Mostrando postagens com marcador Kant. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Kant. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, março 17, 2010

From Hume to Kant: Towards a Semantic Interpretation of the Transcendental Analytic

Workshop
From Hume to Kant:
Towards a Semantic Interpretation of the Transcendental Analytic
Universidade Estadual de Campinas
3 a 6 de maio de 2010

Realização:
Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UNICAMP
Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência - UNICAMP
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – IFCH-UNICAMP
Seção de Campinas da Sociedade Kant Brasileira
GT/GP Criticismo e Semântica da ANPOF


Participantes confirmados:
Andrea Luisa Bucchile Faggion (UEM/UNICAMP)
Daniel Omar Perez (PUC-PR)
Eduardo Salles de Oliveira Barra (UFPR)
José Oscar de Almeida Marques (UNICAMP)
Júlio César Ramos Esteves (UENF)
Orlando Bruno Linhares (Universidade Mackenzie)
Robert Hanna (University of Colorado)
Zeljko Loparic (UNICAMP)

Chamada de trabalhos:
Os trabalhos, em extensão apropriada para uma comunicação de 30 minutos, devem ser enviados na íntegra para o endereço eletrônico andreafaggion@yahoo.com.br até o dia 31 de março de 2010. As propostas devem versar sobre as obras de Hume e/ou Kant. Os textos devem conter: título, nome do autor (e do orientador, quando for o caso), instituição, endereço eletrônico do autor, resumo, palavras-chave, desenvolvimento e referêncisa bibliográficas, sendo digitados em formato A4, espaço 1,5, fonte Times New Roman, 12. É desejável que haja também uma versão do texto em língua inglesa e será dada preferência aos autores que a providenciarem.

Observação: Embora a chamada de trabalhos solicite o texto completo serão aceitos também apenas os resumos.

sábado, setembro 30, 2006

Um verdadeiro duelo...


O comentário abaixo refere-se a um outro comentário escrito pela estudiosa de Kant Andréa Faggion. O debate tem início numa postagem intitulada “Compatibilismo versus incompatibilismo (ou Hume versus Kant)” publicada em 22 de setembro de 2006 por Aguinaldo Pavão no blog http://agguinaldopavao.blogspot.com.br/2006/09/compatibilismo-versus-incompatibilismo.html
Junto a esta postagem segue (na seção de comentários) a brilhante resposta da Andréa: uma verdadeira aula sobre a teoria kantiana.

