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sexta-feira, dezembro 30, 2022

Tecido de horrores

"É impossível passar os olhos por qualquer jornal, de qualquer dia, mês ou ano, sem descobrir em todas as linhas os traços mais pavorosos da perversidade humana [...] Qualquer jornal, da primeira à última linha, nada mais é do que um tecido de horrores. Guerras, crimes, roubos, linchamentos, torturas, as façanhas malignas dos príncipes, das nações, de indivíduos particulares; uma orgia de atrocidade universal. E é com este aperitivo abominável que o homem civilizado diariamente rega o seu repasto matinal".

Charles Baudelaire apud Susan Sontag

In: Diante da Dor dos Outros


Art by Walter Crane | Pandora (1885)


sexta-feira, setembro 28, 2018

Help me



Trauma | by Cristina Otero 



Socorro, eu não estou sentindo nada.
Nem medo, nem calor, nem fogo,
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir.

Socorro, alguma alma, mesmo que penada,
Me empreste suas penas.
Já não sinto amor nem dor,
Já não sinto nada.

Socorro, alguém me dê um coração,
Que esse já não bate nem apanha.
Por favor, uma emoção pequena,
Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos,
Deve ter algum que sirva.

Socorro, alguma rua que me dê sentido,
Em qualquer cruzamento,
Acostamento, encruzilhada,
Socorro, eu já não sinto nada.


Alice Ruiz | Socorro | in: 50 Poemas de Revolta | São Paulo | Cia das Letras, 2017

quinta-feira, julho 19, 2018

quarta-feira, maio 30, 2018

Da imensidão do mar


Pena Líquida

Saudade,
dor de talento solitário,

sinonímia de banzo. Dor
de arrasto recolhida

ao leito das lembranças,
que nos condena à penitência

das aves sem voos,
de passos sem presença

e na esperança de retorno
do outro nos alinha.

Saudade é a pena líquida
que polimos quando

o objeto amado
de nós se distancia

em ausências sem esperas
ou em esperas sofridas.

[Marina Alice da Luz Ferreira]





Marina Alice foi, outrora, minha professora no curso de Comunicação Social da UEL (1982-1984). Coincidentemente, no dia em que minha primeira filha, Marina, nascia (1985), Marina Alice apareceu nos corredores da maternidade e presenciou-me andando e chorando um pouco as dores e o medo do parto que se aproximava. Um parto que se tornou cesária. Nunca me esqueci daquele dia, daquela cena, tampouco do abraço carinhoso de "boa hora" da Marina Alice. E jamais se esquece também do nascimento de uma filha.

Há não muito tempo soube pelo facebook (sim, o facebook é uma entidade falante) que Marina Alice escrevia poesias. Saquei melhor o porquê de ter sentido uma admiração e simpatia imediatas por ela. 

Marina tem poesia dentro dela
e mar... mar... 
mar...



O poema apareceu em minha timeline dedicado aos amigos queridos com as seguintes palavras:

"uma pausa do caos externo para pautar o que me vai na alma." 


sábado, março 10, 2018

Deslumbramento


É amor? Não sei. Esta intranquilidade,
Este gozo na dor, esta alegria
Triste que vem de manso e que me invade
A alma, enchendo-a e tornando-a mais vazia;

Este cansaço extremo, esta saudade
De uma cousa que falta à vida... O dia
Sem sol, as noites ermas, a ansiedade
Que exalta e a solidão que anestesia,

É amor. Egoísmo de sofrer sozinho,
De as penas esconder do humano açoite,
De transformar as pedras do caminho

Em carícias sutis para colhê-las
E andar como um sonâmbulo, na noite,
Escancarando os olhos às estrelas...

[ © Olegário Mariano |  In: Canto da minha terra ]


terça-feira, agosto 29, 2017

Dor


Esta, a lancinante, a companheira perpétua, dor, a amiga vitalícia – como funda e violentamente penetra, que é como se rasgasse, dentro aqui, é como se meticulosamente perfurasse, como se fendesse, dentro aqui, a veia mínima. Não a aorta ou carótida, mas a artéria ínfima, aquela que alimenta o centro do centro do centro do meu coração. E dói tanto, dói por ti, única e somente e infinitamente por ti.


texto | Ygor Raduy | in: Pequeno Manual de Coisas Absolutamente (Ir) Relevantes


domingo, junho 25, 2017

Canto do amor impossível


Meu amor impossível
eu sou, na dor que me avassala,
o transeunte solitário perdido na tormenta.

