quinta-feira, dezembro 20, 2007

Mental Block



Esta é a bela teia de aranha que se formou aqui enquanto permaneço com este mental block. Mas não se desesperem (rsrsrs quem vê pensa...), e não me abandonem, é passageiro!

sábado, outubro 13, 2007

Operações da Matéria e Ações da Mente: A Tese Humeana da Unidade Explicativa



Unioeste: Campus de Toledo: de 15/10/2007 a 19/10/2007

Resumo: Hume oferece na Investigação sobre o Entendimento Humano (IEH) e no Tratado da Natureza Humana (T) importantes reflexões que visam elucidar a controversa relação entre liberdade e necessidade — ou seja, em que sentido esses conceitos são compatíveis ou incompatíveis. Hume, em seu exame das noções de liberdade e necessidade anuncia introduzir novidades que prometem ao menos algum resultado na decisão dessa controvérsia. Ele propõe um “projeto de reconciliação (reconciling project)” que consiste em mostrar que liberdade e necessidade são perfeitamente compatíveis entre si, e que afirmar que as ações humanas são livres não é afirmar que estejam misteriosamente fora do âmbito da necessidade, mas apenas que se realizaram sem constrangimento. A chave para a reconciliação humeana verteria sobre o significado da palavra ‘necessidade’ em sua discussão sobre a necessidade causal - uma consideração que torna a causação das ações compatível com a liberdade. Do ponto de vista humeano, não é preciso, nem justificável, qualquer comprometimento ontológico com a existência de um poder causal nos objetos ou a adesão à velha metafísica das causas primeiras. A necessidade é uma idéia e, como tal, só pode ser encontrada na mente de quem observa as coisas e não nas próprias coisas. Segundo Hume, nada que possamos observar em um objeto ou evento anteriormente à experiência provê uma razão para esperarmos que algum tipo de efeito se siga necessariamente a outro. Percebemos tão-somente conjunções constantes entre aquilo que costumamos designar como causa e seu efeito e, através disso, percebemos que um evento segue-se regularmente a outro. Os princípios epistemológicos que fundamentam a teoria de conhecimento humeana, relativos às idéias de liberdade e necessidade, são os mesmos para ações dos corpos e ações da mente. Nesse sentido, há, na teoria de Hume, um monismo explicativo ou metodológico, ou, como se poderia dizer, um monismo epistemológico. Hume mostra que a partir da inferência das motivações para as ações voluntárias podemos explicar o conhecimento histórico, a política, o fundamento da moral e a crítica estética. É evidente que não escapa a Hume a impossibilidade de explicar todos os aspectos da vida humana. O que ele busca é uma estrutura geral dentro da qual essa tarefa pode ser feita. A ciência humeana do homem intenta explicar os diversos fenômenos da vida humana apelando a princípios gerais, tal como a teoria newtoniana proveu explicações de por que as coisas no mundo da natureza acontecem como acontecem. Pode-se dividir a disputa sobre a necessidade e liberdade em dois problemas: um de ordem epistemológica e outro de ordem moral. O epistemológico é se as ações humanas são, de fato, causalmente determinadas por condições antecedentes. O moral refere-se às implicações do determinismo para a moralidade em geral e, especialmente, para a responsabilidade moral. Nesta comunicação pretendo discutir as conseqüências epistemológicas do compatibilismo humeano.

domingo, julho 22, 2007

A filosofia e a morte


[ Natureza Morta com Livros | Fernando Botero ]

Este pequeno espaço do meu quarto, no qual durmo, sonho e estudo, guarda muitos assuntos. Vocês sabem, uma de minhas principais atividades é estudar filosofia. Ao pensar num desses assuntos para escrever neste blog (que aliás estava formando teias de aranha, de tanto tempo faz que não escrevo) resolvi folhear uma de minhas cadernetas de anotações. Ao folheá-las encontrei várias notas sobre diversos autores e temas. Leio várias observações sobre Hume. Continuo a folhear e dou de cara com alguns parágrafos que traduzi de um texto de Penelhum, depois de J. Bricke, Barry Stroud, Georges Dicker, enfim, leio uma variedade de pequenos comentários. Percebo que quase toda ela, ao menos esta caderneta que está agora em minhas mãos (tenho várias, e elas marcam sempre um período de estudos), consiste em anotações sobre Hume e seus comentadores, ou seja, comecei a escrever nesta por ocasião do meu mestrado. Folheio mais um pouco e encontro questões, dúvidas, termos desconhecidos, expressões estrangeiras, latim, grego, inglês, francês - quase chego a acreditar que sou erudita mesmo (e principalmente modesta rsrsrsr). Mas eu não sou nada disso, nem erudita e nem modesta hahaha. Mais algumas páginas e encontro já algumas observações sobre o meu doutorado, especialmente indicações bibliográficas que deverão ser consideradas. A cada página um cabedal de digressões, divagações e excursões que vão de Heráclito, Parmênides e Platão, a Agostinho, Tomás de Aquino, Descartes... Enfim, esse caderninho contém um pequeno diálogo sobre esse grande diálogo que é a história da filosofia: ele traz uma pluralidade de vozes, autores, teorias, pensamentos e opiniões.


