Aquele domingo em que você
acorda às 6:30 da manhã porque dormiu cedo demais, porque estava com dor de garganta, frágil, o
peito ardendo, febril e cansada, e pensa no monte de coisas que tem pra
fazer, e se pergunta: o que devo fazer primeiro? e se responde: faça
o que mais gosta!
Uma vozinha sussurra lá do fundo do meu eu: ─ vá lá, Marília! escreva qualquer coisa (nem que seja uma bobagem
qualquer). Aproveite ao menos um de seus diversos e intermináveis esboços rascunhados
em seus papeizinhos e cadernetas espalhadas pelas gavetas e prateleiras de seu
refúgio ─ guardião de seus sentimentos e pensamentos. Traga-os à tona. Mas não viajes demais. Lembra-te que tens que escrever
uma comunicação para o V Encontro Hume. Escrever não! (a voz me corrige):
reescrever, repensar e reescrever, porque um texto a respeito já foi ensaiado outrora. Retome e
desenvolva aquele ponto. Teu prazo está acabando.
Mas daí a Marília, diletante
como ela é, abre um caderninho aqui, outro ali, passeia os olhos pelas prateleiras de livros, dedilha algumas páginas, procura algo sem saber ao certo o
quê! Abre uma gaveta. Encontra diversas anotações rabiscadas. Abre outra. Encontra
mais um tanto. Lê umas, lê outras, e vai se distraindo com elas, pensando na
vida, rememorando suas ideias e experiências. Dependendo do que lê, Marília sente
uma dorzinha aqui, outra ali. Ou então um prazer, seguido de uma enorme satisfação, e, depois, seguido de uma
mágoa, de uma raiva, sucedidas por um novo pensamento, uma nova lembrança e prazer, que seguem alternadamente circulando junto ao sangue... que
vai e vem e vai e vem... in
transe...
Ela decide, então, assim, num impulso e ao acaso, abrir
seu bom e velho dicionário amoroso. O verbete que se estampa intitula-se FESTA:
“o sujeito apaixonado vive cada encontro com o ser amado como uma festa”.
“Esta noite ─ tremo ao
dizê-lo ─, eu a tinha nos braços, apertada contra o meu peito, eu cobria de
beijos intermináveis seus lábios que murmuravam palavras de amor, e meus olhos
se afogavam na embriaguez dos seus! Deus! serei castigado, se ainda agora
experimento uma celeste felicidade ao me lembrar dessas ardentes alegrias, ao
revivê-las no mais profundo do meu ser” (Werther) ?
“A
festa [...] é um júbilo e não uma explosão: gozo do jantar, da conversa, da
ternura, da promessa certeira do prazer: ‘uma arte de viver acima do abismo’”.
“(Então,
não significa nada para você ser a festa de alguém?).”
Ela guarda a pergunta e segue o dia... absorta em seus pensamentos.
BARTHES, Roland | Fragmentos de um discurso amoroso | 9ª. Ed. | Tradução de Hortênsia
dos Santos | Rio de Janeiro| F. Alves | 1989 | p.113