domingo, agosto 30, 2009

Programação I Encontro Hume (IUPERJ)

Segue abaixo a programação do I Encontro Hume que acontecerá nos dias 02 e 03 de outubro/2009, no IUPERJ


02 outubro - Sexta feira

09:00 - 10:00 Abertura com Renato Lessa
10:30 - 11:00 Mário Sérgio da Conceição Oliveira Junior (UFPA)
Hume e a Condição Estética
11:00 - 11:30 Rafael Fernandes Barros de Souza (UNICAMP)
Da uniformidade de gosto
11:30 - 12:00 Julio Andrade Paulo (UFMG)
A beleza e a virtude no Tratado da Natureza Humana
12:00 - 12:30 Debate
12:30 – 14:00 Almoço
14:00 – 14:30 Marília Côrtes de Ferraz (USP-FAPESP)
Hume e a crença na vontade livre
14:30 – 15:00 Giovani Mendonça Lunardi (UFRGS) A distinção entre “sentir” (to feel) e experimentar” (to experience) na filosofia moral de Hume
15:00 – 15:30 Marcos Ribeiro Balieiro (USP)
Sociabilidade e progresso em David Hume15:30 – 16:00 Debate
16:00 – 16:30 Café
16:30 – 17:00 Thais Cristina Cordeiro (IUPERJ)
A moral demonstrativa em Locke: uma leitura segundo Hume
17:00 – 17:30 Luís Alves Falcão (IUPERJ)
Os fundamentos da Economia Política em David Hume: a Economia como Ciência Moral
17:30 – 18:00 André Luiz de Jesus Rodrigues (IUPERJ)
As fragilidades do real: O regime de contingência em Montaigne, Hume e Montesquieu
18:00 – 18:30 Debate

03 outubro - Sábado

08:00 – 08:30 Rogério Soares Mascarenhas (UFBA)
O Estatuto da Ficção no Tratado da Natureza Humana
08:30 – 09:00 Diogo Bogéa (UERJ-FFP)
David Hume e o sujeito como ficção
09:00 – 09:30 Andreh Sabino Ribeiro (UFCE)
Hume, Sócrates Baconiano
09:30 – 10:00 Debate
10:00 – 10:30 Café
10:30 – 11:00 André Luiz Olivier da Silva (UNISINOS)
O ceticismo de Hume desde uma perspectiva naturalista
11:00 – 11:30 Anice Lima de Araújo (UFMG)
Hume e o Naturalismo
11:30 – 12:00 Andrea Cachel (USP-IFPR)
Idéias abstratas em Hume: o simples e a relação
12:00 – 12:30 Debate
12:30 – 14:00 Almoço
14:00 – 14:30 Matheus Batista dos Reis (UFMG)
Uma análise sobre as diferenças entre os sistemas filosóficos de David Hume, Thomas Reid e James Beattie
14:30 – 15:00 André Vinícius Dias Senra (UFRJ – HCTE)
Crítica Fenomenológica de Husserl ao Empirismo de Hume
15:00 – 15:30 Bernardo Bianchi Barata Ribeiro (IUPERJ)
Algumas afinidades entre Spinoza e Hume
15:30 – 16:00 Cesar Kiraly (IUPERJ-PUC-RIO)
Hume e Nelson Goodman: sobre a causalidade e a ausência de por quê
16:00 – 16:30 Debate
16:30 – 17:00 Café
17:00 – 18:00 Encerramento com Lívia Guimarães
18:00 - Reunião

sábado, agosto 29, 2009

Hume e a crença na vontade livre

Na seção VIII da Investigação sobre o Entendimento Humano, Hume observa que “mais da metade dos raciocínios humanos” estão baseados em expectativas “acompanhadas de maiores ou menores graus de certeza” (IEH VIII i 20: 122) sobre como os seres humanos se comportarão em determinadas circunstâncias. Tais expectativas, de acordo com sua teoria, estão fundadas na observação e experiência passadas da uniformidade e regularidade de seus comportamentos. Hume argumenta também que é possível perceber que, embora criemos expectativas em relação ao comportamento dos homens e esperemos que eles ajam de acordo com elas, quando consideramos a nós mesmos, a escolha da ação nos parece livre. Quer dizer, quando somos nós que agimos, para cada ação que praticamos, sentimos que somos livres ─ o que não constitui propriamente um problema para Hume, haja vista ele, ao admitir que possuímos liberdade da ação, esposar a tese de que nós de fato somos livres. Mas o fato de nos sentirmos portadores de uma vontade livre é problemático, à medida que Hume não admite a liberdade da vontade. Segundo Hume, temos uma “falsa sensação ou experiência aparente de liberdade ou indiferença [...] em muitas de nossas ações” (IEH VIII i 22 nota: 125). Ele afirma: “Sentimos que nossas ações estão sujeitas à nossa vontade na maioria das ocasiões, e imaginamos que sentimos que a vontade, ela própria, não está submetida a nada” (IEH VIII i 22 nota: 126), isto é, sentimo-nos livres da determinação natural ou da necessidade. Ora, por que isso acontece? Por que do ponto de vista do observador sentimos a necessidade das ações e do ponto de vista do agente não a sentimos, ao contrário, sentimos que nossa vontade é livre? Hume é enfático ao afirmar que “os atos da vontade decorrem da necessidade” (T 2.3.1.15: 441) e que quem nega isso não sabe o que diz. Ao constatar que os homens resistem a esse princípio, o autor reflete sobre quais seriam as razões que fazem com que toda a humanidade tenha tamanha relutância em expressar verbalmente a admissão da doutrina da necessidade, tanto na prática quanto nos raciocínios e, ao mesmo tempo, demonstre tamanha inclinação para defender a da liberdade. Com base nisso, pretendo expor e analisar as razões que, segundo Hume, levam os homens a assumirem a crença na vontade livre.

domingo, julho 12, 2009

I Encontro Hume

Nos dias 02 e 03 de outubro de 2009 ocorrerá o
I Encontro Hume no IUPERJ. Poderão enviar resumos, alunos de Graduação e Pós-Graduação que desenvolvem seus estudos em David Hume. O resumo deverá ser enviado até o dia 15 de agosto de 2009 para o email: encontrohume@gmail.com contendo os seguintes dados:

Nome:
Instituição:
Orientador:
Título do trabalho:
Resumo: 


A seleção dos participantes será realizada mediante a avaliação do resumo da comunicação que deverá conter de 200 a 500 palavras e explicitar o percurso argumentativo e os principais conceitos que serão desenvolvidos na apresentação. Cada comunicação terá a duração máxima de 30 minutos. As mesas serão organizadas de modo a promover o diálogo entre os participantes e destes com a audiência. Ao fim das apresentações dos integrantes de cada mesa, haverá um período destinado ao debate.

No dia 30 de agosto serão divulgados os nomes dos participantes do Encontro e no dia 15 de setembro será divulgada a programação oficial do evento. Demais informações poderão ser obtidas através do blogs:
http://www.grupohume.blogspot.com/
http://www.estudoshumeanos.com/
ou do e-mail: encontrohume@gmail.com

quarta-feira, maio 20, 2009

À Lolita eterna refletida em meu sangue...





“Lolita, luz de minha vida, fogo de meu lombo. Meu pecado, minha alma. Lolita: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boca, a fim de bater de leve, no terceiro, de encontro aos dentes. LO. LI. TA. Era LO, apenas LO, pela manhã, com suas meias curtas e seu um metro e quarenta e oito centímetros de altura. Era Lola em seus slacks. Era Dolly na escola. Era Dolores quando assinava o nome. Mas, em meus braços, era sempre Lolita.” 

Ah... isso é simplesmente lindo. Curioso é que expressa um amor criminoso. E o mais curioso ainda é que, se assim não fosse, não haveria Lolita (ou a Confissão de um Viúvo de Cor Branca), a obra-prima do escritor russo Vladimir Nabokov.

Essa é uma obra que ao mesmo tempo em que causa repugnância moral, curiosidade científica (por se tratar da história de amor de um “pervertido”), arranca suspiros e enternece corações em virtude não só de sua beleza literária, mas também pela compaixão que desperta no leitor quando este percebe a tragicidade de um amor que, além de obsessivo e devorador, é moral e juridicamente condenável. O protagonista Humbert-Humbert, um homem já bastante maduro, acalenta (talvez fosse melhor dizer sofre de) predileções eróticas inusuais. Ele se apaixona por sua enteada de 12 anos Dolores Haze, “em seus braços sempre Lolita”.

Quando li este trágico romance não resisti a extrair algumas belas frases e parágrafos, idéias e expressões geniais, e anotar tudo num caderninho (uma seleção, I confess, bem difícil).