Bom, como quem brinca de mamãe mandou escolher aquele ali, mas como eu sou teimosa escolho este daqui, penso em expor algumas notas que fiz sobre Epicuro. A que mais me chama a atenção neste momento diz respeito à morte. Pensar na morte é para mim, num certo sentido, pensar na vida, na minha vida, na vida dos outros e na vida em geral. E eu estou particularmente inspirada pelo mais recente e nefasto acontecimento do maior acidente, até então, da história da aviação brasileira. Fiquei a pensar se as palavras de Epicuro poderiam servir de consolo àqueles que no momento sofrem a trágica perda de seus entes queridos.

Diz Epicuro (341-270 a.C): “Habitua-te a pensar que a morte nada é para nós, visto que todo o mal e todo o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é a privação da sensibilidade" (Antologia de Textos, p.14). Quer dizer, a morte é simplesmente a dissolução do agregado corpóreo a que pertence a sensibilidade. Dessa perspectiva, a morte não existe para nós enquanto vivemos, assim como não existimos para ela quando surge, uma vez que já não existe sensibilidade ou capacidade de sofrimento.


Bom, certamente esse trecho, se não de maneira impossível, dificilmente contribuiria para amenizar a dor daqueles que sofrem a perda de pessoas queridas. Penso que essa passagem, se bem compreendida e experimentada, é capaz de tocar apenas o próprio espírito (talvez, apenas, de um espírito sobre-humano), e é apenas este, ao pensar na própria morte (e que para isso tem de estar vivo), que pode alcançar aquela imperturbabilidade de espírito (ataraxia) conquistada pelo domínio de si.

Ora, para Epicuro, a filosofia tem função terapêutica e deve libertar a alma (ou o espírito) das perturbações que a abalam. É o que se depreende da afirmação “Deves servir à filosofia para alcançar a verdadeira liberdade” (Antologia de Textos, p.13). Nesta obra encontramos também a seguinte declaração: “Assim como realmente a medicina em nada beneficia se não liberta dos males do corpo, assim também sucede com a filosofia se não liberta das paixões da alma” (p.13). Tais males e paixões que nos dominam têm suas origens naquilo que Epicuro chama de quatro erros ou falsas opiniões, a saber, o temor dos deuses, o medo da morte, o desejo ardente de prazeres e o pesar pelas dores. No caso daqueles que sofrem a morte de seus entes queridos é o pesar pelas dores da perda e a saudade que tristemente perturbam seus inconsoláveis espíritos.

quinta-feira, maio 24, 2007

Schopenhauer e o pessimismo


Numa de minhas postagens abaixo “A destruição do mundo ou um arranhão em meu dedo?”, usei a expressão punctum pruriens vista uma única vez no suplemento 17 (referência ao § 15) que Schopenhauer faz ao livro I do Mundo Como Vontade e Representação. Quando me servi dela prometi explicar depois o que significa. E aqui estou, depois de um longo e luminoso verão, para cumprir minha promessa.


