domingo, junho 15, 2008

Natureza atroz, paixão atroz... dúvidas atrozes!

Esse post refere-se ao comentário que o Aguinaldo fez ao meu post imediatamente anterior a este. Ali ele levanta uma questão que é, de fato, uma verdadeira e grande pedra no meu sapato. Não estudo (ao menos suficientemente), nem estudei tanto assim as paixões humeanas para apresentar uma solução clara aos problemas que emergem de sua teoria.

Aguinaldo: sei que sua pergunta reclama uma resposta ao problema da liberdade e responsabilidade moral, um problema cuja melhor solução você acredita que é Kant quem dá. Eu, sinceramente, sou uma vacilante ainda quanto a esse ponto.

Veja bem, no fundo, não acho que você sente paixão por um time de futebol (e não é qualquer time rsr) à revelia de sua vontade, mas sim de suas paixões, o que, segundo Hume, não são a mesma coisa. Ao contrário, seguindo os passos de Hume, você estaria determinado a querer isso pela sua própria vontade e não à revelia dela. Quer dizer, sua vontade quer isso (admito que isso soa bem esquisito e que vou ter de pensar mais, pois acho que me meti numa sinuca de bico). Se algo ocorre à sua revelia (à revelia do homem Aguinaldo) são suas paixões frente a esse objeto chamado Inter, que, nesse caso, são paixões violentas e não paixões calmas ─ distinção crucial que não considerei em meu comentário anterior, assim como a distinção entre paixões fortes e fracas. Eu não queria (e continuo não querendo) entrar nessa complexa dinâmica das paixões. Gostaria apenas de lembrar que aquilo que entendemos por razão, no domínio das questões de fato, para Hume, não passa de uma paixão calma.

E, talvez, para acalmar os ânimos dos defensores da liberdade (e eu me incluo aqui, pois o meu também se exalta, principalmente quando estou violentamente apaixonada), Hume diria que “o que se chama de firmeza de caráter implica o predomínio das paixões calmas sobre as violentas” (T 2.3.3), e daí a possibilidade de regularmos nossa conduta de modo a agirmos moralmente ─ já que a moral humeana, bem entendida, repousa, em última instância, na natureza humana, em seus sentimentos de aprovação e censura, prazer e dor, quer dizer, repousa nas paixões que sentimos diante de certas ações, comportamentos, inclinações ou, digamos assim, objetos.

Diga-me, você torce pelo Inter à revelia de sua vontade? Você não quer torcer pelo Inter? Desculpe-me perguntar, não quero de modo algum ferir seus sentimentos (ou suas paixões) com minhas perguntas, mas, investiguemos... por que, então, você não passa agora a torcer para outro time de futebol? Nem é preciso que você traia seu Estado. Por que você não exerce a autonomia de sua vontade e a determina a torcer, a partir de então, pelo Grêmio (ai... calma... sorry)? Você não quer torcer pelo Grêmio? Faltam-lhe boas razões para isso? Ou será que lhe faltam paixões? Sua vontade não é livre para querer diferentemente? Onde está, ao menos nesse caso, a sua autonomia volitiva?

Ai, que dúvidas atrozes! Minha vontade é ou não livre? Eu posso ou não querer diferentemente do que quero? Ai, como eu sofro... shuiff!

segunda-feira, junho 02, 2008

Triste Consolo


O post abaixo é comentário ao post "Por que sofrer com o futebol", publicado por Aguinaldo Pavão em seu blog http://agguinaldopavao.blogspot.com/ em 25/05/2008.

Agui, o post é uma graça, principalmente aquela parte em que você diz “sinto paixão por uma mulher que estuda os Diálogos sobre a Religião Natural de Hume”. Não sei por que razão, mas essa é a parte que mais gostei rsrsrs. A pior, e essa é claro que não gostei, é quando você diz saber “que há uma razão para sentir paixão por mulheres”, no plural. Essa eu anotei no meu caderninho negro grhgrhgrh (só espero não ser, por causa disso, processada por preconceito racial rsrs).

Mas o ponto que me interessa aqui é a lembrança que o post traz de Hume. Será que ele poderia amenizar esse seu sofrimento oferecendo uma explicação que o auxilie a compreender melhor as “razões escravas” dessa sua paixão pelo Inter? Sei não!

Você pergunta: “Por que sofrer com mais uma derrota do Inter? Porque tenho paixão pelo Inter. Mas a resposta não me satisfaz. Por que eu deveria sentir paixão por um time de futebol?”

Bom, a respeito dessas perguntas de índole apaixonada, bem sabe você que paixões não se sentem por dever. E acho que Hume diria que as razões que justificam essa sua paixão pelo Inter incluem também razões biológicas (embora, evidentemente, estas não dêem ensejo a nenhuma procriação hahaha), ou melhor, razões naturais. Explico:

Segundo Hume, as paixões e outras emoções semelhantes são impressões secundárias ou reflexivas que procedem de determinadas impressões originais, e pela interposição de idéias (T.2.1.1). Acredito que a paixão pelo time de futebol de seu Estado envolva uma diversificada gama de paixões, como por exemplo, a do amor e do orgulho (pela vitória do time da sua terra adorada, idolatrada, salve, salve rsrsr, não resisti), chamadas de paixões indiretas; a da tristeza (quando o time perde) e da alegria (quando vence), a esperança (de que irá vencer), o medo (de perder), o desespero e a confiança, ou seja, as paixões diretas. Estas, de acordo com a divisão humeana, são as que nascem imediatamente do bem e do mal, da dor ou do prazer.

Nesse caso, acho que não dá para negar (e nem é preciso confessar) que quando seu time perde você sente dor e tristeza, e, quando vence, seu amor e entusiasmo por ele se intensificam, seu coração se enche de alegria e orgulho. Ah... quanta paixão!

É curioso que Hume diga que os objetos do amor e do ódio se dirigem sempre a algum ser sensível exterior a nós. Ora, um time de futebol não é exatamente um ser sensível, mas uma união de seres sensíveis unidos num só time de seres. Hume diz também que as paixões compreendem “qualquer objeto que tenha conosco a menor aliança ou relação”. A teoria parece subsistir aqui.

Hume dá uma longa e complexa explicação sobre essa dinâmica das paixões. Busca as causas e objetos de cada uma delas. Mas não quero entrar nesses detalhes. Meu propósito aqui é apenas assinalar que “nas variações e disposições naturais da mente”, ao passar por diversas impressões, sensações ou emoções, ao produzir idéias e fazer associações entre elas, as razões de sua paixão pelo Inter dependem da constituição primitiva de sua natureza, ou seja, do modo como você se deixa afetar por este objeto que te faz sentir prazer e dor, euforia e decepção. Ora, você não deveria sofrer! Você não deveria sentir paixão pelo Inter: simplesmente você sente e sofre, sem dever e sem, talvez, propriamente querer. Tudo por causa da sua natureza humana hehehe! Um beijo!