Escrito numa linguagem elegante e sofisticada, o romance soa como música para ouvidos refinados: eis aí uma verdadeira obra da arte de confessar de maneira desesperada e, ao que tudo indica, honesta, uma paixão criminosa.

Não pretendo aqui, ao menos por enquanto, fazer apreciações morais sobre o romance (embora eu reconheça que ele é um prato saboroso pra isso). Tampouco discutir as diferentes interpretações de seus leitores e versões dos filmes de Stanley Kubrick ou Adrian Lyne. Minha intenção é tão-somente salientar seu valor literário transcrevendo alguns trechos desses que alteram nossa respiração.

“...olhai [pois] este emaranhado de espinhos”. 

Paradoxalmente, eu diria, esse belo emaranhado de espinhos.

“De repente, estávamos louca, desajeitada, desavergonhada e angustiosamente apaixonados um pelo outro; irremediavelmente, deveria eu acrescentar, pois aquele frenesi de posse mútua só poderia ter sido aplacado se verdadeiramente assimilássemos e nos embebêssemos de cada partícula da alma e da carne do outro... Ali, sobre a areia macia..., ficávamos estendidos durante toda a manhã, num petrificado paroxismo de desejo... [Humbert ao falar de Annabel, precursora de Lolita, que morreu de tifo ainda púbere].


Destaco aqui não só a beleza desse trecho, como também a riqueza semântica concentrada na palavra paroxismo que, por sua vez, significa “espasmo agudo ou convulsão; momento de maior intensidade de uma dor ou de um acesso; recorrência ou intensificação súbita dos sintomas de uma afecção, estertores de um agonizante; vascas”. Pergunto: quem é que ainda não se viu num tal paroxismo de desejo? 


“Folheio sem cessar estas miseráveis lembranças...”

“Quando tento analisar meus próprios anseios, motivos, atos, etc., rendo-me a uma espécie de imaginação retrospectiva que alimenta minha faculdade analítica com alternativas ilimitadas e que faz com que cada caminho imaginado se bifurque e se aparte sem cessar em meio da complexa e enlouquecedora perspectiva de meu passado. Estou convencido, porém, de que, de uma certa maneira mágica e fatal, Lolita começou com Annabel”.


“Suas pernas, suas encantadoras e nervosas pernas, não estavam muito próximas uma da outra e quando minha mão localizou o que eu buscava, uma expressão sonhadora e estranha, meio de prazer, meio de dor, estampou-se sobre aqueles traços infantis. [...] enquanto eu, com uma generosidade que estava pronta a oferecer-lhe tudo - meu coração, minha garganta, minhas entranhas - lhe dava para segurar, com sua mão desajeitada, o cetro de minha paixão” [sobre o primeiro e malogrado encontro a sós com Annabel].

“Desejo, agora, apresentar a seguinte idéia. Entre um limite de idade que vai dos nove aos catorze anos, existem raparigas que, diante de certos viajantes enfeitiçados, revelam sua verdadeira natureza, que não é humana, mas ‘nínfica’ (isto é, demoníaca), e a essas dadas criaturas proponho designar como nymphets. Notar-se-á que substituí os termos espaciais por termos de tempo. De fato, gostaria que o leitor visse ‘nove’ e ‘catorze’ como constituindo os limites – as praias cintilantes e os róseos rochedos – de uma ilha encantada e assombrada por essas minhas nymphets e cercada por vasto e brumoso mar. São todas as meninas, entre esses limites de idade, nymphets? Claro que não. Do contrário, nós que conhecemos esse segredo, nós, os viajeiros solitários, os nympholets, teríamos há muito enlouquecido. Tampouco a beleza serve para se formar qualquer juízo a respeito; e a vulgaridade, ou pelo menos o que uma determinada comunidade assim o classifica, não confere, necessariamente, certas características misteriosas, a graça tresloucada, o charme indefinível, astuto, insidioso, que despedaça almas e que distingue a nymphets de certas de suas coevas que dependem, de modo incomparavelmente maior, do mundo espacial dos fenômenos síncronos do que daquela intangível ilha de tempo extasiante em que Lolita brinca com as que lhe são semelhantes”.



“É preciso que seja um artista e um louco, uma criatura de infinita melancolia, com um borbulhar de veneno ardente no lombo e uma chama supervoluptuosa a arder permanentemente na delicada espinha (oh, como a gente tem de se aviltar e ocultar-se!), para se discernir imediatamente, mediante sinais inefáveis - o contorno ligeiramente felino de um osso malar, a esbeltez de um membro pubescente, bem como os outros indícios que o desespero, a vergonha e as lágrimas me impedem de enumerar -, o fatal diabrete entre as crianças saudáveis. Ela, a nymphet, passa despercebida entre as demais, sem que tenha, ela própria, consciência de seu fantástico poder”.

Bom, por questões de espaço e tempo devo agora encerrar por aqui, mas tem mais, muito mais. Pretendo, aos poucos, transcrever mais algumas partes que considero um deleite para os amantes das belas combinações de palavras.


domingo, maio 03, 2009

Uma pitada de irreverência


Quando eu era pequena (e boazinha) e mesmo adolescente (e rebeldíssima) sempre fui ótima aluna (percebe-se que não acalento falsas modéstias rsrs). Depois, quando entrei na faculdade, continuei a ser boa aluna, mas era cada vez mais indisciplinada. Se eu não gostava ou não concordava com algo, toda a minha petulância vinha à tona. Aos 17 anos (1979), quando terminei o colegial, resolvi sair de casa depois de uma briga com meu pai. Na verdade, eu queria sair muito antes, logo que me tornei rebelde (aos 12 anos) e achava que sabia o que queria . Eu tinha ânsia de viver com liberdade, mas meu pai era extremamente repressor. Nesses três anos que vivi fora de casa até entrar na faculdade, só eu sei as poucas e boas (na verdade são muitas e boas) que aprontei até voltar pra casa, claro, depois de levar uns bons tombos e aqueles tapas que a vida dá. Resolvi tentar ser normal (não sabia que isso seria tão difícil) e entrar na faculdade como toda boa moça bem educada. Tinha, então, exatamente 20 anos.

No final de 2008, ao fazer uma bela limpa em minha casa, armários e maleiros, encontrei muitos cacarecos e coisas que guardava há anos. Uma dessas tantas coisas foi uma monografia (que hoje eu a qualifico de um tanto irreverente) que me vi obrigada a fazer para a disciplina de biblioteconomia, quando cursava o 2º. Período (primeiro ano) de Comunicação Social na Universidade Estadual de Londrina. Entrei no curso em 1982, disposta a ser jornalista, e saí em 1984, ou seja, não concluí o curso (vê-se que minha disposição se arrefeceu com o passar dos anos: jornalismo não era a minha praia).

Bom, quando a professora solicitou, sem me dar qualquer tema específico, que eu fizesse uma monografia para a tal disciplina, querendo apenas que a monografia correspondesse às normas formais exigidas, eu fiquei a pensar: sobre o que vou escrever? Na verdade eu não imaginava qualquer conteúdo apropriado (e monografia soava como um "palavrão"). Naquela fase da minha vida eu era uma hedonista incorrigível (hoje sou uma hedonista corrigível rsrsr). Embora gostasse de ler, estudar, e tivesse muita vontade de escrever não sabia ainda bem o quê, eu queria mesmo era namorar, e só pensava em satisfazer meus desejos. Esse seria o tema mais apropriado à ocasião, mas minha autocensura não permitia que eu me expusesse assim. Resolvi, então, escrever a http://mariliacortes.blogspot.com.br/2009/04/monografia-do-pensamento-no-exato.html que se segue logo abaixo (encontrei-a escrita à mão, em forma de rascunho, num papel já bem amarelado pelos 27 anos em que ficou guardada numa caixa de cartas e outros papéis).

domingo, abril 26, 2009

Monografia do Pensamento no Exato Momento do Ato




MONOGRAFIA DO PENSAMENTO
NO EXATO MOMENTO
DO ATO

Sob a
orientação do tempo

Resumo

A disciplina I BIB 129 solicita uma monografia para poder avaliar a distribuição da forma dentro dos padrões que a UEL determinou. Para isso, apenas escrevo o que penso procurando encaixá-lo nas normas exigidas.

Introdução

Imagino que minha professora está lendo e não entendendo muito bem o que estou escrevendo. Então, sinto a necessidade de explicar, já que tenho a perfeita consciência de que o tema esperado não tem nada a ver com isso aqui. Mas como o tema que deveria ser abordado não estará terminado até o prazo exigido para a entrega, imaginei que poderia montar uma monografia com algum outro tema, pois a disciplina exige analisar apenas a sua forma. O conteúdo a ser avaliado não pertence a ela [ao objetivo da disciplina]. Portanto, improviso um.


