O
encontro havia sido marcado e o assunto anunciado. No exato momento em que ia
tocar a campainha, a porta se abriu de repente. Olharam-se, de modo
oblíquo, antes que um sorriso contido cintilasse involuntariamente em seus
rostos. Ela entrou como um vulto. Sua alma adiantou-se ao corpo, tamanha
a ansiedade.
Com a
respiração oprimida e o coração descompassado, passou em rápida revista a disposição
daquela sala, cujos objetos lhe eram tão familiares. O pequeno sofá
eternamente desconfortável. A enorme quantidade de livros, caixas e papéis
espalhados pelo chão, mesa e prateleiras. O móvel de bebidas destiladas.
O abat-jour que não funcionava há tempos, assim
como o velho aparelho de som igualmente inutilizado a ocupar o espaço, testemunhando, entre outras coisas, a longa história daquela união que
constantemente desafiava o improvável. Notou a falta do belo tapete no
qual, há mais de 15 anos, rolaram pela primeira vez. O lustre sobre a mesa que,
sozinho, de vez em quando, bruxuleava rapidamente, e tantos outros objetos tão
bem conhecidos, dentre os quais aqueles que evidenciavam a paixão dele pelo seu
glorioso time de futebol.
Após sua
alma retornar ao corpo, atravessou a sala como uma flecha. Não deu um beijo nele,
um abraço, nada. Disse apenas oi. E sentou-se no sofá. Ele, por sua vez,
puxou uma cadeira posicionando-se na diagonal. Sentindo-se incomodada, ela se virou de frente para ele e tirou os sapatos, colocando seus pequenos pés no pequeno e
desconfortável sofá.
Um
silêncio opressor pesou sobre eles. Naquele instante, face to face, teve a
mesma sensação de Humbert Humbert descrita por Nabokov em sua obra-prima Lolita: o
pulso a marcar, num minuto, quarenta pulsações, no outro, cem.
Alguns
meses antes, ela esteve madrugadas inteiras a escrever torrencialmente. Ao
expressar suas flutuações anímicas diante dos sinais
confusos que ele passara a transmitir após o primeiro reencontro, depois da
última separação, os dedos crepitavam nos papéis.
Replicadas
à exaustão, propusera a si própria mil questões seguidas de mil respostas
diferentes para cada uma. Ordenava-as, desordenava-as, reordenava-as, ruminando
toda aquela parafernália de sentimentos, impressões e ideias que se sucediam em
sua mente, na tentativa de concebê-las tão claras e distintas quanto as
verdades matemáticas ─ uma tarefa inglória, por certo. De qualquer modo,
era preciso começar a falar tudo que naquele momento estrangulava-lhe a
garganta. Estava resoluta em não mais voltar. E era mister que fosse direta e
reta. Porém, na imperiosa presença e argumentação dele, e diante de olhares tão
íntimos, suas convicções se afrouxavam, suas dúvidas voltavam a lhe atormentar,
e o espelho de sua mente, tantas vezes polido pela reflexão, embaçava novamente devolvendo-lhe a angústia da incompreensão.
Queria entender por que, afinal, ele resolvera quebrar o silêncio
terminal que havia decretado três meses antes, depois de alguns reencontros e trocas
de cartas que mais trouxeram dor do que propriamente alegria e prazer a ambos,
dado o tempo dilatado de separação, no qual um havia aprendido a viver sem o
outro, e em virtude do acúmulo de mágoas, rancores, remorsos e arrependimentos
que passaram a habitar seus corações indelevelmente feridos?
Após seis horas de conversas entremeadas por acusações recíprocas
e alguns instantes sublimes, nos quais a intimidade e cumplicidade voltaram a
reinar, chegaram à conclusão de que a questão não era mais se um havia
aprendido a viver sem o outro, mas se a vida de ambos seria melhor, mais rica,
prazerosa, promissora
e feliz, com ou sem o outro.