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segunda-feira, outubro 29, 2012

Adeus à racionalidade

Há alguns anos publiquei num post intitulado Operações do Universo Mental uma passagem da obra de Hume, intitulada Investigação sobre o Entendimento Humano, na qual ele chama a atenção para os poderes e limites do pensamento humano. Vou repetir o que escrevi ali para alcançar o ponto que me interessa aqui.


Diz Hume: “Nada, à primeira vista, pode parecer mais ilimitado que o pensamento humano, que não apenas escapa a todo poder e autoridade dos homens, mas está livre até mesmo dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar as mais incongruentes formas e aparências não custa à imaginação mais esforço do que conceber os objetos mais naturais e familiares. E enquanto o corpo está confinado a um único planeta, sobre o qual rasteja com dor e dificuldade, o pensamento pode instantaneamente transportar-nos às mais distantes regiões do universo, ou mesmo para além do universo, até o caos desmedido onde se supõe que a natureza jaz em total confusão. Aquilo que nunca foi visto, ou de que nunca se ouviu falar, pode ainda assim ser concebido; e nada há que esteja fora do alcance do pensamento, exceto aquilo que implica uma absoluta contradição” (IEH 2 § 4: 25).


Creio que essa passagem pode ser explicada do seguinte modo: nossa mente, “constituída unicamente de percepções sucessivas” (TNH 1.4.6.4), tem em seu aparato cognitivo duas faculdades fundamentais: a da imaginação e a da memória. Com elas, a mente opera da seguinte forma: copia as ideias fornecidas pelos sentidos, armazena-as na memória - que funciona como um arquivo de dados (que se oferecem à mente), no caso aqui, como um arquivo de ideias. Daí a faculdade da imaginação serve-se dessas ideias armazenadas (e também daquelas que a mente constantemente copia das impressões e sensações), estabelecendo certas relações que, num jogo de reflexões e/ou associações, mistura, combina, separa, divide, transpõe, reduz ou estende essas ideias que, por sua vez, dão origem a novas impressões e ideias. Assim, mas evidentemente não de maneira tão simples, Hume nos mostra como a mente opera na aquisição do conhecimento das coisas e do mundo e, ainda, como ela ultrapassa “os limites da natureza e realidade” criando deuses, formando monstros e, se se quiser, as mais diversas barbaridades.

Pois bem, chamo agora a atenção para a afirmação de que não existe “nada que esteja fora do alcance do pensamento, exceto aquilo que implica uma absoluta contradição” (IEH 2 § 4: 25). Ora, como assim? O que é que implica absoluta contradição e que, por isso, está irremediável e decididamente fora do pensamento humano? Um exemplo esclarecedor (sarcástico e muito bem humorado) pode ser encontrado num livro sui generis intitulado: O porco filósofo: 100 experiências de pensamento para a vida cotidiana. A experiência de pensamento que vem aqui ao encontro dessa passagem é um diálogo entre Deus e um filósofo, cujo título é O círculo quadrado. Vamos lá:


“E Deus falou para o filósofo:
- Eu sou o Senhor teu deus, e sou Todo-poderoso. Não há coisa alguma que você possa dizer que não possa ser feita. É fácil!
E o filósofo falou para o Senhor:
- OK, oh, poderoso. Transforme tudo que é azul em vermelho e tudo o que é vermelho em azul.
O Senhor disse:
- Que se faça a inversão de cores! - E a inversão de cores foi feita, deixando completamente confusos os porta-bandeiras da Polônia e de São Marino.
Então o filósofo falou ao Senhor:
- Se quer me impressionar, faça um círculo quadrado.
E o Senhor falou:
- Faça-se um círculo quadrado. - E foi feito.
Mas o filósofo protestou.
- Isso não é um círculo quadrado, isso é um quadrado.
O Senhor ficou com raiva.
- Se eu digo que é um círculo, é um círculo. Cuidado com essa sua impertinência, ou posso parti-lo em pedacinhos.
Mas o filósofo insistiu.
- Eu não pedi para mudar o significado da palavra ‘círculo’ só para que ela passasse a significar ‘quadrado’. Eu queria um verdadeiro círculo quadrado. Admita... isso é algo que não pode fazer.
O Senhor pensou um pouco, então resolveu responder lançando sua vingança poderosa sobre a cabeça do filósofo metido a esperto” (Baggini: 2006: 77).