I. Paro, penso e escrevo

É extremamente gratificante sentir a necessidade de escrever sem ter um objetivo predeterminado que não seja o escrever. Sem querer, a gente pára e pensa: o que vou escrever? Daí a gente percebe... mas por que tenho que pensar no que vou escrever se já estou escrevendo? E o que é melhor ainda. Escrevendo porque estou pensando que quero escrever. Só isso.

Mas só? (penso) (escrevo)
Só!
Por quê? (penso) (escrevo)
Porque devo escrever.
Mas por quê? (penso) (escrevo)
Ora, porque tenho que distribuir palavras que no todo tomem a forma de uma monografia.
Mas por quê?

Porque eu curso o II período de Comunicação Social e nele está incluída uma disciplina que ensina muitas coisas referentes à bibliotecoMANIA, entre as quais, inclusive, fazer monografias.
Como foi ensinado, o sistema exige que se avalie o aprendizado. E eu me comprometi a mostrar o que aprendi. Por isso tento escrever livremente para preencher o espaço, ou seja, dar a forma exigida. Pois é, nessa de escrever o que penso, pensei: preencher o espaço: o que significa isso? Pode ser tanta coisa... Como? por exemplo?

Preencher o espaço vivendo a vida.
Preencher o espaço existindo simplesmente
Preencher o espaço comunicando algo.
Preencher o espaço pensando...
E por que não, escrevendo, simplesmente?

É, realmente nada está a me impedir. Nem o (pré)conceito que faço, ao imaginar o que minha professora está pensando. Imagino que ela está surpresa, pois tudo que não é esperado surpreende! Oh...! Imagino que ela pode não considerar esta monografia e, ao mesmo tempo, que pode perfeitamente, desde que isto esteja tomando a forma de uma. Ainda não sei se está. Penso que devo dar uma olhadinha no manual para conferir. Só que constatei que no momento não tenho o manual à mão, e como pretendo continuar a aproveitar o tempo que está me orientando a fazê-la, arriscarei continuando a escrever.

Lembro-me que a mais simples das mais simples monografias exige que se anuncie o assunto resumidamente, introduza-o depois que se define o tema e, posteriormente, tem-se que apresentá-lo e discuti-lo, a partir de um determinado ângulo para, finalmente, fazer uma análise crítica conclusiva do tema tratado.

Pois é, onde parei?
Acho que parei na apresentação. Devo, portanto, determinar o ângulo a partir do qual estou vendo. Tento olhar agora, não a partir do ângulo, mas para o ângulo a partir do qual estou vendo.
O que vejo?
Vejo que meu ângulo só está determinado pelo tempo no qual me proponho a escrever.
Que tempo?
O tempo que passa me fazendo pensar para escrever.
No caso não poderia ser pensar “e” escrever?
Não, porque no momento penso só “para” escrever.
Depois que penso isso, naturalmente começo a analisar o que escrevi para poder criticar e concluir.

II. Análise crítica do pensamento colocado

Ao analisar os pensamentos acima descritos, verifico que está sendo apresentada uma proposta de poder cumprir uma exigência de forma, que não necessariamente preencha as tais solicitadas. Não se pode negar que esta forma é nova. E tudo que é novo pode ser bem ou mal aceito. Pois é, pelo que foi apresentado, vê-se que quem escreve está tentando dar um nó em quem está lendo.
Como é possível cumprir exigências sem cumprir exigências?
Como é a própria pensadora que escreve, infelizmente, não se pode fazer nada para ela parar com isso.
Isso o quê?
Isso de tentar cumprir sem cumprir?
Ué, mas não era impossível?
Diz-se que sim. Mas a pensadora insiste em tentar.
Nessa, ela só está escrevendo e enrolando. De qualquer forma, tudo o que foi escrito pode não ser aceito, mas é impossível negar: não se pode apagar. Tomara que o escrito chegue lá.
Onde?
Lá... naquele lugar que tem forma de monografia.

III. Conclusão

De tudo o que foi pensado só posso concluir que pensar para escrever livremente faz com que a mente se torne mais livre... 

FIM

Pergunto: onde é que eu estava com a cabeça? Sinceramente não me lembro o resultado... se entreguei o trabalho, se ele foi aceito, se tive uma boa nota. Mas não importa, o que importa é que agora eu me divirto lendo e lembrando disso.

terça-feira, abril 21, 2009

Apetite de viver e vontade de potência

Caro Aguinaldo, obrigada pelo comentário... sempre provocador!!! E já que rendeu interpretações diversas, resolvi publicar minha resposta nesse outro post.

Não acho que você interpretou mal. Mas sim de uma perspectiva unilateral. Acredito que o desespero pode ser entendido negativamente e associado à ausência de esperança, como algo que retira o amor de viver, como você falou. Mas também pode ser associado à esperança desesperada de vida, ou desespero de viver, de amar, de desejar e de ser feliz.

Posso dizer que fiz a associação que você fez em raríssimas situações em minha vida. O que me chamou a atenção na frase de Camus (e que me fez concordar com ele, por entendê-la a partir da minha vida, e não da dele) é a perspectiva, bem ao gosto nietzscheano (sorry rs), da Vontade de Potência, e, às vezes, mas só quando estou pessimista, ao gosto schopenhaueriano. No caso de Schopenhauer, refiro-me àquela vontade de vida insaciável, autofágica, sem direção e fim que nos leva a pendular do tédio à necessidade numa insatisfação desesperada. É um apetite desordenado, um desespero, mas não no sentido que geralmente eu entendo.

Meus desesperos não foram e não são raros, mas são desesperos que, em geral, aumentam o meu apetite de viver. Por isso simpatizo-me mais com a teoria nietzscheana (e aqui não quero entrar no mérito ou demérito de se Nietzsche é filósofo, poeta, bufão, louco ou dinamite) da Vontade de Potência, segundo a qual viveríamos (desesperadamente, a meu ver, se o quantum de vontade de potência for grande e forte) para ultrapassar limites, vencer desafios, culpas e ressentimentos – um auto superar-se, mas não naquele sentido piegas que a gente vive criticando rs.

Sendo mais radical, penso num desespero de poder vencer a morte. Não só a grande morte, no caso de a vida estar em risco, devido a uma doença fatal, um acidente grave, uma catástrofe, tragédia, ou apenas uma depressão profunda que, no extremo, te leve ao suicídio; como as pequenas mortes que vivemos em vida, ou seja, toda e qualquer perda que nos custe caro - como a de um amor, por exemplo.

Antes de associar desespero à falta de esperança, associo-o à esperança desesperada de superar (ou não ter que passar por) tudo isso aí que eu falei. É a idéia do náufrago que diante da consciência da morte iminente, agonizante, agarra-se a uma palha (ou tábua) na esperança de permanecer vivo: é desespero, mas é desespero de vida, de amor pela vida e por si próprio.

Você mesmo já me falou em algumas situações: nossa! como você ama a vida! não se desespere! Numa dessas vezes eu estava mesmo desesperada... e de medo! Voltávamos de Passo Fundo e na estrada despencou aquela chuva torrencial que tornou a viagem extremamente tensa e perigosa. Não enxergávamos um palmo adiante do nariz, não dava pra parar nos acostamentos, verdadeiras correntezas se formavam nas baixadas e curvas.

Enquanto isso, do outro lado do Estado do Paraná, minhas filhas mais novas também estavam na estrada, voltando de São Paulo com o pai, e eu, ali, com aquele espírito terrivelmente trágico, sofria desesperadamente com a idéia de que eles poderiam estar numa mesma (ou pior) situação, e que, portanto, alguma tragédia poderia ocorrer, fosse com eles ou conosco. O que me restava? Uma esperança desesperada de ultrapassar tudo aquilo e viver (apesar de tudo, pra mim, la vita è bella rsrs).

Quero (e acho que todo mundo quer) viver bem, feliz, com satisfação e prazer. Mas você sabe... não me agrada viver mornamente (não que eu goste de passar pela situação acima descrita). Como sou imperfeita, transbordo pelas tampas e peco, naturalmente, e na maioria das vezes, pelo excesso: excesso de intensidade rsrs. É isso que faz com que eu me identifique com o apetite desordenado, desespero e amor de viver de que Camus fala. Tá certo que com a experiência consegui ordenar melhor esse meu apetite, mas ainda faço muita desordem nessa vida hehehe.

Um beijo.


domingo, abril 12, 2009

O apetite desordenado de viver


No prefácio que Albert Camus (1913-1960) escreve em O Avesso e o Direito, ele mesmo se refere à frase "Não há amor de viver sem desespero de viver", revelando que na época em que a escreveu (aos 22 anos), "não sabia a que ponto dizia a verdade" pois "não tinha atravessado, ainda, os tempos do verdadeiro desespero." A frase se encontra no ensaio Amor pela Vida.