Li essa expressão quando estudava a Teoria da Liberdade da Vontade de Schopenhauer – objeto do meu TCC. Ela me tocou sensivelmente porque, além da passagem em que a expressão se encontra ser extremamente bela, como eu não sou versada em latim, fiquei incomodada e curiosa para entendê-la. A expressão aparece na seguinte passagem:


"O espanto filosófico é, no fundo, uma estupefação dolorosa; a filosofia começa, como a abertura de Don Juan, por um acorde menor... É o mal moral, o sofrimento e a morte que conferem ao espanto filosófico sua qualidade e sua intensidade particulares; o punctum pruriens da metafísica, o problema que enche a humanidade de uma inquietude que nem o ceticismo nem o criticismo poderiam aplacar; consiste em se perguntar não somente por que o mundo existe, mas também por que ele é pleno de tantas misérias." (Schopenhauer apud Rosset | Schopenhauer, philosophe de l'absurd | p.18)

Este trecho se apresenta de uma profundidade abissal. Ele atinge o ponto nevrálgico do pessimismo schopenhaueriano. Como se sabe, para Schopenhauer, “o sentido mais próximo e imediato de nossa vida...” (PP, §148, 277) é o sofrimento. Trata-se do modo como ele concebe a existência, isto é, como uma dor infinita, um sofrimento inexorável. A felicidade, prazer ou bem-estar é avaliado pelo autor como ausência de sofrimento. Nesse sentido o fundamento destes é negativo, em oposição à positividade da dor. Para ele o sofrimento banha o mundo. A existência é falta, carência, desejo insaciável e necessidade. Quer dizer, prevalece a dor e o sofrimento. No § 65 do MVR, Schopenhauer diz: “Com efeito, o que é um sofrimento? Apenas uma vontade que não está satisfeita, e que está contrariada”.

Punctum pruriens significa ponto pruriente, de prurido mesmo. Aquele ponto que nos queima, seja pelo calor ou pelo frio. Vocês já ouviram falar de inferno gelado? Pois é, em geral quando pensamos em inferno, nos vemos logo ardendo em chamas. Mas o gelo também dói e queima, o que me faz lembrar a representação que os budistas fazem dos vários infernos, incluindo aí a idéia de um inferno gelado. Ou seja, punctum pruriens é aquele ponto que nos faz sentir comichão, que nos incomoda insuportavelmente, que nos faz desejar algo ardentemente, seja em alcançar ou possuir algo, seja em nos livrar de algo. Quando Schopenhauer diz que a filosofia começa, como a abertura de Don Juan, por um acorde menor (registre-se que na música o acorde menor é mais denso e dramático, o que indica uma certa tensão), penso que ele está a dizer que o despertar filosófico se dá quando nos deparamos com a dor infinita que é a existência. A afirmação de que o mal moral, o sofrimento e a morte são o punctum pruriens da metafísica (lembremos que o núcleo do sistema filosófico de Schopenhauer é a metafísica da vontade) corresponde, a meu ver, à tese de que a consciência trágica, oriunda da certeza ontológica que o homem tem da morte, mais a consideração da dor perpétua e da miséria da vida são o que dão o mais forte impulso ao pensamento filosófico e à explicação metafísica do mundo.

Agora, se estou ou não de acordo com esta concepção da existência seria matéria para um outro post


quarta-feira, abril 11, 2007

Artigo na Dissertatio (UFPel)



Segue abaixo artigo meu publicado na Revista Dissertatio de Filosofia da Universidade Federal de Pelotas [n.24]

O Compatibilismo em Hobbes
 

Resumo: De acordo com Hobbes, a liberdade deve ser entendida como ausência de impedimento ao movimento de um corpo qualquer. O autor de Of Liberty and Necessity acredita que todas as coisas que acontecem, incluindo toda ação humana, são efeitos necessários de causas antecedentes. Ele não reconhece a existência de uma vontade livre, embora admita que existam ações livres. Hobbes pensa, como compatibilista, que a liberdade da ação é consistente e compatível com a necessidade. Neste artigo faço uma análise dessa concepção.

Palavras-chave: compatibilismo, necessidade, liberdade, ação, responsabilidade moral

segunda-feira, abril 02, 2007

A destruição do mundo ou um arranhão em meu dedo?


Numa noite dessas recebi um telefonema do Aguinaldo dizendo que ao tentar trocar a lâmpada da cozinha cortou de maneira dramática seu dedo no lustre. É claro que o drama maior estava no modo como ele contava do que propriamente no corte. Ele tem o poder de deixar a gente sem saber qual é mesmo a verdade, se está a brincar e, se pudermos falar em graus de verdade, qual é esse grau. Fiquei um tanto desconcertada porque, a distância (e eu estava impossibilitada de ir até lá), não poderia fazer nada, a não ser dizer algumas palavras de conforto. Na manhã seguinte enviei-lhe um e-mail assim:
- Bom dia! Sarou o dedinho? Precisa de algo? Beijos!