Cara Andréa,
Peço licença para brindar o seu “belo e inteligente” comentário (como bem disse o Aguinaldo... e sem ironia) com alguns comentários ulteriores (provavelmente não tão belos e inteligentes rsrsrs). Se me permite a intromissão, a comparação que você fez entre as teorias de Hume e Kant sobre a liberdade e imputabilidade moral causou-me um desconforto filosófico de tirar o sono (não se sinta culpada rsrsrs, sempre que eu mesma faço essa comparação perco o sono). Isto porque, para oferecer uma resposta a essa famigerada controvérsia, ambos caminham em direções diametralmente opostas, a meu ver, num verdadeiro duelo de gigantes. Como você sabe, Hume busca em suas explicações uma radical deflação metafísica, e Kant, embora pense numa metafísica crítica, não deixa de ser metafísico. Hume adota um monismo explicativo. Já Kant, um dualismo que os kantianos e Kant mesmo preferem chamar de transcendental. Também suas concepções de razão e vontade são completamente distintas. Há que se ressaltar que Hume e Kant estão num profundo desacordo quanto às competências do discurso filosófico. Não pretendo, ao menos neste momento, afirmar a verdade de uma teoria e a falsidade de outra, mas apenas mostrar que a solução compatibilista humeana não é tão fácil assim, como você assinalou, pois não se reduz a afirmar que, “afinal, a vontade possa ser necessitada por causas naturais e o corpo livre para agir”. De fato, Hume, em outras palavras, afirma isso, mas para chegar a essa simplicidade empreende uma tarefa que a meu ver não é nada fácil.
Quando se trata de liberdade interior, Hume de fato opta pelo determinismo, mas é justamente por isso que ele é um compatibilista. Como qualquer compatibilista coerente, Hume recusa a liberdade da vontade, mas não a liberdade da ação. E não há razão para que um compatibilista fique constrangido se lhe fizerem a pergunta: como podemos ser moralmente censurados ou louvados se nossa vontade não é livre? Para um compatibilista, os nossos juízos ordinários de responsabilidade moral de modo algum requerem uma vontade livre para lhes dar suporte, basta admitirmos que um homem agiu de acordo com sua vontade (não que agiu com uma vontade livre). A reflexão de Hume sobre a imputabilidade moral visa a elucidar o modo como o senso comum procede, especialmente na qualidade de observador, quando se trata de emitir juízos de aprovação e desaprovação moral. Ora, os juízos de louvor e censura moral, na visão de Hume, reportam-se ao caráter do agente. Portanto, o alvo da imputabilidade moral é o caráter – isto é, uma disposição interna com relativa estabilidade que motiva as ações dos indivíduos.
Para que possamos compreender essa teoria, devemos, é o apelo de Hume, fixar a filosofia na província modesta da vida comum. Se não entendemos o que Hume compreende por filosofia, simplesmente não compreendemos Hume. Na sóbria província da vida comum poderemos perceber que não há qualquer necessidade de investigarmos as causas remotas que determinam o caráter (porque alguém bem poderia perguntar se somos responsáveis por nosso caráter, já que ele é antecedentemente determinado). O caráter pode ser - como de fato é pelo senso comum - tomado como a instância pragmaticamente última de nossos juízos de imputação moral.
É claro que Kant de modo magistral e sublime ultrapassa as jurisdições epistemológicas fixadas por Hume, procurando mostrar que a condição de possibilidade para se pensar a liberdade e imputabilidade moral implica necessariamente a adoção de um duplo ponto de vista, ou seja, o do fenômeno e o da coisa-em-si. Agora, é evidente que a Hume esse duplo ponto de vista não interessa. Por certo ele rejeitaria categoricamente (rsrsrs) essa perspectiva transcendental, afirmando, provavelmente, que coisa-em-si não tem sentido algum e, conseqüentemente, a lei moral kantiana também careceria de qualquer sentido. Ora, a partir de perspectivas metodológicas radicalmente distintas, afirmar que Hume fracassa em oferecer uma resposta satisfatória ao problema é fechar os olhos para os critérios epistemológicos estabelecidos por ele e aplicar distinções a uma teoria que, em hipótese alguma, se prestaria a isso.
Bom, afora essa minha tentativa de esclarecer alguns pontos, acredito que haja algum problema de tradução em relação à primeira citação que você faz de Hume: “esta liberdade incondicional...”. Veja só, isto está em completo desacordo com Hume, pois, como determinista, tudo está condicionado, inclusive a liberdade (como a teoria dele esforça-se por demonstrar). Na verdade, Hume fala em liberdade hipotética: “Now this hypothetical liberty is universally allowed to belong to every one, who is not a prisoner and in chains” (EHU, 8 §23, p.159). Uma tradução dessa merece ser atirada às chamas... uma vergonha! ... rsrsrsrsrs.
Um abraço,
Marília
(p.s.: Ai, ai, ai... sabe que agora, pensando bem, pelo pouco que te conheço, e o muito que sei de sua competência filosófica, acho que em vez de recuperar o sono vou perder de vez... rsrsrsrsr).

domingo, setembro 24, 2006

Metafísica, Filosofia e Matemática

Curso Introdução ao pensamento de Kant
Profª. Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do encontro de 16 de setembro de 2006. Por Espinosa de Aquino
Neste encontro foram discutidos os seguintes pontos:

1. Retomada da leitura e análise do § 9 do prefácio da segunda edição da CRP (B XIV-XV)
1.1. Metafísica, Filosofia e Matemática

■ 1.1. A metafísica, como escreve Kant em CRP B XIV, pode ser entendida como “um conhecimento especulativo da razão inteiramente isolado que através de simples conceitos (não como a matemática, aplicando os mesmos à intuição), se eleva completamente acima do ensinamento da experiência na qual portanto a razão deve ser aluna de si mesma”. A metafísica, assim, estaria em condições menos favoráveis que a matemática, pois não poderia contar com qualquer espécie de, digamos, certificação intuitiva, como acontece com a matemática. De todo modo, como argumenta Kant na seqüência, a matemática e outras ciências poderiam ter seu fim caso uma barbárie assolasse a humanidade e seus conhecimentos, porém não a metafísica. A metafísica sobreviveria ao abismo dessa barbárie. “Pois a razão emperra continuamente na metafísica, mesmo quando quer dar-se conta a priori (como se arroga) daquelas leis confirmadas pela experiência mais comum” (CRP B XIV). Essas palavras evocam o início do prefácio A da CRP. Enquanto a razão sobreviver, a metafísica sobreviverá.
Em que pese essa compreensão, relativamente fácil do que Kant afirma no § 9 do prefácio B, é possível levantarmos alguns questionamentos:

