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quarta-feira, setembro 27, 2017

Perene movimento


“Não consigo fixar meu objeto. Ele vai confuso e cambaleante, com uma embriaguez natural. Tomo-o nesse ponto, como ele é no instante em que dele me ocupo. Não retrato o ser. Retrato a  passagem; não a passagem de uma idade para a outra ou, como diz o povo, de sete em sete anos, mas de dia para dia, de minuto para minuto. É  preciso ajustar minha história ao momento. Daqui a pouco poderei mudar, não apenas de  fortuna mas também de intenção. Este é um registro de acontecimentos diversos e mutáveis e de pensamentos indecisos e, se calhar, opostos: ou  porque eu seja um outro eu, ou porque capte os objetos por outras circunstâncias e considerações.”

[ Montaigne. Ensaios III 2. Sobre o Arrependimento ]

by KwangHo Shin

sexta-feira, dezembro 25, 2015

Da inconstância de nossas ações


"Não somente o vento dos acidentes me agita de acordo com a sua inclinação, mas, além disso, eu me agito e perturbo a mim próprio pela instabilidade de minha postura; e quem quer que se observe atentamente, dificilmente se encontrará duas vezes no mesmo estado. Dou à minha alma ora uma face ora outra, segundo o lado para o qual me volto. Se falo de mim de diferentes maneiras é porque me vejo de diferentes maneiras. Toda as contradições, de um modo ou outro, encontram-se em mim. Envergonhado, insolente, casto, luxurioso, tagarela, taciturno, laborioso, delicado, engenhoso, atordoado, aflito, afável, mentiroso, veraz, sábio, ignorante, liberal, avaro e pródigo: tudo isso vejo em mim de algum modo, conforme o lado para o qual me viro. E quem quer que se estude muito atentamente encontrará em si, e até mesmo em seu próprio julgamento, esta volubilidade e discordância. Não há nada que eu possa dizer de mim mesmo de modo completo, simples e sólido, sem confusão ou mistura, tampouco em uma única palavra".

[Montaigne. Essais II. Chapter I, De l'inconstance de nos actions]


terça-feira, outubro 01, 2013

Da tristeza


Portrait of a Woman | by Anna Lea Merritt |1844-1930


"Falar está acima de minhas forças, minha língua engrola, uma chama sutil percorre-me as veias, mil ruídos confusos soam-me aos ouvidos e o véu da noite estende-se sobre os meus olhos" (Catulo apud Montaigne | Ensaios I).


quarta-feira, novembro 21, 2012

Agir bem para bem viver




“... a prudência é o princípio e o supremo bem, 
razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; 
é dela que originaram todas as demais virtudes; 
é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, 
e que não existe prudência beleza e justiça sem felicidade” (Epicuro. Carta sobre a felicidade, p. 45).

Platão, ao buscar definir a essência da justiça, considerou-a o mais belo de todos os bens. Ele afirma que a justiça deve ser amada tanto por si mesma quanto por suas consequências. E como virtude, par excellence, deve ser amada também por “aquele que quer ser plenamente feliz” (República II).

Aristóteles, por sua vez, ao procurar “o mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação” diz, na Ética a Nicômaco, que “quase todas as pessoas estão de acordo quanto ao fato de que esse bem mais alto é a felicidade", pois “identificam o bem viver e o bem agir com o ser feliz”; mas adverte que eles diferem “quanto ao que seja a felicidade” (EN I 4: 1095a 20).

Se quisermos saltar séculos à frente, para o período humanista da filosofia moderna, podemos encontrar, nos Ensaios de Montaigne, afirmações semelhantes: "A meu ver, a felicidade do homem consiste em bem viver" (Essays II) e “não há nada mais belo e mais legítimo do que o homem agir bem e devidamente” (Essays III).

E se remontarmos mais uma vez à antiguidade, encontraremos na Carta sobre a felicidade de Epicuro, além da epígrafe acima, a afirmação segundo a qual “as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas” (Epicuro. Carta sobre a felicidade, p. 47).

Sêneca, dois séculos após Epicuro, por seu turno, declara que “a vida feliz apoia-se, estável e imutavelmente, sobre a retidão e certeza do juízo”, e que é “feliz quem confia à razão a gerência de toda a sua vida” (Sêneca. A Vida Feliz, p. 30-31).

Em sua apresentação à obra de Sêneca, Diderot observa que, de acordo com o estoico, “para alcançar a felicidade é necessária a liberdade: a felicidade não é para quem possui outros senhores além do próprio dever. Mas [pergunta Diderot], não será o dever um patrão arrogante? E na condição de serviência que importa a qual senhor se sirva? Importa demasiado: o dever é um senhor do qual não se pode libertar sob pena de tornar-se infeliz” (Sêneca. A Vida Feliz, introdução, p. 12).


terça-feira, maio 13, 2008

Beleza e simplicidade


















Segue comentário ao post (logo abaixo) sobre os Essays de Montaigne.

