sábado, setembro 16, 2006

Ingresso para os objetos

Curso Introdução ao pensamento de Kant
Professora Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do dia 23.07.2006
Por Nícolas Pioccopi


“Pobres filhos da Terra” que somos, nunca freqüentaremos as coisas – é verdade. Mas essa é uma boa nova, pois tais coisas, afinal, como Hume tão bem viu, nunca ofereceriam relação necessária à inspeção de nosso espírito” (Lebrun, Gerard. ‘Hume e a astúcia de Kant’ In: Sobre Kant. Tradução de José Oscar de Almeida Marques; Maria Regina A. C. da Rocha; Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Edusp, Iluminuras, 1993, p. 12).
No último estudo leu-se e discutiu-se dois parágrafos do texto de Gerard Lebrun – “Hume e a astúcia de Kant’ – que trata do conhecimento que se pode possuir acerca de um objeto. “Pobres filhos da Terra que somos, nunca freqüentaremos as coisas” – diz Lebrun em seu texto.
O astrofísico Stephen Hawking em uma de suas entrevistas, neste ano, disse certa coisa que muito chama a atenção para este nosso problema de não termos ingresso para que possamos freqüentar as coisas. Hawking falava que a matemática que orienta os físicos em suas deduções e observações talvez teria de ser “re-inventada” - ou que pudesse ser encontrada uma nova forma de enxergar a mesma coisa - por não poder dizer exatamente a significação das coisas - o que, num futuro nada distante, poderia vir a causar um problema em nossas investigações acerca do universo. Da mesma forma, o problema dos movimentos que levou o filósofo grego do século IV a.C, Zenão de Eléia, a formular, entre outros paradoxos, o de “Aquiles e a tartaruga”, apontava para a necessidade de uma nova forma de pensar. Este paradoxo fala de uma corrida que Aquiles apostaria com uma tartaruga e esta começaria à frente numa distância de tantos metros de Aquiles - por este correr dez vezes mais rápido do que a tartaruga. Digamos que Aquiles começasse a corrida oitenta metros à frente da tartaruga. Quando é dado o sinal de largada ambos começam a correr. Quando começam a correr Aquiles percorre em um dado intervalo de tempo “t” os oitenta metros que a tartaruga tinha de vantagem dele e, neste mesmo intervalo de tempo “t” que Aquiles gastou para percorrer estes oitenta metros, a tartaruga andou mais oito metros para frente. Em virtude de Aquiles correr dez vezes mais rápido que a tartaruga, a distância percorrida pela tartaruga é a distância de Aquiles dividida por dez. Quando Aquiles percorre estes oito metros, a tartaruga anda mais estes oito metros divididos por dez, ou seja, caminha mais oitenta centímetros (0,8 metros) - e assim ao infinito. Zenão alega que Aquiles jamais conseguiria alcançar a tartaruga, o que certamente é um equívoco notório, visto que Aquiles, de fato, alcançaria a tartaruga e a ultrapassaria. O que resolveria este problema seria uma nova forma de raciocinar e que só foi concebida no século XVII por Leibniz e Newton. Até então nossa matemática não dava suporte para que pudéssemos conhecer os movimentos dos objetos visíveis a olho nu - como é o caso de Aquiles e a tartaruga - objetos de nossa experiência diária. Ambos tiveram que inventar uma nova matemática, um novo modo de ver as mesmas coisas, poder-se-ia dizer que “um novo método” e, dessa forma, foi possível que nós adentrássemos nos movimentos das, o que até então era a visão da época, engrenagens bem definidas que era o universo.