É engraçado, a primeira vez que li essa frase (bom... eu já tinha 39 anos), meu coração disparou e nunca mais parou de disparar por ela.

Ela está duplamente grifada: no prefácio e no ensaio. Cada vez que a leio sinto-me profundamente tocada. Verdade ou não, ao rememorar meus 22 anos, lembrei-me que eu já havia experienciado sim, algumas vezes (e não poucas), o verdadeiro desespero, não só já aos 22 anos, como a todos os que se seguiram e se seguiam...

Alguém poderia pensar agora: NOSSA! O que será que ela viveu tanto assim para falar em verdadeiro desespero? Eu diria, eu vivi muitas coisas que não vêm aqui ao caso (uma hora dessas eu conto... rs, em partes, é claro!). O ponto não é o quê (o quid), mas como eu vivi cada segundo dessa minha vida, com que intensidade: dúvidas, incompreensões, erros, euforias, alegrias, dores e dilemas morais, desejos, frustrações, medo, amor, ódio, algumas dores físicas... ah... como briguei comigo e com o mundo, como quis que o universo se ajustasse aos meus desejos, como chorei, como virei do avesso, como tentei me endireitar (em algumas coisas eu consegui haha), como ri, como me regozijei, como me desesperei!

Camus diz que estes tempos chegaram e conseguiram destruir tudo nele, "exceto, justamente, o apetite desordenado de viver." Eis outra frase que me arrebata, pois isso nada mais é do que paixão, um tema que eu persigo e que me persegue: esse apetite desordenado de viver.

Camus revela ainda sofrer dessa paixão, "ao mesmo tempo fecunda e destrutiva, que explode até nas páginas mais sombrias de O Avesso e o Direito". Ele fala em "ardor esfomeado", no que a vida tem de melhor e pior. Isso me faz lembrar o amor fati de que Nietzsche fala, de seu reclame à retomada do espírito trágico. Depois, Camus cita Stendhal: "Mas a minha alma é um fogo que sofre se não arde."

Os ensaios reunidos em O Avesso e o Direito foram escritos entre 1935 e 1936 e publicados em 1937, na Argélia, em tiragem muito reduzida. A edição foi rapidamente esgotada e Camus se recusou a reimprimi-la por 20 anos. Quem quiser saber por que terá de ler o prefácio que o autor adicionou à sua reedição. Só o prefácio já vale a obra. E a obra... ah... a obra, você terá de ler também. E acho que não é preciso dizer por que...

domingo, março 08, 2009

Ilusão, crença, esperança, paixão e auto-engano

Querido Aguinaldo

Obrigada pelo comentário em Felicidade e Ilusão . Você, como sempre, toca em pontos interessantes e fomentadores de discussões (isso dá um trabalho... rs). Não sei bem, mas me parece que nossas divergências em relação à ilusão se resumem a pontos de vista e associações de idéias ao termo.

Diferentemente do seu ponto de vista, tentei relacionar a felicidade e a ilusão de um ponto de vista objetivo, detendo-me mais na letra do que no espírito do que a Marquesa diz. Daí que eu não teria propriamente objeções a fazer, embora eu não possa deixar de me questionar sobre alguns pontos.

Fiquei a pensar nas associações que você fez. Primeiro associou o termo ilusão à ilusão de ótica, depois à crença, depois, quando falou do amor, à esperança e à paixão, e depois ainda, ao auto-engano (que nesse caso podemos apenas chamar de um “mecanismo inconsciente constitutivo de nossa natureza”). Curioso.

Você pergunta: “Se afirmo que a noite faz um silencio absoluto, estou sendo conduzido pelos meus imperfeitos poderes auditivos, haja vista não poder captar muitos sons que escapam à limitada capacidade que tenho de escutar. Mas será um erro afirmar, do meu ponto de vista, que a noite está absolutamente silenciosa? Acho que não”.


Bom, pensei também no sol, por exemplo, que é visto por nós bem pequeno em relação a seu tamanho real. Objetivamente ele é enorme, por razões já bastante conhecidas. Será que a questão então se resumiria em como eu vejo o mundo e como ele é de fato? Vou dar um exemplo que provavelmente não diríamos que é um caso de ilusão de ótica, mas penso que pode ser chamado de ilusão, no sentido em que você empregou o termo, ou visão equivocada, no sentido em que eu o tomei.

Por muitos anos mantivemos a visão, ilusão ou crença de que a terra era o centro do universo e que o sol girava em torno dela, até que Copérnico nos fez saber que o centro era o sol e que é a terra que gira em torno dele. Intuitivamente percebemos a terra parada, mas (contra - intuitivamente) agora sabemos que a terra gira também em seu próprio eixo. Você não diria que ao acreditarmos naquilo incorríamos em erro, ou que tínhamos uma visão equivocada desses movimentos? E que depois de Copérnico corrigimos nossa visão? Ao menos a meu ver, não vejo aqui como dissociar ilusão e erro.



Depois você diz: “veja o caso de Deus. Afirmar que Deus existe é um erro ou uma ilusão? Parece-me apenas uma ilusão muito mais do que um erro. [...] Como é insolúvel a questão sobre se Deus existe ou não (admito isso sem discutir), afirmar que ele existe não poderá ser dito um erro (pode ser que ele exista). Parece-me muito mais uma ilusão.” Ok, isso me fez perguntar: qual a diferença, então, entre crença e ilusão? A pergunta vale também para o ponto que você coloca sobre a liberdade.

Em relação ao amor você afirma “Ora, nenhum ser destituído de ilusão poderá pensar que um outro ser possa lhe trazer felicidade”. Mas por que não? Porque ele perceberá que uma felicidade duradoura, em sentido pleno, não deve, por questão de segurança, depender de um outro ser. Mas talvez um ser destituído de ilusão possa perceber que embora a sua felicidade não deva depender de um outro ser, esse outro ser pode contribuir em muito para sua felicidade, caso contrário teríamos de dizer ou que somos capazes de ser feliz independentemente de qualquer coisa, ou que só podemos ser felizes com alguém se nos mantivermos sempre iludidos, digamos, fora da realidade - e aí eu não me simpatizo mesmo com a idéia. Aliás, a associação do termo ilusão que me é mais simpática é a que relaciona ilusão à arte, ao encantamento proporcionado pela criação e contemplação estéticas. Agora, interessante que esse encantamento não deixa de ser algo que poderia ser também chamado paixão.

Você pede para eu perceber que você fala em "momentos", “pois há algo na ilusão que diz respeito ao desligamento dos botões do tempo. Não somos nós que apertamos o botão para que o tempo deixe de existir. Simplesmente o tempo deixa de existir e então ocorre o mergulho. E cremos, talvez com nossas mais poderosas forças, naquilo que a ‘suspensão do tempo’ nos oferece. E não será completamente ilusório pensar que nossa existência goze de algo fora do tempo? Naturalmente não teria sentido eu pensar: ‘sou feliz e sou iludido’. O que ocorre parece ser algo como: ‘sou feliz’. E depois: ‘eu era feliz (e iludido)’.” Diante disso, fiquei a pensar: será que sempre que estou feliz é porque estou iludida? Não pode haver felicidade sem ilusão? O que é felicidade real e o que é felicidade ilusória? Podemos, com propriedade, admitir como felicidade (em sentido pleno) uma felicidade ilusória? Podemos mesmo ser felizes ou podemos apenas ter a ilusão de que somos felizes?

Bom, acho que quando li pela primeira vez o Discours da Marquesa estava sob a influência da eudaimonia. Percebi que o tratamento que dei para a idéia de felicidade envolvia algo de mais pleno e duradouro, uma concepção, digamos, mais próxima da aristotélica, aquela que se diz amealhada “numa vida completa”, uma vez que, “um dia, ou um breve espaço de tempo [um momento ou alguns momentos], não faz um homem feliz e venturoso”. Agora, como você bem sabe: penso, logo, mudo de idéia... haha.


Quanto à sua última observação, não entendi qual a nossa divergência: não disse em momento algum que existe um número maior de mulheres que superam os homens, mas que podemos constatar numa proporção sem precedentes apenas, que muitas mulheres superam em muito muitos homens. E não pensei só na academia, mas em atividades variadas (como a política, por exemplo, ou qualquer outra atividade antes delegada e permitida apenas aos homens). O que me parece notável é a progressão aritmética deste quadro que, acredito, se deu com a liberdade que elas conquistaram, dentre outros fatores sócio-histórico-culturais.

