Transcrevo abaixo um pequeno trecho de "Xadrez", conto de Stefen Zweig escrito em 1941. O conto narra a história de um campeão mundial de xadrez (Mirko Czentovic) que, numa viagem de navio para Buenos Aires, enfrenta Dr. B., austríaco em fuga do regime nazista.
A história se desenrola de modo simplesmente genial. Bom, mas é claro que não basta ser um excelente jogador de xadrez para saber apreciar a beleza, profundidade, maestria, sofisticação e densidade de Zweig ao narrar, descrever e articular seus temas, ambientes, conflitos e personagens.
Adianto que os outros dois contos contidos no livro (Medo e Amok) também são de tirar o fôlego, aliás, não li nada ainda de Zweig que não me tenha agarrado pelos cabelos.
Adianto que os outros dois contos contidos no livro (Medo e Amok) também são de tirar o fôlego, aliás, não li nada ainda de Zweig que não me tenha agarrado pelos cabelos.
Well, o que a passagem abaixo tem a ver com o instigante embate enxadrístico que ocorre entre esses dois personagens vocês só poderão saber se estiverem dispostos a lê-lo. Garanto que não vão se arrepender. Take a look!
“Um quarto próprio num hotel – isso não soa extremamente humano? Mas o senhor pode acreditar que não nos reservaram de modo algum um tratamento humano, e sim um método mais refinado... Pois a pressão com a qual pretendiam extrair de nós o ‘material’ necessário deveria funcionar de modo mais sutil do que por meio de surras brutais ou torturas físicas: por meio do isolamento mais requintado que se pode imaginar. Não nos fizeram nada – simplesmente nos puseram no completo nada, pois é sabido que não há coisa alguma sobre a Terra que exerça maior pressão sobre a alma humana do que o nada. À medida que cada um de nós era trancado num vácuo absoluto, num quarto hermeticamente isolado do mundo exterior, deveria ser criada a partir de dentro, e não a partir de fora ─ por meio de pancadas e do frio ─, aquela pressão que acabaria por abrir nossas bocas.
À primeira vista, o quarto que me fora reservado não parecia de modo algum desconfortável. Ele tinha uma porta, uma cama, uma poltrona, uma bacia e uma janela com grades. Contudo, a porta permanecia fechada dia e noite, sobre a mesa não havia nenhum livro, jornal, folha de papel ou lápis, e a janela dava para um muro; em torno de mim e mesmo em meu próprio corpo foi construído o nada absoluto. Haviam tirado de mim todos os objetos, o relógio, para que eu não soubesse que horas eram, o lápis, de modo que eu não pudesse escrever, a faca, a fim de que eu não pudesse cortar os pulsos; até mesmo a mais leve distração de um cigarro me foi proibida. ... eu nunca via um rosto humano, nunca ouvia uma voz humana; ... todos os sentidos ficavam de manhã até a noite sem receber o mínimo alimento, a pessoa permanecia irremediavelmente sozinha consigo mesma, com seu corpo e os quatro ou cinco objetos silenciosos, a mesa, a cama, a janela, a bacia.

(ZWEIG, S. Xadrez.
In: Medo & outras histórias. Tradução de Lya Luft e Pedro Süssekind. Porto
Alegre. RS: L&PM, 2007, pp181-182).
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