a) A compreensão de matemática no § 9 é equivalente à compreensão exposta no § 6 (B XI-XII)? Aparentemente, não. No § 6, a matemática parece ser melhor entendida como um conhecimento racional que constrói conceitos representando-os a priori. No § 9, a idéia sugerida nos inclina a pensar que o conhecimento matemático primeiro produziria conceitos e depois os aplicaria à intuição. Ora, é duvidoso se o conhecimento matemático comporta dois momentos distintos. O momento em que o conceito é produzido parece ser o mesmo momento em que o conceito é construído. Sendo assim, não há por que dizer que ele se aplica à intuição, uma vez que a construção do conceito já é realizada intuitivamente.

b) A metafísica e a filosofia poderiam ser consideradas equivalentes? De acordo com a definição de Kant, a filosofia é um conhecimento racional a partir da exposição de conceitos (CRP B 741). Essa definição está muito próxima, é verdade, da compreensão de metafísica. Contudo, a filosofia é mais ampla que a metafísica, principalmente se pensarmos nas pretensões mais propositivas da metafísica.

c) Um triângulo é construído (e isso compete ao conhecimento matemático), porém a liberdade não é construída (pois ela compete ao conhecimento filosófico). Se essa compreensão é correta, o que a sustenta? Kant considera que a liberdade é um conceito dado (conceito no sentido amplo, o que envolve também idéias), precisando evidentemente de elucidação e justificação. Já um triângulo não é conceito dado, mas construído. A liberdade não é representada a partir das formas puras da intuição (tempo e espaço), já o triângulo, como um conceito matemático, depende das formas puras da intuição.

O § 9 (B XV) termina com a famosa caracterização do procedimento de investigação metafísica, a saber, “um mero tatear e, o que é pior, entre meros conceitos”. Talvez pudéssemos aproximar com a noção humeana de relação de idéias. Nesse caso, a metafísica, embora pretenda ser sintética, não conseguiria ir além de juízos analíticos. Como ela não tem consciência de sua própria errância, resta dogmática levantando pretensões que não pode suportar.


sábado, setembro 16, 2006

Ingresso para os objetos

Curso Introdução ao pensamento de Kant
Professora Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do dia 23.07.2006
Por Nícolas Pioccopi