Você pensa que eu sou muito otimista sobre as diferenças entre homens e mulheres. É verdade, sou mesmo, e penso que você tem uma idéia um tanto preconceituosa em relação às múltiplas capacidades das mulheres, se esquece que hoje, a exceção de atividades que exigem uma força máscula (ou que são mais apropriadas mesmo aos homens - não me peça para dar exemplos rs), elas revelam poder exercer qualquer outra atividade tão bem ou melhor do que muitos homens. Concordo que há muitas diferenças biológicas (ou de natureza) entre mulheres e homens, diferenças que contribuíram para que o quadro fosse restritíssimo para elas exercerem muitas atividades em tempos mais remotos, mas que muitas dessas restrições foram conseqüências do que fizeram (e fizemos) com a natureza das mulheres (nada a ver com aquele blá-blá-blá de vítimas).

Filosofar, por exemplo, depende não só de capacidade e inclinação naturais, mas de tempo, ócio, reflexão, liberdade e acesso. Ora, se às mulheres cabia, em parte por natureza, e em parte por imposição do contexto em que viviam, unicamente os cuidados consigo própria, a casa, filhos e marido, que tempo, acesso e liberdade restavam a elas para se dedicarem à filosofia, ou mesmo à política, à engenharia ou à medicina? Nada disso era acessível a elas. Muito poucas tinham acesso aos estudos. E isso mudou, alterando completamente o quadro estatístico. Acredito que há algo que podemos fazer além de nos dobrarmos a nossas determinações e características genéticas. E as mulheres estão saindo do armário, como diz o Milk em relação aos gays. Talvez, num futuro longínquo, tais mudanças possam ser ditas frutos de uma evolução da espécie (ou do gênero mulher), uma seleção natural dos mais fortes e aptos. E acho que não precisamos aqui falar em números.

Preciso dar um fim nisso. Hora de trabalhar!
Obrigada por vascolejar minhas idéias. Beijo e me liga ...

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Felicidade, amor pelos estudos e ilusões



Num desses felizes encontros casuais me deparei, ao entrar na USP, com uma mesa cheia de livros de filosofia expostos ali para vender. Uma tentação para quem gosta. Não resisti. Parei, toquei alguns, passei os olhos por aqui, por ali, respirei fundo (para sentir o cheiro daqueles livros novinhos), abri um, li partes, abri outros, devorei trechos, pensei: compro-ou-não-compro? Calculei os custos e benefícios e, controlada, comprei dois: um, dentre tantos que necessito: A Política de Aristóteles; e outro, que não conhecia, mas que me despertou uma curiosidade gostosa: o Discours sur le bonheur, de Madame Du Châtelet.


Quem seria essa mulher que escrevia, em meio a toda profusão grafomórfica sobre o assunto (muitos tratados, ensaios, cartas, poesias, teorias e teses sobre a felicidade já foram escritos) esse pequeno Discurso sobre a Felicidade - um tema que interessa a qualquer ser humano digno de assim ser chamado?

Penso que todos haverão de concordar com a máxima de que “todos os homens desejam ser feliz” e que, por isso, todos, de uma maneira ou de outra, buscam a felicidade. Porém, nem todos concordariam, como disse Aristóteles, quanto ao que seja a felicidade (EN I 1095a 20) e quais os meios para alcançá-la. Mas é notável que a idéia de felicidade reúne elementos comuns (e universais) facilmente aceitáveis para qualquer cabeça pensante (que pense minimamente bem, é claro!).

Por exemplo: a maioria das pessoas concordaria que a felicidade é um bem desejável, aliás, lembremos novamente Aristóteles, o bem mais desejável de todos (EN I 1097b 15), e que ela tem relação com ações, paixões, prazeres e dores, virtudes e vícios. Não são poucos os exemplos disso encontrados nas diversas obras sobre o tema.

Um exemplo dessa relação nos oferece Epicuro em sua Carta sobre a felicidade (a Meneceu): “De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas”(p. 45-46).

Bom, o Discours sur le bonheur de Émilie du Châtelet [1706-1749] despertou minha curiosidade não só pelo tema (já que eu também persigo a felicidade, como todo e qualquer mortal comum), mas também porque foi escrito por uma mulher. E, pasmem, uma mulher do século XVIII, tempo em que a atividade filosófica era, raríssimas exceções, reservada aos homens.

Abri e avidamente devorei aquele livrinho: uma nova personagem da literatura filosófica francesa do século XVIII apresentava-se a mim, conhecida não só por sua personalidade e comportamentos inusitados para a época, mas também por sua erudição filosófica, literária e mesmo científica. Muito se tem a dizer sobre a vida e escritos dessa mulher que não caberia aqui nesse pequeno espaço. Por isso, limito-me a tecer apenas alguns comentários.

Segundo Elisabeth Badinter, que escreve um pequeno prefácio à tradução da obra, a pergunta que se coloca nesse pequeno discurso é: “como ser feliz neste mundo e, sobretudo, quando se trata de uma mulher que, apesar de excepcional, vê proibidas para si quase todas as ambições e glórias permitidas aos homens?”

E mais, ao passar das reflexões gerais sobre a felicidade a reflexões e confidências mais íntimas sobre seu caso particular, a pergunta de Madame Du Châtelet desdobra-se também em “como ser feliz, enfim, quando se é uma amante apaixonada exclusivista e tirânica?”

Como se essas questões já não fossem suficientemente interessantes, é digno de nota que Du Châtelet estudou obstinadamente matemática, física e metafísica e foi considerada “a mais consistente e completa das ‘eruditas’ de sua época”, reconhecida (a contragosto de muitos) pelo mundo científico. Ademais, era uma amante (e notem, por favor, não uma esposa) apaixonada por ninguém mais ninguém menos do que Voltaire. Nesse sentido, deu o que falar, pois não só separou-se do marido e viveu por alguns anos um romance com Voltaire, como também, ao separar-se deste, alguns anos depois, “perdeu a cabeça” novamente por um jovem oficial da corte de Lorena chamado Saint-Lambert, dez anos mais novo do que ela, provocando assim um escândalo na sociedade ao engravidar dele aos 41 anos de idade.

Bom, façamos um recorte do que aqui interessa agora ser comentado, ou seja, ao menos algumas fontes e detalhes que podem, segundo Émilie, contribuir para a nossa felicidade.

Madame Du Châtelet diz que “devemos começar por nos dizer – e nos convencermos disso – que nada temos a fazer nesse mundo a não ser nos proporcionar sensações e sentimentos agradáveis. Os moralistas que dizem aos homens: reprimam suas paixões e controlem seus desejos se quiserem ser felizes, não conhecem o caminho da felicidade. Só se é feliz com os gostos e paixões satisfeitos; digo gostos, porque nem sempre se é suficientemente feliz com as paixões, e, na ausência de paixões, é preciso contentar-se com os gostos. Deveríamos, portanto, pedir paixões a Deus, caso ousássemos pedir-lhe algo” (pp. 4-5).

Curioso isso, pois vocês leitores não perguntarão a ela se as paixões não nos fazem mais infelizes do que felizes? Ça dépend, eu diria: é preciso qualificar as paixões. Émilie considera as paixões que contribuem para a nossa felicidade (as chamadas paixões virtuosas) e as que nos arrastam à infelicidade (paixões viciosas). Além disso, afirma : “... quanto menos nossa felicidade depende dos outros, mais nos é fácil ser feliz” (p.20). Nesse sentido, uma das paixões que Émilie considera virtuosa e menos dependente dos outros é a paixão pelo estudo:



“... por essa razão de independência, o amor pelo estudo é, de todas as paixões, a que mais contribui para nossa felicidade. No amor pelo estudo encontra-se encerrada uma paixão da qual uma alma elevada jamais é inteiramente isenta, a da glória; para a metade das pessoas, existe apenas essa maneira de conquistá-la, e a essa metade justamente a educação arrebata os meios de alcançá-la, tornando-lhe a fruição impossível” (p. 21).

É claro que essa paixão específica não captura a todos. É preciso ter inclinação para ela. Mas Du Châtelet observa que “o amor pelo estudo é menos necessário à felicidade dos homens que à das mulheres”. Ora, por quê? Primeiro é preciso lembrar que estamos no contexto do século XVIII, época em que as mulheres tinham poucos, digamos assim, instrumentos para alcançar a felicidade. Às “mal-nascidas” ou desprovidas de nobreza e riquezas, restavam-lhes o casamento, filhos e afazeres domésticos. E se a sorte não colocasse em sua vida um bom (pra não dizer excelente) casamento (e aqui não é fácil determinar o que significa um excelente casamento) e bons filhos, aí é que a felicidade tornar-se-ia mesmo impraticável. Já “os homens têm uma infinidade de recursos, que faltam inteiramente às mulheres, para serem felizes” (p. 21).

Certamente podemos empregar os verbos dessa última frase no passado, pois hoje, em pleno século XXI, as coisas não são mais assim. Atualmente a mulher conquistou muito do espaço que antes era reservado apenas aos homens. Aliás, permitam-me que eu me divirta um pouco rsrs, podemos constatar que, numa proporção sem precedentes, muitas mulheres superam em muito muitos homens (hehe, está aí Andrea Faggion que não me deixa mentir).