E ele, com aquela sempre endiabrada mente filosófica, enviou-me a provocação que se segue:
- Oi. Segundo o grande filósofo escocês, "não é contrário à razão eu preferir a destruição do mundo inteiro a um arranhão em meu dedo" (T: 2. 3. 3). O que você acha? A mim, não convence. O meu dedo está bom. Beijo.

Aguinaldo sabia que eu conhecia essa passagem do Tratado da Natureza Humana de Hume. Ele sabia também que sua provocação atingiria meu punctum pruriens (explico depois o que isso significa), afinal, eu já havia me incomodado muito com essa passagem. Fui lá no Tratado conferir e apresentei-lhe a seguinte resposta como conclusão (passível de revisão, é claro!).

Caro Aguinaldo: a mim também não convence. E nem acho que Hume queira mesmo nos convencer disso. A meu ver, a afirmação é capciosa e serve de estratagema para corroborar sua tese de que as paixões, como móbiles das ações, têm primazia sobre a razão, ou seja, de que “a razão é, e deve ser, apenas a escrava das paixões, e não pode aspirar a outra função além de servir e obedecer a elas” (TNH: 2.3.3)

O que Hume está a dizer? Que a razão não se opõe à preferência da destruição do mundo e que é perfeitamente natural e legítimo optarmos por ela em vez de arranharmos um dedo? Ou que a perspectiva de virmos a sentir dor em conseqüência de um arranhão no dedo tem mais poder e influência sobre nós do que a perspectiva racional de preferir a destruição do mundo?

Ora, não vejo (e acredito que Hume também não vê) como a idéia de destruição do mundo possa envolver somente a razão. A meu ver essa perspectiva inevitavelmente envolve paixão, pois a destruição do mundo todo (ao menos para um ser humano) implica uma perspectiva de dor e, portanto, uma paixão - por certo muito maior do que a de um arranhão em meu dedo. Talvez essa afirmação possa valer para a alma de um egoísta facínora (ou seja, para a alma de um desalmado rsrsr, e o que é pior, completamente irracional, pois não posso compreender como alguém pode preferir a destruição do mundo sendo racional), mas não para a de um ser humano mortal e comum, dotado de razão e sensibilidade.

Ademais, se tomarmos ipses litteris a afirmação em pauta, sem levarmos em conta o que vem antes e o que vem depois, penso que as próprias explicações de Hume destruir-se-iam a si mesmas - e não acredito que Hume cometeria um deslize tão crasso como esse.

Veja só: ele diz que “... a razão, sozinha, não pode nunca ser motivo para uma ação da vontade...” (TNH: 2.3.3). Pois bem, como eu já disse, não me parece possível que só a razão intervenha na preferência da destruição do mundo todo. “E, em segundo lugar, que [a razão] nunca poderia se opor à paixão na direção da vontade” (TNH: 2.3.3).

Ora, ao preferirmos a destruição do mundo não é a vontade de destruí-lo que está a se exercer? Se não for assim, teríamos de dizer que a razão sozinha influenciou a preferência da ação de destruir o mundo. Como você pode ver, ela teria agido sozinha, completamente depurada de vontade, e como ele mesmo diz, “a razão sozinha não pode produzir nenhuma ação nem gerar uma volição e é igualmente incapaz de impedir uma volição ou de disputar nossa preferência com qualquer paixão ou emoção” (TNH: 2.3.3).

A bem da verdade, penso que o que Hume está a dizer quando afirma que “não é contrário à razão eu preferir a destruição do mundo inteiro a um arranhão em meu dedo”, ele está apenas querendo mostrar que é contrário à minha paixão preferir a destruição do mundo, ou seja, que a paixão de não destruí-lo tem de intervir com muito mais força sobre a perspectiva passional de um arranhão em meu dedo.

Um beijo!

sexta-feira, março 23, 2007

Fluxo e refluxo do politeísmo e monoteísmo


Na História Natural da Religião [1757] Hume trata todas as crenças religiosas como meros produtos da natureza humana. Nessa obra, Hume sustenta que a religião tem por base fatores psicológicos completamente independentes de um fundamento racional. Ao afirmar isso, Hume vai de encontro à tese segundo a qual as pessoas são levadas à crença religiosa pela contemplação racional do universo. Para Hume, as religiões populares têm origem nas paixões humanas mais primitivas e básicas, como por exemplo, nas paixões do medo e da esperança. Sendo assim, a origem das religiões populares não está, para Hume, numa tentativa de entendimento racional do universo, mas sim no medo de influências desconhecidas sobre a sociedade humana. Para demonstrar isso, Hume faz uma narrativa histórico-filosófica digna de nota. Conforme assinala Jaimir Conte (tradutor da obra), a perspectiva segundo a qual a crença é entendida como produto da natureza humana, “busca justamente as origens e causas que produzem o fenômeno da religião, seus efeitos sobre a vida e a conduta humanas e as variações cíclicas entre o politeísmo [considerado a ‘religião original dos homens’] e o monoteísmo”.