“Pobres filhos da Terra” que somos, nunca freqüentaremos as coisas – é verdade. Mas essa é uma boa nova, pois tais coisas, afinal, como Hume tão bem viu, nunca ofereceriam relação necessária à inspeção de nosso espírito” (Lebrun, Gerard. ‘Hume e a astúcia de Kant’ In: Sobre Kant. Tradução de José Oscar de Almeida Marques; Maria Regina A. C. da Rocha; Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Edusp, Iluminuras, 1993, p. 12).
No último estudo leu-se e discutiu-se dois parágrafos do texto de Gerard Lebrun – “Hume e a astúcia de Kant’ – que trata do conhecimento que se pode possuir acerca de um objeto. “Pobres filhos da Terra que somos, nunca freqüentaremos as coisas” – diz Lebrun em seu texto.
O astrofísico Stephen Hawking em uma de suas entrevistas, neste ano, disse certa coisa que muito chama a atenção para este nosso problema de não termos ingresso para que possamos freqüentar as coisas. Hawking falava que a matemática que orienta os físicos em suas deduções e observações talvez teria de ser “re-inventada” - ou que pudesse ser encontrada uma nova forma de enxergar a mesma coisa - por não poder dizer exatamente a significação das coisas - o que, num futuro nada distante, poderia vir a causar um problema em nossas investigações acerca do universo. Da mesma forma, o problema dos movimentos que levou o filósofo grego do século IV a.C, Zenão de Eléia, a formular, entre outros paradoxos, o de “Aquiles e a tartaruga”, apontava para a necessidade de uma nova forma de pensar. Este paradoxo fala de uma corrida que Aquiles apostaria com uma tartaruga e esta começaria à frente numa distância de tantos metros de Aquiles - por este correr dez vezes mais rápido do que a tartaruga. Digamos que Aquiles começasse a corrida oitenta metros à frente da tartaruga. Quando é dado o sinal de largada ambos começam a correr. Quando começam a correr Aquiles percorre em um dado intervalo de tempo “t” os oitenta metros que a tartaruga tinha de vantagem dele e, neste mesmo intervalo de tempo “t” que Aquiles gastou para percorrer estes oitenta metros, a tartaruga andou mais oito metros para frente. Em virtude de Aquiles correr dez vezes mais rápido que a tartaruga, a distância percorrida pela tartaruga é a distância de Aquiles dividida por dez. Quando Aquiles percorre estes oito metros, a tartaruga anda mais estes oito metros divididos por dez, ou seja, caminha mais oitenta centímetros (0,8 metros) - e assim ao infinito. Zenão alega que Aquiles jamais conseguiria alcançar a tartaruga, o que certamente é um equívoco notório, visto que Aquiles, de fato, alcançaria a tartaruga e a ultrapassaria. O que resolveria este problema seria uma nova forma de raciocinar e que só foi concebida no século XVII por Leibniz e Newton. Até então nossa matemática não dava suporte para que pudéssemos conhecer os movimentos dos objetos visíveis a olho nu - como é o caso de Aquiles e a tartaruga - objetos de nossa experiência diária. Ambos tiveram que inventar uma nova matemática, um novo modo de ver as mesmas coisas, poder-se-ia dizer que “um novo método” e, dessa forma, foi possível que nós adentrássemos nos movimentos das, o que até então era a visão da época, engrenagens bem definidas que era o universo.
Porém, com o passar do tempo, as nossas observações e dúvidas foram aumentando até que chegamos às partículas elementares dos átomos e, portanto, a outras velocidades e distâncias. A mesma matemática, que antes era a principal ferramenta para calcular os movimentos dos objetos, ainda é usada tanto quanto antes. Porém, a idéia de universo já não é mais a mesma, ou seja, apareceram inúmeros outros objetos a serem observados e, portanto, a “física já não é mais a mesma”, quer dizer, surgiram problemas que esta matemática não é capaz de resolver “exatamente”. A idéia que se tem do início do universo, na verdade, é uma interpretação que se faz de cálculos cujo resultado final é uma divisão do tipo “um sobre zero”. Isso em matemática é um número infinito e, portanto, indefinido. Com base nisto dizemos que o universo era primariamente um ponto de “densidade infinita”. O que se pretende dizer aqui é que, apesar de termos raciocínios poderosos para a tentativa de compreensão dos objetos, de tornar a ciência dos mesmos sólida e verdadeira, em muitos casos esta ferramenta acaba por não servir plenamente e acabamos por precisar de algo mais para a compreensão dos objetos. Faltaria algo que desse a chance de especulação sobre tais objetos. Um exemplo da diferença entre a matemática e a física - de como a matemática é um raciocínio que usamos como ferramenta para tentar adentrar nos objetos - foi o que Lorentz disse ao refazer alguns cálculos de Galileu que diziam a respeito da velocidade relativa dos corpos: “Os cálculos estão certos, mas, não faço a mínima idéia do que estes querem dizer. Isto é matemática, enquanto matemática está certo.” Isso lembra muito o seguinte trecho do texto de Gerard Lebrun: “Se alguém, dizia Hume, pudesse abstrair tudo o que sabe ou viu, seria completamente incapaz, consultando apenas suas próprias idéias, de determinar que espécie de espetáculo o universo deve ser...” (Lebrun, Gerard. ‘Hume e a astúcia de Kant’. p. 12). Se pensarmos nas ciências a priori, nunca iremos chegar a conhecimento algum sobre o que é nosso meio, porém, o conhecimento delas, no plano delas, é exato e, portanto, são válidas independentemente de qualquer experiência. Todavia, estas são incapazes de nos dar a luz necessária ao esclarecimento de dada questão apenas por si mesma. Para tanto é necessário que haja um forte elo entre uma coisa e outra e que, sem ele, tudo tornar-se-ia uma questão de crença ou superstição. Este elo, ao menos no plano sensível, é o da causalidade, afirma Kant. Desta forma o ingresso para as coisas parece tornar-se mais acessível e este acesso se daria de modo especulativo - o que parece salvar a metafísica - e certamente dá um novo horizonte para a compreensão de dado objeto. Se, por um lado, Lorentz, ao consultar apenas suas idéias para tentar compreender o meio, ou seja, apenas consultar a matemática, não chegou a alguma conclusão acerca do nosso meio empírico, Einstein, por outro lado, ao interpretar dadas ocorrências dispostas no meio empírico de modo certamente especulativo e, ao relacioná-las com as conclusões de Lorentz, criou a teoria da relatividade.