Mas voltemos ao século XVIII. Nessa época, os homens tinham muitos outros meios de se chegar à glória (uma paixão reconhecidamente das mais desejáveis). Eles podiam “tornar seus talentos úteis a seu país e servir seus concidadãos, por sua habilidade na arte da guerra, ou por talentos para o governo, ou ainda pelas negociações” - ambições, segundo Du Châtelet, “bem acima da glória que é possível se propor pelo estudo”. Já as mulheres eram “excluídas por sua condição, de qualquer espécie de glória”, mas quando, por acaso, se encontrava alguma que havia nascido com a alma elevada, só lhe restava o estudo para consolá-la de todas as exclusões e de todas as dependências às quais ela se encontrava condenada por condição (cf: p. 22). Era o caso dela.

É engraçado que esse quadro mudou muito, no sentido que indiquei acima, ou seja, de que as circunstâncias em que as mulheres vivem hoje já não limitam tanto os meios que elas têm de alcançar a felicidade. Mas nem por isso o amor ao estudo (válido evidentemente para aquelas que têm uma inclinação natural a ele) deixou de ser “um recurso seguro contra as desventuras” [...] “uma fonte inesgotável de prazeres” (p. 23-24). E nisso eu concordo com ela, embora eu pense também que o estudo (ou o conhecimento) contribui para que nos dispamos de muitas ilusões, um outro elemento que curiosamente Madame Du Châtelet afirma ser necessário para a felicidade.

Diz ela: “Para ser feliz é preciso desfazer-se dos preconceitos, ser virtuoso, gozar de boa saúde, ter gostos e paixões, ser suscetível de ilusões, pois devemos a maioria de nossos prazeres à ilusão, e infeliz de quem a perde. Em vez, portanto, de tentar fazê-la desaparecer com a chama da razão, tratemos de adensar o verniz com que ela reveste a maioria dos objetos; este é-lhe ainda mais necessário do que os cuidados e os adereços o são para nossos corpos” (p. 4).

É como se ela dissesse que certos objetos necessitassem de um verniz que escondesse suas imperfeições e misérias, um verniz que desse brilho e adornasse o que em si seria demasiadamente fosco e cru. Não sei se essa idéia cai bem à minha natureza, mas muitos dizem que, na medida do possível, quanto menos sabemos sobre a realidade das coisas, quanto mais ignorantes, mais facilmente somos felizes. Mas até onde sei, o estudo é um antídoto à ignorância e ilusão. Nesse caso, para não acusarmos Émilie de flagrante contradição, é preciso esclarecer o que ela entende por ilusão, pois, em geral, entende-se que a ilusão, se não se identifica com o erro, ao menos flerta com ele. Os filósofos vivem dizendo: ah... isso não passa de ilusão, associando-a ao erro. E Du Châtelet considera que “o erro jamais pode ser um bem, e certamente é um grande mal nas coisas de que depende a conduta da vida”(p. 11).

Émilie questiona se a ilusão é um erro e responde com um NÃO em alto e bom tom. Para ela, “a ilusão não nos faz ver os objetos inteiramente tal como devem ser para dar-nos sentimentos agradáveis”. O que a ilusão faz é acomodar os objetos à nossa natureza, tal como a ilusão de ótica que, embora não permita que vejamos os objetos tais como são, na verdade, não nos engana. A ótica nos faz ver os objetos “da maneira que é preciso que os vejamos para eles nos serem úteis” (pp. 15-16). Ops, como assim? Úteis? Acho que preciso de exemplos para entender isso.

Ela pergunta: “Por que razão eu rio mais do que ninguém no teatro de marionetes, senão porque me entrego mais do que qualquer outro à ilusão e, ao final de quinze minutos, acredito que é Polichinelo quem está falando? [...] que prazer teríamos com um outro espetáculo em que tudo é ilusão, caso não nos entregássemos a ele” (p.16)?

Bom, é verdade que se formos assistir a um espetáculo que se pretende ilusório (pois há aqueles que prezam o realismo), vestidos com uma armadura anti-ilusão, dizendo o tempo todo: bah, isso é pura ilusão! ele não atingirá seu fim, não cumprirá a sua função, não nos será útil, tampouco a nossa ida até lá. Nesse caso, parece-me que o que Émilie quer dizer é que a ilusão cumpre uma função na vida feliz. Qual seria essa função? Enganar-nos? Ora, mas o engano não é um erro? Não necessariamente. (Sinto que estou me enrolando rsrsr). Seria a de manter-nos acreditando que aquilo em que cremos é, sem dúvida, verdade mesmo? Ou, quem sabe, a de revestir, adornar ou adoçar a realidade amarga, nua e crua? Ich, percebam que dei voltas e acabei esbarrando no mesmo ponto.

Última tentativa de acomodar essa idéia. Recorro aqui à outra parte do Discours na qual Émilie fala de amor e ilusão.

“uma alma terna e sensível é feliz pelo simples prazer que experimenta amando; não quero dizer com isso que se possa ser perfeitamente feliz amando, conquanto não seja amado; mas digo que, embora nossas idéias de felicidade não se encontrem completamente ocupadas pelo amor do objeto que amamos, o prazer que sentimos em entregar-nos a toda a nossa ternura pode bastar para nos tornar felizes; e, caso essa alma tenha ainda a ventura de ser suscetível à ilusão, é impossível que não se acredite mais amada do que talvez o seja efetivamente; ela deve amar tanto, que ama por dois, e o calor de seu coração complementa o que realmente falta à sua felicidade” (p. 30).

Eis aí algo que não me desce bem novamente. De qualquer modo, vamos lá. Num certo momento do texto, Châtelet revela que foi feliz durante dez anos com o amor daquele que subjugara sua alma, mas que “quando a idade, as enfermidades e talvez também um pouco a facilidade do prazer reduziram-lhe o sabor” (p. 32), por um bom tempo não se apercebeu; amava por dois, e seu coração, isento de suspeita, usufruía o prazer de amar e a ilusão de se acreditar amada. Mas depois, perdeu essa condição “bem-aventurada”, claro, à custa de muitas lágrimas.

Percebo por que a idéia não me cai bem. Para que a ilusão possa valer como ingrediente de felicidade, é preciso que nunca a percamos, pois, uma vez perdida, adeus felicidade: quanto maior a felicidade ou o prazer que a ilusão nos proporciona, maior a dor e infelicidade ocasionada pela desilusão, pela perda daquilo que acreditávamos ser verdadeiro. Seria preciso, para conservar a felicidade, conservar a ilusão. Será que Émilie concordaria com isso? Talvez, ao menos é o que se depreende da seguinte passagem.

“Não sei, contudo, se alguma vez o amor já uniu duas pessoas feitas a tal ponto uma para a outra que jamais conheceram a saciedade do gozo, o arrefecimento motivado pela segurança, a índole e a insipidez geradas pela facilidade e pela continuidade de uma relação cuja ilusão jamais é destruída (pois onde ela entra mais do que no amor?) e cujo ardor, enfim, foi igual no deleite e na privação e pôde tolerar igualmente as desventuras e os prazeres” (grifo meu, p. 29).


sábado, janeiro 24, 2009

Sob a pena da morte




“... a melancolia inclui as coisas mortas em sua contemplação, para salvá-las” (Walter Benjamin)

Sempre me pego pensando na morte (isso não significa que eu seja nefasta). Penso na morte levada por uma certa dose de melancolia. Não preciso de muitas doses pra isso, apenas uma certa dose. Percebo que enquanto não morremos definitivamente, vivemos muitas mortes em vida. A morte vem a conta-gotas. Embora eu sempre pense na morte, não tenho a menor inclinação para o suicídio. Profundamente mesmo, só uma vez desejei morrer, e isso já faz uns quatro anos. Mas não quis me matar. Esfacelada, quis deixar-me morrer, aos poucos, de tristeza. Demorei a sair daquele estado, mas meu apego à vida, minha vontade de vida, instinto de conservação ou “coisa que o valha” (essa expressão me lembra alguém), falaram mais alto. E eu voltei: saí daquele estado de auto-abandono. 

Em geral, minha alegria e vontade de vida falam mesmo mais alto, mas eu tenho sim vontade de morte (pulsão, diria Freud). A tristeza, a melancolia, a dor na alma (quem as pode negar quando elas nos abatem?) conduzem meus pensamentos à morte. Já morri incontáveis vezes nessa vida. Perdi a conta das gotas. Nesses dias de muita tristeza, não funciono direito, o trabalho não anda, e se anda, só na marra. Tendo a diletar. Tenho necessidade de ficar quieta, ensimesmada, no redemoinho de meus próprios pensamentos. 