O vento ulula, a chuva açoita, o raio estala,
e não há uma porta amiga,
um cálido refúgio
que me acolha e aqueça,
que me distraia e console
do rigor da tormenta.

O único refúgio serias tu,
e tu estás para além da muralha intransponível
que marca os limites do possível.

[ Helena Kolody | Infinita Sinfonia | Inventa 2014 | p. 126 ]


quarta-feira, maio 17, 2017

Dia Internacional contra a Homofobia




"[...]  Mesmo coberto de lama, eu te louvarei; dos abismos mais profundos, clamarei por ti. Na minha solidão estarás comigo. [...] O que a sabedoria representa para o filósofo, o que Deus representa para o santo, tu és para mim. Manter-te na minha alma, tal é o objetivo dessa dor que os homens chamam de vida. Ó meu amor, que eu amo acima de todas as coisas, narciso branco no campo agreste, pensa na dura tarefa que te compete, tarefa que só o amor pode tornar mais leve. Mas não te entristeças por isso, antes sê feliz por ter enchido de amor imortal a alma de um homem que agora chora no inferno, mas leva o céu no coração. Eu te amo, eu te amo, meu coração é uma rosa que teu amor fez florescer, minha vida é deserto arejado pela brisa deliciosa do teu hálito e cujas fontes frescas são teus olhos; a marca de teus pezinhos cria vales de sombra para mim, o aroma de teus cabelos é como a mirra; por onde passas, exalas o perfume das acácias.

Ama-me sempre, ama-me sempre. Foste o amor supremo, o amor perfeito da minha vida; não pode haver outro.

[...] 

Ó mais doce dos meninos, mais amado dos amores, minha alma busca a tua, minha vida é tua vida e em todo o mundo de dor e prazer, és meu ideal de admiração e alegria." 

[ De Oscar Wilde para Lorde Alfred Douglas | 1895 ]


[ Cartas de amor de homens notáveis | Editado por Ursula Doyle | Tradução de Doralice Lima | Rio de Janeiro | BestSeller | 2010 | p.140-141 ]

segunda-feira, dezembro 12, 2016

Ah... essa dor





O Grito

Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse

se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
[...]

se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

se ao menos esta dor sangrasse


[Renata Pallottini 1931- ... | A faca e a pedra | 1961]

sexta-feira, março 25, 2016

Flutuações anímicas


O encontro havia sido marcado e o assunto anunciado. No exato momento em que ia tocar a campainha, a porta se abriu de repente. Olharam-se, de modo oblíquo, antes que um sorriso contido cintilasse involuntariamente em seus rostos. Ela entrou como um vulto. Sua alma adiantou-se ao corpo, tamanha a ansiedade. 

Com a respiração oprimida e o coração descompassado, passou em rápida revista a disposição daquela sala, cujos objetos lhe eram tão familiares. O pequeno sofá eternamente desconfortável. A enorme quantidade de livros, caixas e papéis espalhados pelo chão, mesa e prateleiras.  O móvel de bebidas destiladas. O abat-jour que não funcionava há tempos, assim como o velho aparelho de som igualmente inutilizado a ocupar o espaço, testemunhando, entre outras coisas, a longa história daquela união que constantemente desafiava o improvável. Notou a falta do belo tapete no qual, há mais de 15 anos, rolaram pela primeira vez. O lustre sobre a mesa que, sozinho, de vez em quando, bruxuleava rapidamente, e tantos outros objetos tão bem conhecidos, dentre os quais aqueles que evidenciavam a paixão dele pelo seu glorioso time de futebol.

Após sua alma retornar ao corpo, atravessou a sala como uma flecha. Não deu um beijo nele, um abraço, nada. Disse apenas oi. E sentou-se no sofá. Ele, por sua vez, puxou uma cadeira posicionando-se na diagonal. Sentindo-se incomodada, ela se virou de frente para ele e tirou os sapatos, colocando seus pequenos pés no pequeno e desconfortável sofá. 

Um silêncio opressor pesou sobre eles. Naquele instante, face to face, teve a mesma sensação de Humbert Humbert descrita por Nabokov em sua obra-prima Lolita: o pulso a marcar, num minuto, quarenta pulsações, no outro, cem.

Alguns meses antes, ela esteve madrugadas inteiras a escrever torrencialmente. Ao expressar suas flutuações anímicas diante dos sinais confusos que ele passara a transmitir após o primeiro reencontro, depois da última separação, os dedos crepitavam nos papéis. 