Porém, com o passar do tempo, as nossas observações e dúvidas foram aumentando até que chegamos às partículas elementares dos átomos e, portanto, a outras velocidades e distâncias. A mesma matemática, que antes era a principal ferramenta para calcular os movimentos dos objetos, ainda é usada tanto quanto antes. Porém, a idéia de universo já não é mais a mesma, ou seja, apareceram inúmeros outros objetos a serem observados e, portanto, a “física já não é mais a mesma”, quer dizer, surgiram problemas que esta matemática não é capaz de resolver “exatamente”. A idéia que se tem do início do universo, na verdade, é uma interpretação que se faz de cálculos cujo resultado final é uma divisão do tipo “um sobre zero”. Isso em matemática é um número infinito e, portanto, indefinido. Com base nisto dizemos que o universo era primariamente um ponto de “densidade infinita”. O que se pretende dizer aqui é que, apesar de termos raciocínios poderosos para a tentativa de compreensão dos objetos, de tornar a ciência dos mesmos sólida e verdadeira, em muitos casos esta ferramenta acaba por não servir plenamente e acabamos por precisar de algo mais para a compreensão dos objetos. Faltaria algo que desse a chance de especulação sobre tais objetos. Um exemplo da diferença entre a matemática e a física - de como a matemática é um raciocínio que usamos como ferramenta para tentar adentrar nos objetos - foi o que Lorentz disse ao refazer alguns cálculos de Galileu que diziam a respeito da velocidade relativa dos corpos: “Os cálculos estão certos, mas, não faço a mínima idéia do que estes querem dizer. Isto é matemática, enquanto matemática está certo.” Isso lembra muito o seguinte trecho do texto de Gerard Lebrun: “Se alguém, dizia Hume, pudesse abstrair tudo o que sabe ou viu, seria completamente incapaz, consultando apenas suas próprias idéias, de determinar que espécie de espetáculo o universo deve ser...” (Lebrun, Gerard. ‘Hume e a astúcia de Kant’. p. 12). Se pensarmos nas ciências a priori, nunca iremos chegar a conhecimento algum sobre o que é nosso meio, porém, o conhecimento delas, no plano delas, é exato e, portanto, são válidas independentemente de qualquer experiência. Todavia, estas são incapazes de nos dar a luz necessária ao esclarecimento de dada questão apenas por si mesma. Para tanto é necessário que haja um forte elo entre uma coisa e outra e que, sem ele, tudo tornar-se-ia uma questão de crença ou superstição. Este elo, ao menos no plano sensível, é o da causalidade, afirma Kant. Desta forma o ingresso para as coisas parece tornar-se mais acessível e este acesso se daria de modo especulativo - o que parece salvar a metafísica - e certamente dá um novo horizonte para a compreensão de dado objeto. Se, por um lado, Lorentz, ao consultar apenas suas idéias para tentar compreender o meio, ou seja, apenas consultar a matemática, não chegou a alguma conclusão acerca do nosso meio empírico, Einstein, por outro lado, ao interpretar dadas ocorrências dispostas no meio empírico de modo certamente especulativo e, ao relacioná-las com as conclusões de Lorentz, criou a teoria da relatividade.

3 comentários:

Marília Côrtes disse...

Caro Nícolas. Seria importante que você desse a referência da citação do Lorentz. Você pode incluí-la aqui na seção de comentários mesmo. Obrigada. Um abraço e parabéns pelo texto. É admirável sua capacidade de ir além (com pertinência)daquilo que discutimos em aula, bem como a de oferecer exemplos. Marília.

Anônimo disse...

Olá Marília. Obrigado pelo elogio. Porém eu ficarei devendo por um tempo a referência da citação pois eu a vi em um livro há tempos, mas vou procurar e quando encontrar eu colocarei aqui, espero apenas que não seja tarde quando achar. rs

Marília Côrtes disse...

Tudo bem, sei como é isso. Logo que entrei na faculdade não me atentava muito para esses detalhes de cópias de textos sem referências, afinal, não tinha muita noção da importância delas. Alguns professores cometiam o crime (e que crime!)de passarem textos sem referências bibliográficas. Depois, com a experiência (rsrsr), aprendi que nenhum texto pode ser aceito sem as devidas referências, pois se precisarmos citá-lo temos de sair procurando. Às vezes é fácil encontrá-las, mas outras vezes, dá nos nervos...
Bom... nossos leitores aguardarão rsrsrs. boa sorte!