dizer que é como se tal coisa não existisse. Há também a problemática das leis da natureza que determinam nossas rotinas e nosso modo de viver e, além disso, também determinam o que somos hoje. Se você vai à loja de sapatos e, ao analisar cada modelo de sapato acaba por ficar em dúvida entre um e outro, e digamos que um seja de cor verde e o outro de cor branca, certamente a sua escolha será para aquele que “agrade mais a sua vista” – ou o bolso dependendo do caso – e esse “agradar” certamente é o que “gera a vontade” de levar tal produto. Porém, nossos gostos são determinados por “n” fatores, sejam os fatores sociais como a moda, sejam outros fatores tradicionais familiares. Quer dizer, até mesmo fatores genéticos imperam em nossos gostos - como os da cor, tamanho, forma ou cheiro de cada um.

Por outro lado, a liberdade é também uma questão metafísica; se admitíssemos a idéia de Deus, ou deuses, fatalmente nos perguntaríamos se Deus conhece o futuro – como Santo Agostinho em seu tempo se perguntou. Se admitirmos que sim, teremos de arcar com a problemática de que toda ação e toda liberdade que se comete é já pré-destinada a ocorrer e, dessa forma, o livre-arbítrio tornar-se-ia apenas uma expressão alegórica encontrada nos livros religiosos. Se perguntarmos se Deus conhece o futuro e encontrarmos nas escrituras uma resposta para tal questão, se a resposta for positiva, talvez devêssemos perguntar: qual é a validade de toda a história nela contida? Pois certamente poderíamos considerar todas as ações e discursos proferidos no determinado livro, vazios e sem sentido.

sábado, julho 15, 2006

Liberdade e determinismo I I

Por Nicolas Piocoppi

Também com os gregos, nos tempos do “nascimento de sua tragédia”, o destino fora um tema bastante discutido como nos mostra o clássico grego Édipo Rei escrito por Sófocles em torno do século IV a.C. Nessa obra, Laio, o rei de Tebas, é advertido pelo oráculo de Delfos sobre o trágico acontecimento de que seu filho iria matá-lo e, em seguida, casaria com sua mulher. Diante desse mau presságio, Laio tenta matar o filho Édipo quando este é recém nascido pregando seus pés e largando-o numa estrada afastada do seu reino. Anos mais tarde, ao retornar para Tebas sem saber que era a cidade onde nasceu e quem é seu pai, Édipo, em uma briga com o próprio pai acaba por matá-lo e, mais tarde, casa-se com sua mãe, também sem saber quem era esta. Neste exemplo de Édipo a liberdade da vontade parece ser completamente possível ao passo que a liberdade da ação não, pois o destino, que era representado como um deus, imperava entre humanos e em suas relações diárias e não só entre humanos, mas também sobre os deuses e até mesmo sobre o próprio Zeus – Deus dos deuses na mitologia grega. Portanto todos eles poderiam livremente sentir vontade para qualquer coisa, mas suas ações eram todas pré-destinadas.

Contudo, seria a idéia de destino tal qual os gregos pensavam de fato uma “má” observação acerca das coisas? Se pensarmos na natureza e analisarmos a idéia da grande explosão – big bang – tudo no universo outrora fora um ponto infinitamente pequeno e de densidade infinitamente grande que quando explodiu lançou todas as peças do quebra-cabeça no espaço-tempo. Newton se admitisse a idéia de começo dos tempos e das coisas, certamente diria que uma ação efetuada no passado como, por exemplo, impulsionar uma corda esticada e com isso produzir uma ondulação na mesma, certamente essa ação se refletiria em todos os “pontos” do futuro que, nesse caso, seria o mesmo que uma pessoa que estivesse do outro lado da ponta da corda percebesse a ondulação na corda tempos depois. É claro, a lei de Newton que diz que “para toda ação existe uma reação de igual ou maior intensidade” descreve um pensamento inteiramente determinista, o que não é completamente aceito na atual ciência da natureza. Com o advento dos princípios da mecânica quântica a idéia que se tem das coisas é que se alguém efetuar um impulso na mesma corda citada anteriormente, não necessariamente alguém do outro lado receberá a ondulação provocada inicialmente e, assim, tudo tornar-se-ia uma questão probabilística. O que nos remete de certo modo às idéias de David Hume. Neste caso seria possível, pois, driblar as “imposições” do primeiro e “extraordinário” acontecimento. Mas aí, como diz uma personagem de um filme chamado “Waking Life”, teríamos de nos perguntar se a liberdade consiste em um cálculo probabilístico de acontecimentos. Talvez, se se pensar em um determinismo na óptica newtoniana, seja mais possível conceber a idéia de liberdade, ainda que haja todo o determinismo a agir sobre cada um, ou todo o destino.

