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quarta-feira, novembro 20, 2019

Memória





Vozes-Mulheres 

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
    

[Conceição Evaristo | Poemas de recordação e outros movimentos | p. 10-11]




Esta é a Nayara. Minha aluna da UENP em duas disciplinas: história da filosofia moderna e tópicos especiais de filosofia moral. Foi ela quem leu, sob absoluto silêncio, este poema fodástico na abertura da XII Jornada de Debates: Encontros com a Filosofia: Mulheres na Filosofia, antes mesmo de um 'boa noite a todas / boa noite a todos'. Há dias pensei em publicá-lo. Achei que hoje, dia da Consciência Negra, por razões óbvias, seria um bom dia.


sexta-feira, maio 24, 2019

The true idea of the human mind





Nos dias 06 e 07 de junho/2019, terei o prazer de estar na UNICAMP, a convite do Prof. Dr. Daniel Omar Perez, para falar sobre a identidade e princípio de união que constitui uma pessoa, com base na formulação dada por Hume a este tema no Tratado da Natureza Humana.



Título I

I. Hume e a concepção de sujeito num teatro sem palco

(graduação: livro I)

[06/06/2019, 19 h, sala 05 do prédio da graduação do IFCH]


Título II


II. O papel das paixões na formação do sujeito em Hume

(pós-graduação: livro II)

[07/06/2019, 19 h, prédio da pós-graduação do IFCH]



Resumo: O tema da identidade pessoal tornou-se muito debatido na filosofia moderna e contemporânea a partir da controversa formulação dada por Hume no livro I do Tratado da Natureza Humana (1.4.6). Ali Hume rejeita a tese metafísica, defendida por alguns de seus antecessores e contemporâneos, segundo a qual existe um eu substancial, incorpóreo, contínuo e invariável ao longo do tempo, dotado de identidade e simplicidade perfeitas. Hume argumenta que a atribuição de uma identidade pessoal a um sujeito é produto de uma ficção, bem como de uma tendência natural da imaginação em conectar percepções na mente por meio de certos princípios associativos. Tendo em vista esclarecer o que a filosofia de Hume tem a dizer acerca da identidade do ‘eu ou pessoa’ a partir do pensamento e da imaginação (Livro I), e o que pode ser dito sobre ela a partir das paixões e do interesse próprio (Livro II), as aulas terão como objetivo uma exposição geral do tema por meio do exame de alguns elementos articuladores centrais de sua filosofia implicados neste tópico, tais como: percepções, impressões, ideias (e seus princípios de associação), imaginação, memória, crença, paixões e the true idea of the human mind.


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Art by Matthew Spiegelman


sexta-feira, setembro 08, 2017

Delírio de arquivística


Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei
Num delírio de arquivística
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos


Ana Cristina Cesar | 1952 - 1983 | in “Inéditos e Dispersos”




sexta-feira, maio 05, 2017

Onde não vive o adeus




"Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.

Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinquenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim

E me perdoa de ti a indiferença."


Hilda Hilst | Dez Chamamentos ao Amigo | Poema X | In: Obra Poética Reunida | 1950-1996 

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Operações do universo mental


"Nada, à primeira vista, pode parecer mais ilimitado que o pensamento humano, que não apenas escapa a todo poder e autoridade dos homens, mas está livre até mesmo dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar as mais incongruentes formas e aparências não custa à imaginação mais esforço do que conceber os objetos mais naturais e familiares. E enquanto o corpo está confinado a um único planeta, sobre o qual rasteja com dor e dificuldade, o pensamento pode instantaneamente transportar-nos às mais distantes regiões do universo, ou mesmo para além do universo, até o caos desmedido onde se supõe que a natureza jaz em total confusão”.


Este belo trecho do § 4 da seção II da IEH de Hume me faz pensar que, aqui, o próprio pensar, isto é, o modo como ele se exerce, é aqui objeto de pensamento e explicação. 

Segundo Hume, nossa mente, “constituída unicamente de percepções sucessivas” (TNH 1.4.6.4), tem em seu aparato cognitivo duas fundamentais faculdades: a da imaginação e a da memória. Com elas, a mente opera da seguinte forma: copia as idéias fornecidas pelos sentidos, armazena-as na memória - que funciona como um arquivo de dados (que se oferecem à mente), no caso aqui, como um arquivo de idéias. Daí a faculdade da imaginação serve-se dessas idéias armazenadas (e também daquelas que a mente constantemente copia das sensações), estabelecendo certas relações que, num jogo de reflexões e/ou associações, mistura, combina, separa, divide, transpõe, reduz ou estende essas idéias que, por sua vez, dão origem a novas impressões e idéias. Assim, mas evidentemente não de maneira tão simples, Hume nos mostra como a mente opera na aquisição do conhecimento das coisas e do mundo e, ainda, como ela ultrapassa “os limites da natureza e realidade” criando deuses, formando anjos, dragões, demônios, cavalos alados e, se se quiser, as mais diversas barbaridades.