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segunda-feira, outubro 29, 2018

Doce cantiga sepulcral


Entra, amor, comigo na escuridão?
No vão onde hei eu de encerrar-me,
o vão onde encerrados os meus flancos
e extinta a tua carne – ah maciez, ah invólucro.

Vens comigo ao longo despautério?
Vem, amor, jaze comigo sobre a terra,
deixa que o líquido doce do teu corpo
se misture ao meu líquido. Vens?

Convido-te ao desmonte, homem.
Convido-te à devastação – mas teus olhos…
Não, não teus olhos, não aqueles que
entrefechaste quando enfim te conheci.

Atravessa, amor, comigo estes umbrais.
Anoitece comigo e eu contigo me desfaço
e te desfazes comigo e desfazemo-nos
unos, perdidos, destituídos – mas juntos.

Decide, não há tempo. Deita comigo sobre
a umidez da terra? Abraça-me enquanto
ainda braços tens? Abre, amor, os teus umbrais
enquanto ainda resiste o meu tendão.

Sei que amargo, amor, é meu convite.
Mas vem, quero as folhas do teu coração
sucumbindo enquanto eu ardo e sucumbo
contigo e sucumbimos unos, indistintos.

Vem, que o teu desfazer-se é o meu,
que o meu desenfeixar-me é o teu
e somos um só feixe, amor, jungidos
à mesma sorte, morte, aniquilação. Vem.

[by Ygor Raduy]


[White Gauze | 1984 | by Robert Mapplethorpe]