sábado, setembro 02, 2006

Postulados da razão pura prática


Curso Introdução ao pensamento de Kant
Profª. Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do encontro de 19 de agosto de 2006
Por Espinosa

No encontro de 19 de agosto de 2006, foram discutidos os seguintes pontos:
1. Leitura e discussão do relatório do encontro de 15 de julho de 2006, elaborado por Carlos Nadalim.
2. Digressão sobre como ler textos filosóficos
3. Esclarecimento sobre dúvida do último encontro acerca da relação entre transcendental e experiência
4. Esclarecimentos gerais sobre o papel das idéias de Deus, alma e liberdade na filosofia kantiana.

■ 1) Foram feitas algumas observações corretivas ao relatório. Estas observações foram pontuais. Foi salientado pela professora Marília a excelente qualidade do texto redigido por Carlos Nadalim.
■ 2) Argumentou-se que devemos ler os autores de filosofia como se eles estivessem querendo dizer o que disseram. Apenas quando esse método de leitura não prosperar, estamos autorizados a recorrer a interpretações que levem em conta elementos subjacentes ao que o texto registra. Um autor como Kant permite tranqüilamente que pratiquemos, em geral, a leitura de suas obras supondo que o que ele escreveu era o que ele queria de fato dizer. Autores que se servem, por exemplo, de alegorias e ironias com freqüência devem ser lidos com mais cuidado, talvez se justificando, nesse caso, o recurso a uma interpretação que não se prenda apenas ao que o texto diz. Destacam-se, entre esses autores, Platão e Hume.
■ 3) Na CRP Kant afirma:
Denomino transcendental todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori (CRP B 25. Tradução Valério Rohden. Os Pensadores. 1980).
Assim, pode-se dizer que a experiência tem como apoio metafísico o transcendental (o termo metafísico é usado aqui no seu sentido crítico, não dogmático ou tradicional). Não há experiência sem princípios do entendimento e formas puras da intuição. Vale citar uma ilustrativa passagem dos Prolegômenos:
A palavra transcendental [...] não significa o que ultrapassa a experiência, mas o que a precede (a priori), para mais nada determinado a não ser tornar possível o conhecimento da experiência. Quando tais conceitos ultrapassam a experiência, então seu uso é transcendente, distinto do imanente, isto é, o uso limitado à experiência” (Proleg. p. 93, n. 31. Tradução de Tânia Maria Bernkopf. Os Pensadores, 1980).
■ 4) Antes de esclarecer o papel das idéia de Deus, alma e liberdade, foi assinalado preliminarmente que é um equívoco pensar que as três críticas de Kant respondem, respectivamente, aos problemas do conhecimento, moralidade e estética. É um erro, pois a CRP não trata apenas do conhecimento e CFJ não trata apenas da estética. Argumentou-se que as três idéias dizem respeito aos postulados da razão pura prática e, em especial, Deus e imortalidade da alma funcionam como requisitos conceituais para se pensar no conceito de sumo bem, que é a conjunção necessária entre virtude e felicidade. Essa tese é questionável e alguns problemas foram levantados. Como podemos pensar em felicidade para um ser não sensível, como se supõe devam ser as almas? Deus e alma não funcionariam, no fundo, como móbiles da ação, tendo em vista o desejo de felicidade acalentado por todos os seres humanos? Sobre esse segundo problema foi citada uma passagem da CRP B 841-42 em que Kant parece de fato sucumbir a uma moral heterônoma. Vale citar a passagem.
É necessário que todo o curso de nossa vida seja subordinado a máximas morais; por outro lado, é simultaneamente impossível que isto aconteça se a razão não conectar com a lei moral, a qual é uma simples idéia, uma causa eficiente que determine ao comportamento conforme àquela lei um êxito exatamente correspondente aos nossos fins supremos, seja nesta vida, seja numa outra. Portanto, sem um Deus e sem um mundo por ora invisível para nós, porém esperado, as magníficas idéias da moralidade são, é certo, objetos de aprovação e admiração, mas não molas propulsoras (aber nicht Triebfedern) de propósitos e de ações, pois não preenchem integralmente o fim que é natural a cada ente racional e que é determinado a priori, e tornado necessário, por aquela mesma razão pura (CRP B 840-841. Tradução Valério Rohden. Os Pensadores. 1980).
Foi alertado, porém, que esse ponto de vista foi abandonado por Kant na Fundamentação com a tese da autonomia da vontade. Para o Kant da moral autenticamente crítica – que parece não ser o caso do Cânon da CRP – a lei moral não é apenas o princípio de conhecimento, mas também princípio de execução, isto é, móbil das ações morais. Sublinhe-se que a lei moral é o único e suficiente móbil da ação moral.
Com respeito à primeira questão, isto é, como pensar em felicidade – que é um componente do sumo bem – para seres não físicos, como se presume devem ser as almas, o grupo não chegou a nenhuma conclusão positiva. Pareceu a todos que Kant deveria ter se explicado melhor.

