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domingo, dezembro 01, 2019

Identificação


Eu me diluí na alma imprecisa das coisas.
Rolei com a Terra pela órbita do infinito,
jorrei das nuvens com a torrente das chuvas
e percorri o espaço no sopro do vento;
marulhei na corrente inquietadora de rios,
penetrei a mudez milenária das montanhas;
desci ao vácuo silencioso dos abismos;
circulei na seiva das plantas,
ardi no olhar das feras,
palpitei nas asas das pombas;
fui sublime n'alma do homem bom
e desprezível no coração do mesquinho;
inebriei-me da alegria do venturoso
e deslizei dolorosamente na lágrima do infeliz.

Nada encontrei mais doloroso,
mais eloquente,
mais grandioso
do que a tragédia cotidiana
escrita em cada vida humana.

[Helena Kolody | Infinita Sinfonia | p. 119]




Man Bending Down Deeply by Egon Schiele (1890-1918, Australia) 
Museum Art Reproductions Egon Schiele

quinta-feira, outubro 10, 2019

Escuros caminhos


Quem chorava em meu sonho?
Eu ia, deslembrada,
pelos caminhos sem nexo
no escuro do sono,
quando alguém soluçou.
Onde, nas algas profundas,
se enredava essa dor?
(Seu pranto doía no mundo).
Quem soluçava em meu sonho,
tão perto que me acordou?


..................................

[ Helena Kolody | Infinita Sinfonia | p. 63 ]


head back in | © Lauren Jenkins


domingo, setembro 01, 2019

Prece



Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,
de ser o coração singelo que perdoa,
a solícita mão que espalha, sem medidas,
estrelas pela noite escura de outras vidas
e tira d'alma alheia o espinho que magoa.


[Prece | Helena Kolody | Infinita Sinfonia | p.116]



Golden Slumber © 2014 by Thomas Dodd


domingo, janeiro 28, 2018

Lifetime




A outra face da vida

Nada revela o trabalho,
tão sorrateiro, do tempo,
nas profundezas do ser.

Como um 'iceberg' enorme,
tudo gira, de improviso.
Muda-se o plano da vida
pra face desconhecida.

Um ângulo de luz tão diferente
incide nos mais claros pensamentos...
Quantas lacunas inobservadas,
com seus abismos desconcertantes!
O que era terra firme e segura,
é gelo móvel e flutuante.


[Helena Kolody | Infinita Sinfonia | Curitiba | Inventa 2014 | p.91]


domingo, dezembro 31, 2017

Storm


Sem aviso
o vento vira
uma página da vida.


[Helena Kolody | Infinita Sinfonia | Curitiba | Inventa 2014 | p.23]


Storm
by Lucien Levy-Dhurmer




quinta-feira, dezembro 28, 2017

Abismal




Meus olhos estão olhando
de muito longe, de muito longe,
das infinitas distâncias
dos abismos interiores.
Meus olhos estão a olhar do extremo longínquo
para você que está diante de mim.
Se eu estendesse a mão, tocaria sua face.
Mas os cinco dedos pendem como um lírio murcho
ao longo do vestido.

Aqui tudo é leve, silencioso, indefinido, 
imóvel.
Não tenho mais limites.
Tornei-me fluida como o ar.
Seus olhos têm apelos magnéticos,
mas estou abismada
em profundezas infinitas.



[Helena Kolody | Infinita Sinfonia | Curitiba | Inventa 2014 | p.133]


quarta-feira, julho 19, 2017

Voz da noite


O sol se apaga.
De mansinho,
a sombra cresce.

A voz da noite
diz, baixinho:
esquece... esquece..

[ Helena Kolody | Viagem no Espelho | 1988 ]



domingo, julho 09, 2017

Retrato antigo


Ontem, ao rever essa foto de minha mãe, Walkyria Ferraz, lembrei-me desse poeminha...

"Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus? "

[ Helena Kolody | Retrato Antigo | Poemas do amor impossível | 2002 ]



Para minha surpresa, ela [my mom] me disse que foi aluna da Helena Kolody no Instituto de Educação do Paraná. Achei o máaaximo (quisera eu...).

A foto, de Mirian Costa Vajani, foi a vencedora do 1º lugar no Concurso Desafio Virtual do Fotoclube de Londrina/2016 e encontra-se exposta no foyer do Cine Teatro Ouro Verde.

domingo, junho 25, 2017

Canto do amor impossível


Meu amor impossível
eu sou, na dor que me avassala,
o transeunte solitário perdido na tormenta.

O vento ulula, a chuva açoita, o raio estala,
e não há uma porta amiga,
um cálido refúgio
que me acolha e aqueça,
que me distraia e console
do rigor da tormenta.

O único refúgio serias tu,
e tu estás para além da muralha intransponível
que marca os limites do possível.

[ Helena Kolody | Infinita Sinfonia | Inventa 2014 | p. 126 ]