Mostrando postagens com marcador viagens. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador viagens. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, maio 04, 2018

Voyages V


Meticulosos, após a meia-noite em clara geada,
Infrangíveis e solitários, suaves como moldados
Em conjunto numa só impiedosa lâmina branca –
Os estuários da baía pontilham os severos limites do céu.

– Como que friáveis ou claros demais para tocar!
As cordas de nosso sono tão rapidamente dispostas,
Já pendem, pontas rasgadas de estrelas relembradas.
Um só sorriso gelado sem rastros... Que palavras
Podem asfixiar esse surdo luar? Pois nós

Somos tragados. Agora nenhum grito, nenhuma espada
Pode comprimir ou desviar essa cunha das marés,
Retardar a tirania do luar, luar amado
E transformado... “Não existe

Nada assim no mundo”, dizes tu,
Sabendo que não posso tocar tua mão e olhar
Também naquela fresta ímpia do céu
Onde nada gira a não ser a areia faiscante.

– “E nunca entender plenamente!” Não,
Na frota de teus cabelos brilhantes nunca sonhei
Tal navio sem bandeira, uma pirataria dessas.

Mas agora
Aproxima tua cabeça, sozinha, alta em demasia.
Teus olhos já no ângulo da espuma que se afasta;
Tua respiração, selada por fantasmas que não conheço:
Aproxima tua cabeça e dorme a longa viagem para casa.


[ Hart Crane (1889-1932) | tradução de Denise Bottman ]


Hart Crane by Walker Evans
....................

Às vezes o facebook nos traz coisas muito boas. Não conhecia esse poema de Crane. Segundo a própria tradutora, de quem "roubei" o belo poema, Crane era um rapaz torturadíssimo que se matou aos trinta e dois anos. Seu amante mais amado era um marinheiro dinamarquês, Emil Opffer. Daí as referências ao mar, à despedida e à viagem (de Emil) de volta para casa.

Dei uma googlada e soube também que ele se suicidou saltando do navio que o levava a New York. 

Vinicius de Moraes dedica a ele um poema intitulado 'O poeta Hart Crane suicida-se no mar', acesso aqui a quem interessar possa.


quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Voar é para os pássaros


Chegamos em Montevideo. Antes disso, tortura aérea. Três decolagens. Três pousos. E algumas turbulências. Ai... como detesto voar dentro de uma máquina gigante, inflamável e falível (é assim que concebo um avião). Se eu soubesse que teria de voar, preferiria ter nascido  pássara!

De início, já detesto as instruções das aeromoças ou comissários de bordo, que dizem sempre sorrindo: "em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão. Puxem o elástico, coloquem a máscara 'assim' e respirem normalmente". Ora bolas, indago indignada: quem pode respirar normalmente numa situação dessa?  E com aqueles sorrisinhos brancos, simpáticos e tranquilos, continuam eles: "em caso de pouso na água, usem o acento para flutuar... e blablablá".

PQP, dá vontade de mandá-los à M...! Num grito silencioso, imploro: calem a boca peloamordedeus! Não povoem a minha imaginação (que já é suficientemente fértil) com essas possibilidades. Afastem de mim esses cálices!

Well, um modo de amenizar meu sofrimento é, se possível, nunca me sentar próxima à janela. Assim posso evitar olhar pra fora, pois se vejo que o céu está carregado de nuvens escuras (que nunca me parecem passageiras), fico mais apavorada ainda. No primeiro voo, Londrina-São Paulo, tive pânico e tremedeira (ainda bem que minhas demais funções eu consigo controlar rs). Desta vez, como em muitas outras, cheguei (discretamente) a chorar...  de medo e de nervoso (sempre tenho medo e fico nervosa em qualquer voo, mas, em geral, e por pura necessidade, aprendi a ter um [in]certo controle). Comecei tomando calmantes e, aos poucos, fui encarando os voos "de cara", sem tarja preta nenhuma.

Em qualquer decolagem tenho a sensação de que o avião não vai conseguir subir, ou, pior, que vai explodir: BUUUMMM... e tudo irá pelos ares (e por terra abaixo)! Não suporto qualquer movimento, qualquer balancinho, qualquer barulhinho diferente, seja no motor do avião, seja no recolher ou acionar do trem de pouso. Odeio quando o avião se inclina nas curvas. Tenho a impressão de que ele vai despencar. E a cada vez que ouço o sinal que indica que alguém vai falar (o comandante ou qualquer tripulante), meu coração salta pela boca... e volta (ainda bem que volta!). Lá vem o BLIM-BLOM: "senhores passageiros..." imediatamente minha mente trágica imagina um aviso nefasto, do tipo: "o avião apresenta problemas, uma das turbinas pifou, a outra está pegando fogo, vamos ter de fazer um pouso de emergência, além de, antes, enfrentar uma tempestade com raios, ventos, trovões e furacões". Apertem os cintos!!! Socoooooorro...!!!

No segundo voo, São Paulo-Porto Alegre, resolvi tomar 1/4 de Rivotril, pois estava nervosa demais. Meu estado era de emergência. Eu era uma bomba-relógio, sem humor para brincadeiras e piadas. Mas, com o Rivotril, consegui cochilar e relaxar um pouco (apesar da eterna e constante sensação de insegurança e medo). 

No terceiro, de Porto-Alegre a Montevideo, mais 1/4 de Rivotril. Suspirei fundo, aliviada, quando o avião tocou o chão. Constatei que sobrevivemos! Porém (ahh... sempre tem um porém), em seguida, pensei: droga! teremos de voltar... e um voo é sempre periclitante, é sempre um voo no escuro (ao menos pra mim).  E de nada adianta tentarem me convencer de que o transporte aéreo é, estatisticamente comprovado, o mais seguro de todos. Não me ofereçam razões para acreditar nisso. Porque eu não acredito, infelizmente! Bem que eu gostaria... (ai de mim)!