Conhecimento em Hume e Kant

Por Nicolas Piocoppi

O texto a seguir consiste em observações elaboradas a partir do encontro do Grupo de Estudos sobre Kant, coordenado pela professora Marília Cortes de Ferraz, ocorrido em 25/06/2006.

Podemos afirmar que, quando pensamos nos conceitos “causa e efeito”, nossa mente cria um certo círculo vicioso de modo quase imperceptível. Para todo efeito existe uma causa e toda causa gera um efeito ─ o que significa que ambos os termos estão intimamente ligados um com outro. Porém qual seria esta ligação? Fatalmente Hume perguntaria ao sujeito quando este afirmasse a idéia da causa sobre o efeito observado. No exemplo da bola de bilhar Hume pergunta se a noção de impulso já está contida no simples movimentar da bola de bilhar sobre a mesa, e se dissermos que sim, que já está, fatalmente caberia indagar o que é que nos leva a afirmar tal coisa. Responder-se-ia, talvez: “ora a bola de bilhar precisa de um impulso para que possa se movimentar”, todavia esquece-se da possibilidade da mesa estar “torta” e haver uma certa inclinação de tantos graus de modo que cause o “movimentar da bola” ou, ainda, como disse Lebrun no texto “Hume e a astúcia de Kant”; “você poderá, vencido pelo cansaço, invocar a sua experiência passada e a de todos os homens” para justificar a idéia de impulso sobre a bola. Do mesmo modo pergunta-se se a cena que descreve uma explosão de uma casa contém já a idéia de bomba ou atentado. Hume diz que não, pois há tantas possibilidades de explosão quanto se pode imaginar e a de bomba é apenas uma delas. Desta forma, como é notório, a ciência em geral é praticamente reduzida à mera crença, pois trabalharia com as mesmas afirmações e o que diferenciaria uma simples crença de uma “crença científica” é que a ciência iria testar mais vezes o mesmo objeto antes de atribuir tal crença.
Kant ao descrever a idéia de um conhecimento sintético a priori parece retirar a ciência destes “maus lençóis” a que o ceticismo humeano a havia colocado e, portanto, perguntar-se-ia; é possível determinar a priori uma ligação de causa e efeito entre dois acontecimentos? Certamente que ao escrever um romance o sujeito que o escreve tem todo o conhecimento acerca das relações espaciais, cronológicas (condições físicas do ambiente em geral), psicológicas, etc, que as respectivas personagens da trama toda possuem. Deste modo qualquer relação de causa e efeito dita por este escritor sobre o romance tem completa valia, pois é ele quem determina todos os acontecimentos no mesmo. De forma análoga eu posso afirmar que um certo número “y” é igual a outro número “p” mais outro número “f” multiplicado por “x” e desta forma eu obtenho uma função simplória do primeiro grau de forma “y = p+ f.x”. A partir deste momento que estabeleço regras para a obtenção de y eu indico as relações necessárias para que se obtenha o mesmo – que nesse caso depende das incógnitas “f”, “x” e “p”. Como é uma função simples de uma única variável apenas, portanto, uma das três incógnitas citadas poderá ser entendida como sendo uma variável. Supõe-se que x seja a variável; “y” imediatamente torna-se uma “função” dessa variável x. Portanto, qualquer valor futuro de “x” acarretará imediatamente um efeito que neste caso será o de “dar valor a y”.
Deste modo, parece ser completamente possível que exista uma “ligação” entre “idéias” oriundas das observações acerca de dado objeto e assim é possível conhecer, por exemplo, a intensidade e dimensões de um campo elétrico, ou gravitacional ou eletromagnético a agir em determinado meio por simples questões de “causa e efeito” que têm a ver com as propriedades dos objetos que estejam a ser estudados.