Mas minha casa é muito agitada (os deveres para com ela e minhas filhas me chamam a cada instante). Fico brigando comigo mesma (e muitas vezes com elas), num mau-humor desgraçado. I get unbearable. Brava, emburrada, bicuda e chorona, chuto as paredes, bato as portas, dou murros em pontas de facas. Minha única saída é trancar-me em meu quarto. Começo a folhear livros, especialmente de poesias. Procuro poesias de amor e de morte. Trechos de tragédias, romances, contos e filosofia. É uma maneira d’eu me acalmar, mergulhar na tristeza. 

Imagino alguém a se perguntar agora: mas por que ela não foge da tristeza em vez de procurar mergulhar nela? Não seria mais saudável? Talvez! Mas não vejo assim! Na verdade vejo algo de belo e sublime na tristeza, eu diria, uma estética no sofrimento, uma estética do sofrimento... pois o que seria da poesia, da música, da arte, da literatura e da filosofia, se seus gênios não experienciassem, com todo o ardor de suas almas, a dor do amor e da morte? Enfim, da própria existência? E como eu poderia apreciá-los tanto se eu não pudesse absorver e partilhar ao menos um pouquinho dos pensamentos, obras e sentimentos deles?

terça-feira, janeiro 13, 2009

Epitáfio


Um  dia, no ano de 1987, ganhei de aniversário do meu pai uma agenda chamada Diário Poético de Mário Quintana. Cada página, de cada dia, trazia um poema, um verso, uma trova ou uma frase.

Bom, já se passaram 22 anos e eu nunca consegui me desfazer dessa agenda. Ao fazer uma arrumação geral na tranqueirada, encontrei-a esquecida numa velha prateleira, toda amarelada, carcomida pelo tempo, com a capa desmantelada (mas colada com papel contact), e, imagino, uma quantidade incalculável de inimigos invisíveis - colônias de fungos que se alimentam dos restos de cola e papel velho. Pensei: devo jogar fora? Talvez... mas imediatamente me convenci de que não.
Ganhei do meu pai (motivo mais do que suficiente).
E eu gosto dela... ponto final!

Depois, vacilei novamente: puxa, mas está velha demais, carcomida demais! Tsts... deixa eu dar mais uma olhada. Sabia que a tinha guardado porque gostava, de vez em quando, de ler e refletir sobre um poeminha ou outro, em geral, tão simples e curtinho. Li vários novamente. Diversos me chamaram a atenção; outros não! Mas esse, ah... esse eu não resisti. Eis-o aí:

Epitáfio

Que importa restarem cinzas,
Se a chama foi bela e alta?

[Well... gosto pela simplicidade, pela impassibilidade, mas nem sou tão simples e impassível assim, aliás, não sou nada assim. Talvez, por isso, eu goste].

domingo, dezembro 14, 2008

Reflexões acerca de uma excursão pelas montanhas




























Dia desses um aluno me perguntou se eu era obrigada a participar das bancas de monografia ou TCCs que me aguardavam nos próximos dias. Expliquei-lhe que não, que os professores eram convidados (e não intimados) a compô-las, por isso, poderiam aceitar ou não. E conversei sobre a importância de participar de algumas bancas, já que isso faz parte do métier, e o quanto isso poderia ser interessante.

Esclareci, é claro, que não aceitaria, por exemplo, participar de uma banca sobre Hegel, Heidgger, Husserl (pra ficar só nos Hs), porque são autores que não estudo (apenas li por alto). Mas que aceitaria participar de bancas sobre Hobbes, Locke, Tomás de Aquino, Anselmo, Agostinho (sempre levando em conta o tema), enfim, que poderia participar da banca sobre autores que me são mais familiares.

Um autor que já estudei e volta e meia o retomo é Schopenhauer. Ao ler o TCC do Jorge Prado (um TCC nota 10), encontrei ali uma pequena citação que não conhecia, extraída de uma obra que eu também não conhecia. Sorvi aquele pequeno trecho com um prazer indescritível (não só aquele, mas aquele era especial, grávido de beleza e profundidade).

A despeito dos vários significados que a filosofia toma ao longo de sua história, bem como dos modos de se definir o que é filosofia, eis aí uma bela metáfora, uma definição, penso, mais poética do que filosófica (o que em hipótese alguma a desmerece, mas sim a enaltece), do que é filosofia:

"A filosofia é um elevado caminho montanhoso, o qual só se pode acessar seguindo uma vereda escarpada e pedregosa, cheia de pungentes pedregulhos. Essa via de acesso é uma senda solitária, que se torna mais intransitável quanto mais se ascende por ela. E quem a toma não deve abrigar temor algum, mas sim mostrar-se disposto a deixar tudo atrás de si, confiando em traçar seu próprio caminho sobre a fria neve. Ao bordejar o abismo e contemplar esse verde vale que ficou abaixo, experimentará uma poderosa sensação de vertigem. Mas terá de sobrepor-se a ela e sujeitar-se às rochas, ainda que seja com seu próprio sangue. Logo terá o mundo a seus pés, de sorte que seus pântanos e desertos se esfumacem, tornando, assim, qualquer irregularidade uniforme, até que suas dissonâncias deixem de importar. E em meio à semelhante atmosfera, tão pura quanto refrescante, nosso alpinista vê já o sol, ainda que abaixo reine, todavia, a negra noite."


(­­­­­­­­­­­­­­­­­SCHOPENHAUER, Arthur. Escritos inéditos de juventud: sentencias y aforismos II. Tradução de Roberto R. Aramayo. Valencia: Pre-Textos, 1999, p.27).

[Tela: O viajante sobre um mar de nuvens, 1818 Caspar David Friedrich (Alemanha, 1774-1840) óleo sobre tela, 98 x 74 cm Kunsthalle Hamburgo, Alemanha].

segunda-feira, outubro 27, 2008

XIII Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Unioeste/Toledo


Entre os dias 27 e 31 de outubro acontece o XIII Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Unioeste de Toledo, e eu estarei lá!!!
Eis o resumo da minha comunicação:

RELIGIÃO E MORALIDADE NA FILOSOFIA DE HUME


Penso que a crítica de Hume à religião insere-se em seu projeto maior de construir uma filosofia moral, ou ciência da natureza humana, ao mesmo tempo em que visa destruir a má metafísica ou metafísica das escolas, conforme distinção que ele mesmo apresenta em algumas passagens espraiadas por suas obras. No § 12 da seção I da Investigação sobre o Entendimento Humano (IEH), por exemplo, Hume diz: “devemos dedicar algum cuidado ao cultivo da verdadeira metafísica a fim de destruir aquela que é falsa e adulterada”. Para realizar esse objetivo, Hume debruça-se sobre o tema da religião natural e revelada a fim de examinar a validade dos argumentos em favor da existência de Deus (ou Deuses), seus atributos e plano providencial. Nesse sentido, a seção XI da IEH, acredito, pode e deve ser vista como uma importante peça introdutória da crítica que Hume faz ao argumento do desígnio ─ segundo o qual a existência de um criador infinitamente benevolente, justo e sábio pode ser inferida a partir da ordem e da beleza do mundo ─ bem como um componente de sua crítica à Religião Natural em geral. Podemos encontrar nesta seção muitos argumentos que serão desenvolvidos de maneira mais profunda e completa nos Diálogos sobre a Religião Natural (DRN). Todavia, embora Hume se sirva nesta seção do argumento do desígnio como um instrumento de sua crítica à religião em geral, seu alvo principal é, conforme o título indica, discutir a existência de uma providência particular e de um estado vindouro. O ponto de Hume é mostrar que não temos boas razões para argumentar em favor de uma providência particular e de um estado vindouro com base neste argumento, embora revele que não está, propriamente, a negar a existência divina. Ao contrário, ele enfatiza que o principal ou único argumento aceitável em favor dela deriva da ordem natural. Mas a seção abrange também aspectos ulteriores. Hume defende que negar a providência divina e uma vida pós-morte não ameaça a ordem social e política, uma vez que a moral, entendida aqui especialmente como um dos pré-requisitos para a manutenção da paz da sociedade e segurança do governo, pode, conforme algumas teses defendidas por ele, ser fundamentada ao longo de linhas laicas, sem qualquer apelo a mandamentos morais divinos. No Tratado da Natureza Humana (TNH), ao tratar do tema da liberdade e responsabilidade moral, Hume diz que a religião tem sido desnecessariamente envolvida nessa questão. Ali ele assinala um péssimo expediente em discussões filosóficas “tentar refutar uma hipótese a pretexto de suas conseqüências perigosas para a religião e a moral”. A hipótese da qual Hume fala neste contexto é sua teoria da necessidade, conforme nos mostra a seguinte passagem: “a doutrina da necessidade, segundo a minha explicação, é não apenas inocente, mas vantajosa para religião e a moral” (TNH 2.3.2.§ 3-4). Como podemos perceber, Hume alega que suas críticas são inocentes à religião e à moral. Não obstante, sua crítica não só foi vista como prejudicial à religião em geral, mas de maneira tal que nenhum antecessor seu a empreendeu. Em relação à seção XI da IEH, pode-se dizer que o problema de Hume gira em torno de saber o quanto as questões religiosas dizem respeito ao interesse público. A seção é escrita na forma de um diálogo entre Hume e um amigo. Esse amigo assumirá o papel de Epicuro e fará de Hume “a parcela mais filosófica” do povo de Atenas. Note-se que ao proceder assim, Hume desloca a discussão no tempo e no espaço, o que pode ser particularmente importante à medida que se discute a necessidade que Hume tinha de servir-se de estratagemas literários para proteger-se da censura de seu tempo àqueles que criticavam a religião. Ironia, recursos literários e retóricos, afirmações contraditórias, todos esses elementos podem ser encontrados em seus textos, o que torna particularmente difícil identificar as intenções e real posição de Hume em relação à religião. Na narrativa da seção XI da IEH, por exemplo, Hume transfere a responsabilidade dos argumentos a personagens históricos (no caso de Epicuro) e imaginários (como a “parcela mais filosófica do povo de Atenas”, representada pelo próprio Hume). Mutatis mutandis a mesma estratégia aparecerá nos DRN, obra em que o autor não se exprime em seu próprio nome, dando lugar, assim, ao afrontamento de teses e argumentos concorrentes.  Vale lembrar que a seção XI da IEH foi escrita originalmente em forma de Ensaio cujo título era Das Conseqüências Práticas da Religião Natural. Mas, conforme pretendo mostrar, Hume ─ na voz do amigo que defende princípios epicuristas ─ argumentará que não ocorre, de fato, nenhuma das supostas conseqüências corrosivas para moral, a sociedade e segurança do governo.