Replicadas à exaustão, propusera a si própria mil questões seguidas de mil respostas diferentes para cada uma. Ordenava-as, desordenava-as, reordenava-as, ruminando toda aquela parafernália de sentimentos, impressões e ideias que se sucediam em sua mente, na tentativa de concebê-las tão claras e distintas quanto as verdades matemáticas ─ uma tarefa inglória, por certo. De qualquer modo, era preciso começar a falar tudo que naquele momento estrangulava-lhe a garganta. Estava resoluta em não mais voltar. E era mister que fosse direta e reta. Porém, na imperiosa presença e argumentação dele, e diante de olhares tão íntimos, suas convicções se afrouxavam, suas dúvidas voltavam a lhe atormentar, e o espelho de sua mente, tantas vezes polido pela reflexão, embaçava novamente devolvendo-lhe a angústia da incompreensão.

Queria entender por que, afinal, ele resolvera quebrar o silêncio terminal que havia decretado três meses antes, depois de alguns reencontros e trocas de cartas que mais trouxeram dor do que propriamente alegria e prazer a ambos, dado o tempo dilatado de separação, no qual um havia aprendido a viver sem o outro, e em virtude do acúmulo de mágoas, rancores, remorsos e arrependimentos que passaram a habitar seus corações indelevelmente feridos? 

Após seis horas de conversas entremeadas por acusações recíprocas e alguns instantes sublimes, nos quais a intimidade e cumplicidade voltaram a reinar, chegaram à conclusão de que a questão não era mais se um havia aprendido a viver sem o outro, mas se a vida de ambos seria melhor, mais rica, prazerosa, promissora e feliz, com ou sem o outro.




quarta-feira, março 02, 2016

Se...


            Se partires, não me abraces – a falésia que se encosta
            uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
            e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

           Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
           das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
           mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
           porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
           a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces –

          o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
          [...] – longe de ti, o corpo não faz
          senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
          as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
          espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
          Se me abraçares, não partas.


[ Maria do Rosário Pedreira | O Canto do Vento nos Ciprestes | Gótica | 2007 ]

quarta-feira, novembro 28, 2012

Amor Fati

Outro dia, ao passar algumas horas a divagar entre prosas e poesias, dei de cara com um poema do poèt maudit Du Bocage, dirigido a uma de suas musas que, aliás, chama-se Marília. Mera coincidência, todos dirão! E eu, é claro, concordo com todos: isso não tem a menor importância. Interessa-me aqui o que o poema diz, e não a quem ele se dirige. Trata-se do famoso e controverso embate entre razão e paixão - um tema bastante caro aos filósofos e literatos.

O título do post, amor fati, refere-se à expressão latina "amor ao destino" ou "amor ao fado". Significa, de uma perspectiva nietzscheana, a aceitação integral do destino, mesmo em seus aspectos mais trágicos, cruéis e dolorosos. Eis o poema:

Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas;

Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.

É teu fim, seu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo.

Queres que fuja de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.



Há quem rejeite as fortes paixões em nome de uma alma tranquila e bem equilibrada. Essa é a receita de felicidade dos sábios ─ uma receita razoável (e sábia). De fato, quando a paixão chega às raias da loucura e do dilaceramento, tendemos a evocar as mais retas e sóbrias razões para extirpá-la.

Ora, mas como esperar que a reta razão tenha algum poder sobre nós se estamos subjugados aos movimentos violentos de nossas paixões? Ah... isso requer um lento, longo e doloroso exercício de persuasão e autocontrole. A dificuldade é: sob turbulentas paixões, somos naturalmente fracos e insensatos. O "murmúrio da razão se mostra vão", como diz o poèt maudit.

Subjugado, tal como um vassalo, à impiedosa lei do amor e da ternura, Bocage deprecia os mecanismos racionais e, num ato de temeridade blasfematória, esconjura a razão a calar sua ríspida voz. À mercê do amor e da amada, ele clama à razão deixá-lo apreciar sua loucura: prefere arrancar os cabelos e delirar... delirar... delirar... até se entregar, de uma vez por todas, à total consumação de si próprio. Bocage não quer maldizer Marília, não quer desdenhá-la, tampouco fugir dela. O que ele quer mesmo é "morrer por ela". E é culpado, dizem alguns, de escolher não resistir a seu amor fatal. Pobre Bocage, pobre Marília, pobre raça de efêmeros mortais!

[marília côrtes | novembro |2012]