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quinta-feira, setembro 21, 2017

Diluição


Gabriella | From 'Sentimentalist' Series |
by Matthew Dols


(…)

1.44

Se aquela luz, no entanto, emprestasse o pincel
a um poeta qualquer, eu tentaria agora
fazer que retivesse o retrato cruel
daquela intensidade que nunca se demora,
que atinge o auge um belo dia e vai-se embora,
esgarçando-se aos poucos entre a doçura e o mel
até que as brumas de uma tela ou de um papel
misturam-se e diluem-na pela existência afora…
(…)

[Bruno Tolentino | As epifanias | in: A imitação do amanhecer | p. 52]


terça-feira, agosto 01, 2017

Restos e destroços


[...]

(1.2)

Nem tudo se desfaz, anda em tudo um resquício,
um eco ou outro a mais de restos e destroços, 
que alcançam ou não alcançam voltar a serem nossos,
segundo um coração baixe a seu precipício.

Que a aventura é escarpada e a escalada difícil,
alguém já disse isso; diz-se também que os ossos
do ofício, nus, inglórios, são como um desperdício,
um fogo-fátuo na memória - quantos fósseis
somam um só rosto, a mão que o livra num só gesto
de um feixe de cabelos a tumultuar-lhe a testa...?

Resta que um corpo acorda louco de alegria,
só porque, oco como uma ânfora vazia,
ainda há pouco invadiu-o, lhe entrou por cada fresta,
a luz daquele gesto que ele há tempos não via...

[...]

Bruno Tolentino | As Epifanias | A imitação do Amanhecer | SP  Globo | 2006