Inspirado, Aguinaldo assinala: eu gosto de uma passagem dos Ensaios em que Montaigne diz:

“Em casa, passo muito tempo na biblioteca, de onde, de um golpe de vista, observo tudo o que ocorre em minha propriedade. Da entrada descortino o jardim, o galinheiro, o pátio e a maior parte dos cômodos. Ora folheio um livro, ora outro, sem ordem, ao acaso. Ora sonho, ora tomo notas ou dito, passeando, os devaneios que aqui se registram. Essa biblioteca situa-se no terceiro andar de uma torre. [...] Aí passo boa parte das horas e dos dias [...] Qualquer retiro exige um espaço para passear; meus pensamentos cochilam quando sento; meu espírito não anda sozinho, parece–me que o movimento é que o excita e força a trabalhar. [...] O cômodo, a não ser na parte em que se encontram a mesa e a cadeira, tem uma forma circular, o que me permite ver todos os livros dispostos em cinco filas de prateleiras. [...] É meu covil; procuro fazer desse recanto um domínio pessoal, e subtraí-lo à comunidade conjugal e filial” 

Montaigne | Essays | Da companhia dos homens, das mulheres e dos livros | Livro III | Cap. III

segunda-feira, maio 05, 2008

Sobre os Essays, de Michel de Montaigne


Que figura fantástica! Num desses meus ataques de curiosidade, por conta de uma simples palavra, entrei no oráculo google e coloquei aquela palavrinha curiosa ali, a fim de fazer uma pesquisa. Eu procurava o significado específico do termo uneasiness (traduzido por inquietude, inquietação, intranqüilidade, desassossego, desconforto), visto que um texto sobre Locke me remetia ao significado que Malebranche dava a ele. Precisamente inquietude.

No entanto, minhas pesquisas levaram-me a encontrar o termo, não por acaso, em alguns links sobre Montaigne. E ali mergulhei. Li pequenos ensaios sobre ensaios. Uma coletânea. E foi inevitável. Ali, eu me identifiquei.
Já conhecia alguns Ensaios de Montaigne. Mas, ali, soube que foi ele quem criou o gênero Essays. Do alto da torre de seu castelo Montaigne recolheu-se em "uma melancólica disposição de espírito" e passou a escrever.

Nasceram os Ensaios: "uma expressão da alma humana, inacabada e insatisfeita, sucessivamente tentando, errando e aprendendo. Por meio do ensaio, imprime-se a imperfeição de maneira tão insistente que não mentiria se dissesse que ela é objeto de uma procura" (Dutra, Luíza M. Das amarras da liberdade. In: Ensaios em Arte final. BH: Fale/UFMG, 2002).

"Com total liberdade criativa, [Montaigne] lançou-se à saborosa tarefa de interpretar o mundo, elucidando suas facetas ao expor a própria visão da realidade. Nos Essays, ele inova, fazendo da digressão uma arte. O ensaio toma forma a partir daí, embora não possa ser facilmente caracterizado: um passeio por idéias e temas variados, que nunca encerra em si uma visão acabada do mundo, mas um sublime contemplar" (Horta, Ricardo Lins. Passeios Possíveis. In: Ensaios em arte final. BH: Fale/UFMG, 2002).

"Montaigne..., então, projetava-se em sua obra até que essa passava a se confundir com o próprio autor. Afinal, como ele próprio afirmou Je suis moi-même la matière de mon livre. Mosaico pessoal, impressionista e leve, que exprime a reação íntima de um indivíduo ante a realidade, ante os sentimentos ou ante as cotidianeidades da vida, sem estrutura clara ou preestabelecida, já que, também na vida, nada é assim tão claro e definido, ao contrário, o que não nos faltam são incertezas e indefinições.[...] E nesse trajeto rumo aos ensaios, é certo que de um aspecto jamais se poderá prescindir: a subjetividade. Após quatro longos séculos, o ensaio ainda pede, exige, que o autor se exponha, se mostre. É preciso que se esteja lá, no texto, ainda que o texto não trate de si”. Francisco, Denis Leandro. Ensaiando sobre Ensaio. In: Ensaios em arte final. BH: Fale/UFMG, 2002).

Depois de me reconhecer nos ensaios, do térreo de meu apartamentinho, abandonei por mais um tempo o texto de Locke e fui ler novamente alguns ensaios de Montaigne. Um deleite só!

O link no qual encontrei os (32) Ensaios em arte final (frutos de uma oficina de textos) organizados por Regina Lúcia Péret Dell’Isola, é: 

http://www.letras.ufmg.br/site/publicacoes/download/ensaioemartes.pdf