Conforme explica o autor desse diálogo zombeteiro (e que, para alguns, certamente soará profano), “o problema com coisas como círculos quadrados é que são logicamente impossíveis. Como um círculo é por definição uma forma de um lado, e o quadrado de quatro, e uma forma de quatro lados e de um lado é uma contradição de base [eu diria contradição nos/dos ou em termos], então um círculo quadrado é uma contradição de base e é impossível em todos os mundos possíveis. A racionalidade exige isso. Então, se quisermos dizer que a onipotência de Deus significa que ele pode criar formas como quadrados redondos”, teremos necessariamente de dar “adeus à racionalidade” (Baggini: 2006: 78).

Referências das obras aqui citadas:
HUME. Uma Investigação Sobre o Entendimento Humano (IEH). Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Unesp, 1999. HUME. Tratado da Natureza Humana (TNH). Tradução de Déborah Danowski. São Paulo: Unesp, 2001. BAGGINI, Julian. O porco filósofo: 100 experiências de pensamento para a vida cotidiana. Tradução de Edmundo Barreiros. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006. CHAGALL, Marc. Il cantico dei cantici IV (1958).

segunda-feira, junho 05, 2006

Curso sobre Kant

Segue o programa do curso sobre Kant para graduandos e pós-graduandos da UEL. O curso está aberto para interessados.

Curso sobre Kant 
Por Marília Côrtes de Ferraz 
Mestre em Filosofia pela UNICAMP

1. PROGRAMA
1.1. Introdução ao pensamento de Kant Análise dos prefácios A e B da Crítica da Razão Pura (CRP) 1.2. A distinção entre conhecimento empírico e a priori Análise da Introdução da CRP (seções I-III) 1.3. Juízos sintéticos a priori. Análise da Introdução da CRP (seções IV-VII) 
1.4. A terceira antinomia da Crítica da Razão Pura. Dialética transcendental. Antinomia da razão pura. Terceiro conflito das idéias transcendentais 
1.5. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Boa vontade. Dever. Imperativos em geral. Imperativo categórico. Liberdade.

2. CRONOGRAMA (HIPOTÉTICO)

* encontros semanais Junho 2006: 
  1. Introdução ao pensamento de Kant, Julho 2006: 
  2. A distinção entre conhecimento empírico e a priori, Agosto 2006: 
  3. Juízos sintéticos a priori, Setembro 2006: 
  4. A terceira antinomia da CRP, Outubro 2006: 
  5. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Novembro 2006: 
  6. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Fevereiro 2007: 
  7. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Março 2007: 
  8. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Abril 2007: 
  9. Análise da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Maio 2007: 



3. BIBLIOGRAFIA

ALQUIÉ, Ferdinand (s/d): La morale de Kant. Centre de Documentations Universitaire, Place de la Sorbonne Paris V. 
BECK, Lewis White (1966): A Commentary on Kant’s Critique of pratical reason. Chicago: The University of Chicago Press. 
ESTEVES, J C Ramos (2000): “Kant tinha de compatibilizar natureza e liberdade no interior da filosofia crítica? Studia kantiana 2 (1): 53-70. 
HÖFFE, Otfried (1993): Introduction à la philosophie pratique de Kant. La morale, le droit e la religion. Tradução de Francois Rüegg e Stéphane Gillioz. Paris: Vrin. 
KANT, Immanuel. (FMC): Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo, Abril Cultural, 1980. 
KANT, Immanuel (CRP): Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1994.