Bom, nada melhor do que dar voz ao próprio Hume para confirmar a propaganda gratuita que faço aqui de sua obra:

“Deve-se assinalar que os princípios religiosos sofrem uma espécie de fluxo e refluxo no espírito humano, e que os homens têm uma tendência natural de elevar-se da idolatria [que é o mesmo que politeísmo] para o monoteísmo, e recair de novo do monoteísmo para a idolatria. O vulgo, ou seja, na verdade todos os homens exceto uns poucos, por falta de conhecimento e de instrução, nunca levantam os olhos para o céu, nem investigam a estrutura oculta dos vegetais e dos corpos dos animais, a ponto de chegar a descobrir um espírito supremo ou uma providência originária que conferiu ordem a todas as partes da natureza. Eles observam essa obra admirável de um ponto de vista mais limitado e egoísta, e, descobrindo que sua própria felicidade e desgraça dependem de influências secretas e do concurso imprevisto dos objetos exteriores, examinam com atenção perpétua as causas desconhecidas, que, por meio de sua poderosa mas silenciosa operação, governam todos os fenômenos naturais e distribuem o prazer e a dor, o bem e o mal. Essas causas desconhecidas também são invocadas em todos os momentos difíceis; e essas formas gerais e imagens confusas constituem o objeto eterno de nossas esperanças e temores, de nossos desejos e apreensões. Pouco a pouco, a imaginação ativa dos homens, incomodada por essa concepção abstrata dos objetos, dos quais constantemente se ocupa, começa a torná-los mais precisos e a revesti-los com formas mais adequadas a sua compreensão natural. Ela os representa, então, como seres sensíveis e inteligentes, semelhantes às oferendas e às súplicas, às pregações e aos sacrifícios. Eis aqui a origem da religião e, conseqüentemente, da idolatria ou do politeísmo” (História Natural da Religião, seção 8, p.71-71-grifei).

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Operações do universo mental


"Nada, à primeira vista, pode parecer mais ilimitado que o pensamento humano, que não apenas escapa a todo poder e autoridade dos homens, mas está livre até mesmo dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar as mais incongruentes formas e aparências não custa à imaginação mais esforço do que conceber os objetos mais naturais e familiares. E enquanto o corpo está confinado a um único planeta, sobre o qual rasteja com dor e dificuldade, o pensamento pode instantaneamente transportar-nos às mais distantes regiões do universo, ou mesmo para além do universo, até o caos desmedido onde se supõe que a natureza jaz em total confusão”.


Este belo trecho do § 4 da seção II da IEH de Hume me faz pensar que, aqui, o próprio pensar, isto é, o modo como ele se exerce, é aqui objeto de pensamento e explicação. 

Segundo Hume, nossa mente, “constituída unicamente de percepções sucessivas” (TNH 1.4.6.4), tem em seu aparato cognitivo duas fundamentais faculdades: a da imaginação e a da memória. Com elas, a mente opera da seguinte forma: copia as idéias fornecidas pelos sentidos, armazena-as na memória - que funciona como um arquivo de dados (que se oferecem à mente), no caso aqui, como um arquivo de idéias. Daí a faculdade da imaginação serve-se dessas idéias armazenadas (e também daquelas que a mente constantemente copia das sensações), estabelecendo certas relações que, num jogo de reflexões e/ou associações, mistura, combina, separa, divide, transpõe, reduz ou estende essas idéias que, por sua vez, dão origem a novas impressões e idéias. Assim, mas evidentemente não de maneira tão simples, Hume nos mostra como a mente opera na aquisição do conhecimento das coisas e do mundo e, ainda, como ela ultrapassa “os limites da natureza e realidade” criando deuses, formando anjos, dragões, demônios, cavalos alados e, se se quiser, as mais diversas barbaridades.