Na seção VIII da Investigação sobre o Entendimento Humano, Hume observa que “mais da metade dos raciocínios humanos” estão baseados em expectativas “acompanhadas de maiores ou menores graus de certeza” (IEH VIII i 20: 122) sobre como os seres humanos se comportarão em determinadas circunstâncias. Tais expectativas, de acordo com sua teoria, estão fundadas na observação e experiência passadas da uniformidade e regularidade de seus comportamentos. Hume argumenta também que é possível perceber que, embora criemos expectativas em relação ao comportamento dos homens e esperemos que eles ajam de acordo com elas, quando consideramos a nós mesmos, a escolha da ação nos parece livre. Quer dizer, quando somos nós que agimos, para cada ação que praticamos, sentimos que somos livres ─ o que não constitui propriamente um problema para Hume, haja vista ele, ao admitir que possuímos liberdade da ação, esposar a tese de que nós de fato somos livres. Mas o fato de nos sentirmos portadores de uma vontade livre é problemático, à medida que Hume não admite a liberdade da vontade. Segundo Hume, temos uma “falsa sensação ou experiência aparente de liberdade ou indiferença [...] em muitas de nossas ações” (IEH VIII i 22 nota: 125). Ele afirma: “Sentimos que nossas ações estão sujeitas à nossa vontade na maioria das ocasiões, e imaginamos que sentimos que a vontade, ela própria, não está submetida a nada” (IEH VIII i 22 nota: 126), isto é, sentimo-nos livres da determinação natural ou da necessidade. Ora, por que isso acontece? Por que do ponto de vista do observador sentimos a necessidade das ações e do ponto de vista do agente não a sentimos, ao contrário, sentimos que nossa vontade é livre? Hume é enfático ao afirmar que “os atos da vontade decorrem da necessidade” (T 2.3.1.15: 441) e que quem nega isso não sabe o que diz. Ao constatar que os homens resistem a esse princípio, o autor reflete sobre quais seriam as razões que fazem com que toda a humanidade tenha tamanha relutância em expressar verbalmente a admissão da doutrina da necessidade, tanto na prática quanto nos raciocínios e, ao mesmo tempo, demonstre tamanha inclinação para defender a da liberdade. Com base nisso, pretendo expor e analisar as razões que, segundo Hume, levam os homens a assumirem a crença na vontade livre.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
O tema da crença é dos mais apaixonantes em filosofia do conhecimento e epistemologia. Difícil também. Estou a fazer um doutoramento sobre Fernando Gil (Portugal), que estudou bastante o tema. Agora ando a ler Hume, claro, e gostei de encontrar o seu blogue (a citação do Camus soou-me deveras oportuna...) Parabéns e felicidades!
Ana Bastos
Obrigada Ana pela visita e comentário... boa sorte aí com seus estudos.
Um abraço!
Postar um comentário