sábado, outubro 04, 2008

Anpof 2008


Entre os dias 06 e 10 de outubro/2008, grande parte dos estudiosos de filosofia deste país participarão em Canela-RS do XIII Encontro Nacional de Pós -Graduação em Filosofia da ANPOF. E eu não poderia deixar de fazer o mesmo. Abaixo segue o resumo do trabalho que apresentarei no evento:


DIVINDADE, IMPUTAÇÃO E MAL MORAL EM HUME



Nos Diálogos sobre a Religião Natural o personagem Philo argumenta que, dada a existência do mal, a existência de uma mente criadora do universo somente pode ser aceita se essa mente for ou impotente ou portadora de deficientes qualidades morais. Nesse sentido, Philo contundentemente declara: “As velhas questões de Epicuro permanecem sem resposta. A Divindade quer evitar o mal, mas não é capaz disso? Então ela é impotente. Ela é capaz, mas não quer evitá-lo? Então ela é malévola. Ela é capaz de evitá-lo e quer evitá-lo? De onde, então, provém o mal” (Diálogos X)? O apelo à evidência das falhas e imperfeições do mundo, abundantemente mencionadas na parte X dos Diálogos, serve a Hume não exatamente para refutar o argumento do desígnio, mas para interpor um limite às inferências que a analogia das mentes inteligentes tenta estabelecer, em especial, às inferências sobre os atributos divinos. Efetivamente, a hipótese de que o mundo teria sido planejado por um Deus bondoso é enfraquecida com o reconhecimento dos males naturais e morais. Ou seja, é até possível que o argumento do desígnio possa ser aceito, mas de modo algum ele poderia implicar a atribuição de perfeição, máxima bondade e justiça à divindade, tal como pretende a crença específica do cristianismo. Ora, se tais atributos se vêem enfraquecidos com o incontornável reconhecimento da existência do mal no mundo, uma possível base religiosa para a moralidade torna-se, assim, também enfraquecida. A partir desse aspecto da crítica humeana ao argumento do desígnio, meu objetivo será examinar a possibilidade que Hume oferece de discutirmos a moralidade sem qualquer apelo a noções teológicas e religiosas.

quarta-feira, agosto 27, 2008

Professor João Paulo Monteiro na UEL


O Professor João Paulo Monteiro, professor de filosofia da USP, realizará uma conferência na UEL sobre “Problemas da Filosofia de Hume”. Um dos maiores especialistas no pensamento de Hume, internacionalmente reconhecido, João Paulo Monteiro fará sua conferência dia 28 de agosto/2008, quinta-feira, na sala de eventos do CCH/UEL, a partir das 19 horas. Após a palestra, haverá debate entre o professor convidado, os professores Marcos Rodrigues da Silva (UEL), Marília Côrtes de Ferraz (Unioeste/PR e doutoranda USP) e Andréa Cachel (doutoranda USP).

O evento é promovido pelo Departamento de Filosofia, Especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea e Especialização em Filosofia Política e Jurídica. A entrada é franca. Para os interessados em receber certificado de participação, a taxa de inscrição é de R$ 5,00 (cinco reais) e pode ser feita no local.

O professor João Paulo Monteiro é autor de diversos estudos sobre a filosofia de Hume. Dentre seus principais livros podemos destacar: “Hume e a Epistemologia” e “Novos Estudos Humeanos”.

domingo, agosto 03, 2008

Gosto Estranho


[Desenho: Graciliano Ramos, de Hugo Enio Braz]


Uma de minhas manias, ao pensar numa palavra, numa simples palavra, é seguir as trilhas de seus subseqüentes significados. Angústia, esta é a palavra! Para onde me levas? Há alguns anos fui atraída pelo peso do sentimento, e da própria palavra, a ler Angústia de Graciliano Ramos. Há, ali, litros e litros de angústia. Eis um golinho dela!


"Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios. Há criaturas que não suporto. [...] Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos [...] Vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos, que emagreceram. [...] Impossível trabalhar. Dão-me um ofício, um relatório, para datilografar, na repartição. Até dez linhas vou bem. Daí em diante a cara balofa de Julião Tavares aparece em cima do original, e os meus dedos encontram no teclado uma resistência mole de carne gorda. E lá vem o erro. Tento vencer a obsessão... À noite fecho as portas, sento-me à mesa da sala de jantar, a munheca emperrada, o pensamento vadio longe do artigo que me pediram para o jornal. Em duas horas escrevo uma palavra: Marina. Depois, aproveitando letras deste nome, arranjo coisas absurdas: ar, mar, rima, arma, ira, amar. Uns vinte nomes. Quando não consigo formar combinações novas, traço rabiscos [...] e disparates. Penso em indivíduos e em objetos que não têm relação com os desenhos: processos, orçamentos, o diretor, o secretário, políticos, sujeitos remediados que me desprezam porque sou um pobre diabo. Tipos bestas. [...] O artigo que me pediram afasta-se do papel. É verdade que tenho o cigarro e tenho o álcool, mas quando bebo demais ou fumo demais, a minha tristeza cresce. Tristeza e raiva. Ar, mar, ria, arma, ira. Passatempo estúpido."

Pois bem, isso é só o começo! Bom mesmo é mergulhar naquela angústia. É claro que alguém poderia pensar: - mas que conselho esquisito... e eu lá quero isso pra mim? Que gosto estranho! Pode ser... so what?

Pra quem não conhece, mas quer conhecer, o protagonista de Angústia é Luís da Silva, um cara de 35 anos que, como vocês podem ver, tem um humor demasiado sensível. Ele é cáustico. Sua existência, de um lado, é completamente ordinária, mas seu mundo interior, aquele outro lado, está bem longe de ser frívolo. É mesmo de uma profundidade abissal!

Como bem nos conta Maurício Santana Dias, "narrador de sua própria história, Luis da Silva vive ruminando frustrações intelectuais, memórias de infância, o desejo desesperado pela vizinha Marina e o ódio pelo bem-sucedido Julião Tavares, que lhe rouba a pretendente". “A loquacidade de Julião Tavares aborrecia-me. Uma voz líquida e oleosa que escorria sem parar”.


"Escrito num andamento de pesadelo, mas com a concretude do pequeno detalhe cotidiano que é a marca do estilo de Graciliano Ramos, Angústia faz uma lenta imersão na consciência desse personagem complexo e atormentado, que afunda no inferno do ciúme [eu já cheguei lá também] e do ressentimento até o ponto de cometer um ato extremo".

“Afinal tudo desaparece. E, inteiramente vazio, fico tempo sem fim ocupado em riscar as palavras e os desenhos. Engrosso as linhas, suprimo as curvas, até que deixo no papel alguns borrões compridos, umas tarjas muito pretas”.