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tudo dorme
menos teu nome
[Leminski]
(paint: Francine Van Hove)
[Leminski]
(paint: Francine Van Hove)
"Não há amor de viver sem desespero de viver" (Albert Camus em O Avesso e o Direito).
"Não somente o vento dos acidentes me agita de acordo com a sua inclinação, mas, além disso, eu me agito e perturbo a mim próprio pela instabilidade de minha postura; e quem quer que se observe atentamente, dificilmente se encontrará duas vezes no mesmo estado. Dou à minha alma ora uma face ora outra, segundo o lado para o qual me volto. Se falo de mim de diferentes maneiras é porque me vejo de diferentes maneiras. Toda as contradições, de um modo ou outro, encontram-se em mim. Envergonhado, insolente, casto, luxurioso, tagarela, taciturno, laborioso, delicado, engenhoso, atordoado, aflito, afável, mentiroso, veraz, sábio, ignorante, liberal, avaro e pródigo: tudo isso vejo em mim de algum modo, conforme o lado para o qual me viro. E quem quer que se estude muito atentamente encontrará em si, e até mesmo em seu próprio julgamento, esta volubilidade e discordância. Não há nada que eu possa dizer de mim mesmo de modo completo, simples e sólido, sem confusão ou mistura, tampouco em uma única palavra".
(Alexander Pushkin at the Seashore, by Leonid O. Pasternak)
Vivia-se como um escafandrista submerso no oceano escuro desse silêncio, e mesmo como um mergulhador já consciente de que o cabo de ligação com o mundo exterior está rompido e ele nunca mais será puxado para fora das profundezas. Não havia nada para fazer, nada para ouvir, nada para ver, por toda parte e incessantemente se encontrava em torno do nada, o vazio mais completo, sem tempo nem espaço. Eu andava para lá e para cá. E comigo passeavam os pensamentos, para lá e para cá, para lá e para cá, repetidamente. Mas mesmo pensamentos, por mais imateriais que pareçam, precisam de um ponto de apoio, senão eles começam a rodar no vazio, a girar sem sentido em torno de si mesmos; eles também não suportam o nada. Esperava-se por alguma coisa, da manhã até a noite, e nada acontecia. Esperava-se sempre, sempre. E nada acontecia. Eu esperava, esperava, esperava, pensava, pensava, pensava, até a cabeça doer. Nada acontecia. Eu continuava sozinho. Sozinho. Sozinho".
Há tempos eu
não amaldiçoava, rangendo os dentes, o demônio que volta e meia aparece furtivamente em minha mais desolada solidão dizendo que terei de
viver esta vida, como a estou vivendo neste instante e já a vivi outrora, mais uma vez e por incontáveis
vezes; e que nada haverá de novo nela, que cada dor e cada prazer e cada
suspiro e pensamento, e que tudo que é inefavelmente grande e pequeno em minha
vida terá de me suceder de novo, tudo na mesma sequência e ordem, e que a
perene ampulheta da existência será sempre virada novamente, e eu, mera partícula
de poeira, serei virada e revirada junto com ela (e todas as outras partículas de poeira). Minutos
depois, após suspirar e pensar mais um pouco, lembrei-me que já experimentei instantes imensos nessa minha vida (muito maiores, melhores e mais
frequentes do que este), nos quais certamente eu poderia dizer que esse
demônio, na verdade, é um deus, e que a mensagem que ele assopra agora em meus
ouvidos me permite exclamar, com grande contentamento, jamais ter ouvido coisa
tão divina.
