Curso Introdução ao pensamento de Kant
Profª. Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do encontro de 19 de agosto de 2006
Por Espinosa
No encontro de 19 de agosto de 2006, foram discutidos os seguintes pontos:
1. Leitura e discussão do relatório do encontro de 15 de julho de 2006, elaborado por Carlos Nadalim.
2. Digressão sobre como ler textos filosóficos
3. Esclarecimento sobre dúvida do último encontro acerca da relação entre transcendental e experiência
4. Esclarecimentos gerais sobre o papel das idéias de Deus, alma e liberdade na filosofia kantiana.
■ 1) Foram feitas algumas observações corretivas ao relatório. Estas observações foram pontuais. Foi salientado pela professora Marília a excelente qualidade do texto redigido por Carlos Nadalim.
■ 2) Argumentou-se que devemos ler os autores de filosofia como se eles estivessem querendo dizer o que disseram. Apenas quando esse método de leitura não prosperar, estamos autorizados a recorrer a interpretações que levem em conta elementos subjacentes ao que o texto registra. Um autor como Kant permite tranqüilamente que pratiquemos, em geral, a leitura de suas obras supondo que o que ele escreveu era o que ele queria de fato dizer. Autores que se servem, por exemplo, de alegorias e ironias com freqüência devem ser lidos com mais cuidado, talvez se justificando, nesse caso, o recurso a uma interpretação que não se prenda apenas ao que o texto diz. Destacam-se, entre esses autores, Platão e Hume.
■ 3) Na CRP Kant afirma:
Denomino transcendental todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível
a priori (CRP B 25. Tradução Valério Rohden. Os Pensadores. 1980).
Assim, pode-se dizer que a experiência tem como apoio metafísico o transcendental (o termo metafísico é usado aqui no seu sentido crítico, não dogmático ou tradicional). Não há experiência sem princípios do entendimento e formas puras da intuição. Vale citar uma ilustrativa passagem dos Prolegômenos:
A palavra transcendental [...] não significa o que ultrapassa a experiência, mas o que a precede (a priori), para mais nada determinado a não ser tornar possível o conhecimento da experiência. Quando tais conceitos ultrapassam a experiência, então seu uso é transcendente, distinto do imanente, isto é, o uso limitado à experiência” (
Proleg. p. 93, n. 31. Tradução de Tânia Maria Bernkopf. Os Pensadores, 1980).
■ 4) Antes de esclarecer o papel das idéia de Deus, alma e liberdade, foi assinalado preliminarmente que é um equívoco pensar que as três críticas de Kant respondem, respectivamente, aos problemas do conhecimento, moralidade e estética. É um erro, pois a CRP não trata apenas do conhecimento e CFJ não trata apenas da estética. Argumentou-se que as três idéias dizem respeito aos postulados da razão pura prática e, em especial, Deus e imortalidade da alma funcionam como requisitos conceituais para se pensar no conceito de sumo bem, que é a conjunção necessária entre virtude e felicidade. Essa tese é questionável e alguns problemas foram levantados. Como podemos pensar em felicidade para um ser não sensível, como se supõe devam ser as almas? Deus e alma não funcionariam, no fundo, como móbiles da ação, tendo em vista o desejo de felicidade acalentado por todos os seres humanos? Sobre esse segundo problema foi citada uma passagem da CRP B 841-42 em que Kant parece de fato sucumbir a uma moral heterônoma. Vale citar a passagem.
É necessário que todo o curso de nossa vida seja subordinado a máximas morais; por outro lado, é simultaneamente impossível que isto aconteça se a razão não conectar com a lei moral, a qual é uma simples idéia, uma causa eficiente que determine ao comportamento conforme àquela lei um êxito exatamente correspondente aos nossos fins supremos, seja nesta vida, seja numa outra. Portanto, sem um Deus e sem um mundo por ora invisível para nós, porém esperado, as magníficas idéias da moralidade são, é certo, objetos de aprovação e admiração, mas não molas propulsoras (
aber nicht Triebfedern) de propósitos e de ações, pois não preenchem integralmente o fim que é natural a cada ente racional e que é determinado
a priori, e tornado necessário, por aquela mesma razão pura (CRP B 840-841. Tradução Valério Rohden. Os Pensadores. 1980).
Foi alertado, porém, que esse ponto de vista foi abandonado por Kant na
Fundamentação com a tese da autonomia da vontade. Para o Kant da moral autenticamente crítica – que parece não ser o caso do
Cânon da CRP – a lei moral não é apenas o princípio de conhecimento, mas também princípio de execução, isto é, móbil das ações morais. Sublinhe-se que a lei moral é o único e suficiente móbil da ação moral.
Com respeito à primeira questão, isto é, como pensar em felicidade – que é um componente do sumo bem – para seres não físicos, como se presume devem ser as almas, o grupo não chegou a nenhuma conclusão positiva. Pareceu a todos que Kant deveria ter se explicado melhor.