sexta-feira, agosto 18, 2006

A rainha metafísica

O texto abaixo consite em anotações feitas durante as aulas do Curso de Introdução ao pensamento de Kant.
Relatório do encontro de 17 de junho de 2006.
Profª. Marília Côrtes de Ferraz.
Por Carlos F. de Paula Nadalim
(obs: Os relatórios não obedecem necessariamente uma ordem seqüencial das aulas).

Retomando as discussões realizadas na aula precedente, continuamos nossas análises sobre o parágrafo 4 do prefácio A da Crítica da Razão Pura. Anteriormente, vimos o abalo denunciado por Kant, que a senhora das ciências – a Metafísica - recebera através dos ataques desferidos principalmente por Hume. Ora, se as percepções dos sentidos captam impressões sensíveis, e as transformam em idéias, a chamada “Metafísica” teria seu nascedouro nas constatações empíricas. Ou seja, seriam apenas cópias de impressões, sem um referencial exterior a elas. Estas impressões, para Hume, transformadas em idéias pela mente, não possuiriam outra origem senão das próprias impressões sensíveis. Logo, a validez da metafísica, partindo de tais pressupostos, encontrar-se-ia em maus lençóis pelo fato de ter suas bases epistemológicas colocadas em xeque.
As dúvidas levantadas sobre o texto pairaram sobre o seguinte trecho:
“Embora essa suposta rainha tivesse um nascimento vulgar, derivasse da experiência comum e, por isso, com justiça, a sua origem tornasse suspeitas as suas exigências, aconteceu, no entanto, que esta genealogia tinha sido imaginada falsamente e, assim, a metafísica continuou a afirmar as suas pretensões; pelo que de novo tudo caiu no dogmatismo arcaico e carcomido e, finalmente, no desprestígio a que se tinha querido subtrair a ciência. Agora, depois de serem tentados todos os caminhos (ao que se vê) em vão, reina o enfado e um indiferentismo, que engendram o caos e a noite nas ciências, mas também, ao mesmo tempo, são origem, ou pelo menos prelúdio, de uma próxima transformação e de uma renovação dessas ciências...” (CRP A IX-X).
Kant estaria se referindo a quais ciências? Seriam as ciências denominadas metafísicas? Ou as chamadas empíricas? Ou ainda àquelas a priori como a matemática, e a física pura? No parágrafo terceiro, encontramos uma possibilidade de resolução do problema. O mesmo nos ensina: “Houve um tempo em que esta ciência (a metafísica) era chamada rainha de todas as outras...” (CRP A VIII). Num primeiro momento, teríamos a tendência de contrapor, pela leitura do texto em tela, a ciência (metafísica) de um lado e as demais ciências (empíricas) do outro. Contudo, tal solução aparenta-se precipitada ao constatarmos, no parágrafo VI da introdução da Crítica da Razão Pura afirmações obscuras sobre tal diferenciação categórica. Se considerarmos a razão pura como aquela onde se encontram proposições metafísicas, independentemente da experiência, as ciências empíricas estariam dentro de tal classificação. Nelas, encontraríamos, segundo Kant, princípios a priori e a posteriori. Assim, a meu ver, parece que as ciências possuem princípios metafísicos por excelência para Kant, pois se encontram permeadas daquilo que Hume não havia percebido, a saber, juízos sintéticos a priori.
O segundo ponto levantado encontra-se no início do quinto parágrafo. A discussão se fundamenta na idéia de que aqueles indiferentes quanto às questões da razão seriam indiferentes a si mesmos, tendo em vista a existência do sujeito se pautar justamente nela. Logo, ao ser indiferente às questões suscitadas pela razão, mesmo adotando uma linguagem menos rigorosa para isso, o indiferentismo acaba sendo não-indiferente, na medida em que tais representações, afirmativas ou negativas sobre a importância de tais questões, acabam sendo questões sobre a questão da razão em si.

domingo, julho 16, 2006

Liberdade e determinismo I

Por Nicolas Piocoppi

Os dois textos a seguir são observações elaboradas a partir do encontro do Grupo de Estudos sobre Kant, coordenado pela professora Marília Côrtes de Ferraz, ocorrido em 25/06/2006.