terça-feira, julho 11, 2006

Ainda sobre a ordem e o caos


Caro Diego

Receio que nosso acordo não seja tão grande quanto você pensa. Gostaria de insistir num ponto. Você afirma que “ao menos não existe um caos tamanho que possibilite o surgimento de matéria”. Essa, a meu ver, é uma afirmação temerária, pois, na verdade, podemos afirmar apenas que não temos a experiência de ver a matéria surgir de tamanho caos, e não de que ele, de fato, não exista. Temos sim a experiência das transformações da matéria, mas a origem desta permanece oculta às nossas percepções. Não entendo por que você considera o argumento da subjetividade humana válido, mas, ao mesmo tempo, abominável em relação às leis físicas e químicas. Não estou segura, mas parece-me que a física quântica já admite a possibilidade de que não haja imparcialidade do sujeito em relação aos movimentos das partículas atômicas. Também não vejo como se possa demonstrar que se partirmos do pressuposto de que em tudo há subjetividade humana deveríamos declarar um caos absoluto. Ora, subjetividade não é igual a caos. Ao contrário, do modo como a subjetividade foi por mim expressa, pode-se dizer que ela tem uma estrutura própria de ordenação dos materiais apreendidos. A questão seria: é o universo que possui ordem ou é nossa subjetividade que o ordena de modo a torná-lo o mais compreensível possível?

Bem-me-quer, mal-me-quer


Querido Aguinaldo

Penso que a discussão promovida, de fato, causa um grande impacto nas noções comuns de bem e mal, precisamente no ponto que você mesmo toca. Ora, na medida em que se assume a tese de que a origem do mundo e a ordem que nele pode ser observada provêm apenas de um princípio gerador e ordenador intrínseco à própria matéria, poder-se-ia prescindir da crença na existência de uma divindade ordenadora que deu origem e imprime movimento a essa imensa máquina chamada mundo. Certamente isso estremeceria as bases da moralidade, tal como concebida de um ponto de vista religioso, uma vez que a tese de que a moral está fundamentada em princípios religiosos é muito mais difundida e bem aceita do que a tese contrária. Aqueles que acreditam que nossas noções de bem e mal são, tanto quanto nós mesmos, criadas por Deus e que, portanto, a moralidade é ditada por Deus, provavelmente concordariam com o personagem de Dostoievski. Mas eu, embora não possa afirmar como verdadeira a hipótese da matéria, não penso que é preciso acreditar em Deus e crer na imortalidade da alma para ter motivos para agir moralmente. A meu ver não é preciso mergulhar em águas teológicas para fundamentar a moralidade, pois nossos juízos morais, para que sejam válidos, não pressupõem necessariamente padrões teológicos de bem e mal. Eles podem repousar simplesmente em nossos naturais sentimentos de aprovação ou desaprovação experimentados diante de certas ações, comportamentos e inclinações. Também não vejo a necessidade de pressupor um mundo pós-morte, no qual a alma sobreviveria, para agirmos moralmente. Podemos ter razões suficientes para agir moralmente nessa vida mesmo, como por exemplo, o desejo de uma convivência pacífica ou uma consciência tranqüila, mesmo que dessa vida nada possa restar no futuro.

terça-feira, julho 04, 2006

Ordem ou Caos?



Caro Diego.
Se entendi bem, quando você fala em surgimento e desaparecimento da matéria, acho que o que você está querendo dizer é que a matéria se transforma, não é? Com efeito, a matéria não desaparece. Nós não temos acesso pela experiência ao surgimento e desaparecimento da matéria, mas apenas à sua transformação. E essa transformação pode ser fruto – como disse antes e você também menciona – de princípios ordenadores intrínsecos à matéria.
Sobre monoteísmo e politeísmo. Penso que o defensor do monoteísmo tem de enfrentar realmente a dificuldade que você assinala. Sobre isso estamos de acordo. Contudo, acredito que um litígio apenas entre o monoteísta e o politeísta seria provavelmente vencido pelo primeiro. Platão e Aristóteles, para citar apenas os dois maiores filósofos gregos, nunca deram crédito ao politeísmo.
Em relação à inteligência do cosmos, a meu ver, não está de modo algum excluída a possibilidade do cosmos ser na realidade caótico e o princípio ordenador ser apenas uma imposição de nossa subjetividade às coisas.
Um abraço!