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terça-feira, dezembro 26, 2017

Resting


by Santiago Carbonell


"Deitava o corpo como em uma pintura clássica, de modo a acentuar os tremendos altos e baixos das curvas. Deitava-se de lado com a cabeça repousando no braço, a carne de tonalidades acobreadas distendendo-se de vez em quando, como se padecendo sob a dilatação erótica de carícias feitas por uma mão invisível."

[ Anaïs Nin | Delta deVênus | Tradução de Lúcia Brito | Porto Alegre | L&PM Pocket | p.192 ]

domingo, julho 03, 2016

Entorpecida


"Foi no teatro que conheci John e descobri o poder de uma voz. Ela fluiu para mim como notas de órgão, fazendo-me vibrar. Quando ele repetiu meu nome e errou a pronúncia, soou como uma carícia. Era a voz mais grave e encorpada que eu já tinha ouvido. [...] Ele seguiu falando, olhando para mim, mas eu não estava ouvindo. [...] Cada vez que ele falava, eu me sentia caindo em uma espiral vertiginosa, caindo nas malhas de uma voz maravilhosa. Era uma verdadeira droga."

[Nin, Anaïs | Delta de Vênus | p. 68-69]

domingo, abril 24, 2016

Por sua causa


"Minha esquiva e linda Elena, estou em Paris de novo, por sua causa. Não pude esquecê-la. Tentei. Ao se dar por inteira, você também me tomou inteira e completamente. Você vai me ver? Você não recuou e se retraiu além de meu alcance para sempre? Eu mereço, mas não faça isso comigo, você estará assassinando um amor profundo, aprofundado pela luta dele contra você. Estou em Paris..."

[Anaïs Nin. Delta de Vênus, p. 128]



quarta-feira, março 23, 2016

Le merveilleux




"Cada viagem despertava nela a mesma curiosidade e esperança que se sente antes da cortina se abrir no teatro, a mesma ansiedade e expectativa alvoroçantes. 
[...] 

Seus anseios eram vagos e poéticos. Se fosse brutalmente questionada sobre o que estava esperando, poderia ter respondido:
'Le merveilleux.'"

 

NIN, Anaïs. Delta de Vênus; histórias eróticas. Tradução de Lúcia Brito. - Porto Alegre: L&PM, 2015, p.107.

[photo by Paulo Nozolino]

sábado, outubro 03, 2015

O nada



Transcrevo abaixo um pequeno trecho de "Xadrez", conto de Stefen Zweig escrito em 1941. O conto narra a história de um campeão mundial de xadrez (Mirko Czentovic) que, numa viagem de navio para Buenos Aires, enfrenta Dr. B., austríaco em fuga do regime nazista. 

A história se desenrola de modo simplesmente genial. Bom, mas é claro que não basta ser um excelente jogador de xadrez para saber apreciar a beleza, profundidade, maestria, sofisticação e densidade de Zweig ao narrar, descrever e articular seus temas, ambientes, conflitos e personagens. 

Adianto que os outros dois contos contidos no livro (Medo e Amok) também são de tirar o fôlego, aliás, não li nada ainda de Zweig que não me tenha agarrado pelos cabelos. 

Well, o que a passagem abaixo tem a ver com o instigante embate enxadrístico que ocorre entre esses dois personagens vocês só poderão saber se estiverem dispostos a lê-lo. Garanto que não vão se arrepender. Take a look!  

“Um quarto próprio num hotel – isso não soa extremamente humano? Mas o senhor pode acreditar que não nos reservaram de modo algum um tratamento humano, e sim um método mais refinado... Pois a pressão com a qual pretendiam extrair de nós o ‘material’ necessário deveria funcionar de modo mais sutil do que por meio de surras brutais ou torturas físicas: por meio do isolamento mais requintado que se pode imaginar. Não nos fizeram nada – simplesmente nos puseram no completo nada, pois é sabido que não há coisa alguma sobre a Terra que exerça maior pressão sobre a alma humana do que o nada. À medida que cada um de nós era trancado num vácuo absoluto, num quarto hermeticamente isolado do mundo exterior, deveria ser criada a partir de dentro, e não a partir de fora ─ por meio de pancadas e do frio ─, aquela pressão que acabaria por abrir nossas bocas.

À primeira vista, o quarto que me fora reservado não parecia de modo algum desconfortável. Ele tinha uma porta, uma cama, uma poltrona, uma bacia e uma janela com grades. Contudo, a porta permanecia fechada dia e noite, sobre a mesa não havia nenhum livro, jornal, folha de papel ou lápis, e a janela dava para um muro; em torno de mim e mesmo em meu próprio corpo foi construído o nada absoluto. Haviam tirado de mim todos os objetos, o relógio, para que eu não soubesse que horas eram, o lápis, de modo que eu não pudesse escrever, a faca, a fim de que eu não pudesse cortar os pulsos; até mesmo a mais leve distração de um cigarro me foi proibida. ... eu nunca via um rosto humano, nunca ouvia uma voz humana; ... todos os sentidos ficavam de manhã até a noite sem receber o mínimo alimento, a pessoa permanecia irremediavelmente sozinha consigo mesma, com seu corpo e os quatro ou cinco objetos silenciosos, a mesa, a cama, a janela, a bacia.

Vivia-se como um escafandrista submerso no oceano escuro desse silêncio, e mesmo como um mergulhador já consciente de que o cabo de ligação com o mundo exterior está rompido e ele nunca mais será puxado para fora das profundezas. Não havia nada para fazer, nada para ouvir, nada para ver, por toda parte e incessantemente se encontrava em torno do nada, o vazio mais completo, sem tempo nem espaço. Eu andava para lá e para cá. E comigo passeavam os pensamentos, para lá e para cá, para lá e para cá, repetidamente. Mas mesmo pensamentos, por mais imateriais que pareçam, precisam de um ponto de apoio, senão eles começam a rodar no vazio, a girar sem sentido em torno de si mesmos; eles também não suportam o nada. Esperava-se por alguma coisa, da manhã até a noite, e nada acontecia. Esperava-se sempre, sempre. E nada acontecia. Eu esperava, esperava, esperava, pensava, pensava, pensava, até a cabeça doer. Nada acontecia. Eu continuava sozinho. Sozinho. Sozinho".

(ZWEIG, S. Xadrez. In: Medo & outras histórias. Tradução de Lya Luft e Pedro Süssekind. Porto Alegre. RS: L&PM, 2007, pp181-182).