O tema “liberdade” que foi discutido no último estudo pode ser também entendido como uma relação de causa e efeito quando se pensa na liberdade de vontade e na liberdade da ação. Para a liberdade da vontade pensa-se, obviamente, em uma vontade livre de qualquer “determinação” anterior a seu surgimento – da vontade – o que é certamente complicado de se pensar, pois nossos desejos estão entrelaçados com “n” determinações dispostas no meio externo. Parece, de fato, que o meio externo é verdadeiramente aquilo que “determina” a vontade. Se morássemos em um lugar de breves dimensões – o que não deixa de ser verdade – desde o nosso nascimento, e nunca conhecêssemos nada “diferente” do local, não teríamos vontade de ir aonde não conhecemos e se não conhecemos tal coisa poder-se-ia dizer que é como se tal coisa não existisse. Há também a problemática das leis da natureza que determinam nossas rotinas e nosso modo de viver e, além disso, também determinam o que somos hoje. Se você vai à loja de sapatos e, ao analisar cada modelo de sapato acaba por ficar em dúvida entre um e outro, e digamos que um seja de cor verde e o outro de cor branca, certamente a sua escolha será para aquele que “agrade mais a sua vista” – ou o bolso dependendo do caso – e esse “agradar” certamente é o que “gera a vontade” de levar tal produto. Porém, nossos gostos são determinados por “n” fatores, sejam os fatores sociais como a moda, sejam outros fatores tradicionais familiares. Quer dizer, até mesmo fatores genéticos imperam em nossos gostos - como os da cor, tamanho, forma ou cheiro de cada um.

Por outro lado, a liberdade é também uma questão metafísica; se admitíssemos a idéia de Deus, ou deuses, fatalmente nos perguntaríamos se Deus conhece o futuro – como Santo Agostinho em seu tempo se perguntou. Se admitirmos que sim, teremos de arcar com a problemática de que toda ação e toda liberdade que se comete é já pré-destinada a ocorrer e, dessa forma, o livre-arbítrio tornar-se-ia apenas uma expressão alegórica encontrada nos livros religiosos. Se perguntarmos se Deus conhece o futuro e encontrarmos nas escrituras uma resposta para tal questão, se a resposta for positiva, talvez devêssemos perguntar: qual é a validade de toda a história nela contida? Pois certamente poderíamos considerar todas as ações e discursos proferidos no determinado livro, vazios e sem sentido.

sábado, julho 15, 2006

Conhecimento em Hume e Kant

Por Nicolas Piocoppi

O texto a seguir consiste em observações elaboradas a partir do encontro do Grupo de Estudos sobre Kant, coordenado pela professora Marília Cortes de Ferraz, ocorrido em 25/06/2006.

