Entre os dias 27 e 31 de outubro acontece o XIII Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Unioeste de Toledo, e eu estarei lá!!!
Eis o resumo da minha comunicação:
RELIGIÃO E MORALIDADE NA FILOSOFIA DE HUME
Penso que a crítica de Hume à religião insere-se em seu projeto maior de construir uma filosofia moral, ou ciência da natureza humana, ao mesmo tempo em que visa destruir a má metafísica ou metafísica das escolas, conforme distinção que ele mesmo apresenta em algumas passagens espraiadas por suas obras. No § 12 da seção I da Investigação sobre o Entendimento Humano (IEH), por exemplo, Hume diz: “devemos dedicar algum cuidado ao cultivo da verdadeira metafísica a fim de destruir aquela que é falsa e adulterada”. Para realizar esse objetivo, Hume debruça-se sobre o tema da religião natural e revelada a fim de examinar a validade dos argumentos em favor da existência de Deus (ou Deuses), seus atributos e plano providencial. Nesse sentido, a seção XI da IEH, acredito, pode e deve ser vista como uma importante peça introdutória da crítica que Hume faz ao argumento do desígnio ─ segundo o qual a existência de um criador infinitamente benevolente, justo e sábio pode ser inferida a partir da ordem e da beleza do mundo ─ bem como um componente de sua crítica à Religião Natural em geral. Podemos encontrar nesta seção muitos argumentos que serão desenvolvidos de maneira mais profunda e completa nos Diálogos sobre a Religião Natural (DRN). Todavia, embora Hume se sirva nesta seção do argumento do desígnio como um instrumento de sua crítica à religião em geral, seu alvo principal é, conforme o título indica, discutir a existência de uma providência particular e de um estado vindouro. O ponto de Hume é mostrar que não temos boas razões para argumentar em favor de uma providência particular e de um estado vindouro com base neste argumento, embora revele que não está, propriamente, a negar a existência divina. Ao contrário, ele enfatiza que o principal ou único argumento aceitável em favor dela deriva da ordem natural. Mas a seção abrange também aspectos ulteriores. Hume defende que negar a providência divina e uma vida pós-morte não ameaça a ordem social e política, uma vez que a moral, entendida aqui especialmente como um dos pré-requisitos para a manutenção da paz da sociedade e segurança do governo, pode, conforme algumas teses defendidas por ele, ser fundamentada ao longo de linhas laicas, sem qualquer apelo a mandamentos morais divinos. No Tratado da Natureza Humana (TNH), ao tratar do tema da liberdade e responsabilidade moral, Hume diz que a religião tem sido desnecessariamente envolvida nessa questão. Ali ele assinala um péssimo expediente em discussões filosóficas “tentar refutar uma hipótese a pretexto de suas conseqüências perigosas para a religião e a moral”. A hipótese da qual Hume fala neste contexto é sua teoria da necessidade, conforme nos mostra a seguinte passagem: “a doutrina da necessidade, segundo a minha explicação, é não apenas inocente, mas vantajosa para religião e a moral” (TNH 2.3.2.§ 3-4). Como podemos perceber, Hume alega que suas críticas são inocentes à religião e à moral. Não obstante, sua crítica não só foi vista como prejudicial à religião em geral, mas de maneira tal que nenhum antecessor seu a empreendeu. Em relação à seção XI da IEH, pode-se dizer que o problema de Hume gira em torno de saber o quanto as questões religiosas dizem respeito ao interesse público. A seção é escrita na forma de um diálogo entre Hume e um amigo. Esse amigo assumirá o papel de Epicuro e fará de Hume “a parcela mais filosófica” do povo de Atenas. Note-se que ao proceder assim, Hume desloca a discussão no tempo e no espaço, o que pode ser particularmente importante à medida que se discute a necessidade que Hume tinha de servir-se de estratagemas literários para proteger-se da censura de seu tempo àqueles que criticavam a religião. Ironia, recursos literários e retóricos, afirmações contraditórias, todos esses elementos podem ser encontrados em seus textos, o que torna particularmente difícil identificar as intenções e real posição de Hume em relação à religião. Na narrativa da seção XI da IEH, por exemplo, Hume transfere a responsabilidade dos argumentos a personagens históricos (no caso de Epicuro) e imaginários (como a “parcela mais filosófica do povo de Atenas”, representada pelo próprio Hume). Mutatis mutandis a mesma estratégia aparecerá nos DRN, obra em que o autor não se exprime em seu próprio nome, dando lugar, assim, ao afrontamento de teses e argumentos concorrentes. Vale lembrar que a seção XI da IEH foi escrita originalmente em forma de Ensaio cujo título era Das Conseqüências Práticas da Religião Natural. Mas, conforme pretendo mostrar, Hume ─ na voz do amigo que defende princípios epicuristas ─ argumentará que não ocorre, de fato, nenhuma das supostas conseqüências corrosivas para moral, a sociedade e segurança do governo.