Podemos afirmar que, quando pensamos nos conceitos “causa e efeito”, nossa mente cria um certo círculo vicioso de modo quase imperceptível. Para todo efeito existe uma causa e toda causa gera um efeito ─ o que significa que ambos os termos estão intimamente ligados um com outro. Porém qual seria esta ligação? Fatalmente Hume perguntaria ao sujeito quando este afirmasse a idéia da causa sobre o efeito observado. No exemplo da bola de bilhar Hume pergunta se a noção de impulso já está contida no simples movimentar da bola de bilhar sobre a mesa, e se dissermos que sim, que já está, fatalmente caberia indagar o que é que nos leva a afirmar tal coisa. Responder-se-ia, talvez: “ora a bola de bilhar precisa de um impulso para que possa se movimentar”, todavia esquece-se da possibilidade da mesa estar “torta” e haver uma certa inclinação de tantos graus de modo que cause o “movimentar da bola” ou, ainda, como disse Lebrun no texto “Hume e a astúcia de Kant”; “você poderá, vencido pelo cansaço, invocar a sua experiência passada e a de todos os homens” para justificar a idéia de impulso sobre a bola. Do mesmo modo pergunta-se se a cena que descreve uma explosão de uma casa contém já a idéia de bomba ou atentado. Hume diz que não, pois há tantas possibilidades de explosão quanto se pode imaginar e a de bomba é apenas uma delas. Desta forma, como é notório, a ciência em geral é praticamente reduzida à mera crença, pois trabalharia com as mesmas afirmações e o que diferenciaria uma simples crença de uma “crença científica” é que a ciência iria testar mais vezes o mesmo objeto antes de atribuir tal crença.
Kant ao descrever a idéia de um conhecimento sintético a priori parece retirar a ciência destes “maus lençóis” a que o ceticismo humeano a havia colocado e, portanto, perguntar-se-ia; é possível determinar a priori uma ligação de causa e efeito entre dois acontecimentos? Certamente que ao escrever um romance o sujeito que o escreve tem todo o conhecimento acerca das relações espaciais, cronológicas (condições físicas do ambiente em geral), psicológicas, etc, que as respectivas personagens da trama toda possuem. Deste modo qualquer relação de causa e efeito dita por este escritor sobre o romance tem completa valia, pois é ele quem determina todos os acontecimentos no mesmo. De forma análoga eu posso afirmar que um certo número “y” é igual a outro número “p” mais outro número “f” multiplicado por “x” e desta forma eu obtenho uma função simplória do primeiro grau de forma “y = p+ f.x”. A partir deste momento que estabeleço regras para a obtenção de y eu indico as relações necessárias para que se obtenha o mesmo – que nesse caso depende das incógnitas “f”, “x” e “p”. Como é uma função simples de uma única variável apenas, portanto, uma das três incógnitas citadas poderá ser entendida como sendo uma variável. Supõe-se que x seja a variável; “y” imediatamente torna-se uma “função” dessa variável x. Portanto, qualquer valor futuro de “x” acarretará imediatamente um efeito que neste caso será o de “dar valor a y”.
Deste modo, parece ser completamente possível que exista uma “ligação” entre “idéias” oriundas das observações acerca de dado objeto e assim é possível conhecer, por exemplo, a intensidade e dimensões de um campo elétrico, ou gravitacional ou eletromagnético a agir em determinado meio por simples questões de “causa e efeito” que têm a ver com as propriedades dos objetos que estejam a ser estudados.

segunda-feira, junho 05, 2006

Curso sobre Kant

Segue o programa do curso sobre Kant para graduandos e pós-graduandos da UEL. O curso está aberto para interessados.

Curso sobre Kant 
Por Marília Côrtes de Ferraz 
Mestre em Filosofia pela UNICAMP

1. PROGRAMA
1.1. Introdução ao pensamento de Kant Análise dos prefácios A e B da Crítica da Razão Pura (CRP) 1.2. A distinção entre conhecimento empírico e a priori Análise da Introdução da CRP (seções I-III) 1.3. Juízos sintéticos a priori. Análise da Introdução da CRP (seções IV-VII) 
1.4. A terceira antinomia da Crítica da Razão Pura. Dialética transcendental. Antinomia da razão pura. Terceiro conflito das idéias transcendentais 
1.5. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Boa vontade. Dever. Imperativos em geral. Imperativo categórico. Liberdade.

2. CRONOGRAMA (HIPOTÉTICO)

* encontros semanais Junho 2006: 
  1. Introdução ao pensamento de Kant, Julho 2006: 
  2. A distinção entre conhecimento empírico e a priori, Agosto 2006: 
  3. Juízos sintéticos a priori, Setembro 2006: 
  4. A terceira antinomia da CRP, Outubro 2006: 
  5. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Novembro 2006: 
  6. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Fevereiro 2007: 
  7. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Março 2007: 
  8. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Abril 2007: 
  9. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Maio 2007: 



3. BIBLIOGRAFIA

ALQUIÉ, Ferdinand (s/d): La morale de Kant. Centre de Documentations Universitaire, Place de la Sorbonne Paris V. 
BECK, Lewis White (1966): A Commentary on Kant’s Critique of pratical reason. Chicago: The University of Chicago Press. 
ESTEVES, J C Ramos (2000): “Kant tinha de compatibilizar natureza e liberdade no interior da filosofia crítica? Studia kantiana 2 (1): 53-70. 
HÖFFE, Otfried (1993): Introduction à la philosophie pratique de Kant. La morale, le droit e la religion. Tradução de Francois Rüegg e Stéphane Gillioz. Paris: Vrin. 
KANT, Immanuel. (FMC): Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo, Abril Cultural, 1980. 
KANT, Immanuel (CRP): Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1994.