UEL 8:30. Vim aplicar exame de filosofia para apenas uma aluna. Nobody is here! Sala escura. Entro, espero, penso: ela não virá, obviamente. But I'm here. Da parte dela não há, absolutamente, nenhum compromisso com a disciplina, tampouco com a filosofia, e acho que nem com ela mesma.
E essa maldita dor de dente que não me dá uma trégua!?
Bom, ao menos os passarinhos cantam, o dia está belo, a temperatura agradável e o ar fresco.
Aproveito para estudar. Dou um tempo. Pouco mais de uma hora.
Ela não veio.
Fui...
segunda-feira, dezembro 09, 2013
quinta-feira, dezembro 05, 2013
Tango Fati
Tango of the Archangel | Kees Van Dongen |1877-1968
Oil on canvas
Oil on canvas
Hoje, ao ouvir
um tango, transbordei, tangamente, de emoções e lembranças. Coração
disparado, agitado... Inspirei,
expirei, suspirei, pausei! pensamentos pulularam no ritmo sincopado de meus
batimentos cardíacos enquanto dirigia. Pisei no freio. Derrapei! ouvindo
um tango. Ora, por que os tangos me encantam, arrebatam e extasiam desse modo? Porque são belos, penetrantes. Invadem-me não só pelos ouvidos, mas
também pelas veias, poros e pulmões. Tangos circulam por todo o meu sistema
sanguíneo e, por pouco, não me arrebentam as veias. Tangos... tangos... que bonitos. O que dizer?
Seria um caso
daquilo sobre o que não se pode falar e que, portanto, deve-se calar? Se sim...
dane-se! vou transgredir esse famoso enunciado e falar mais um pouco
sobre o que, talvez, devesse calar, ainda que Wittgenstein venha a se
revirar na tumba. Trata-se de falar sobre o inefável, ainda que a lógica se descabele
por eu ter proferido tamanha contradição. Trata-se de dizer sobre o indizível, ainda
que me faltem palavras para exprimir as paixões que se agitam em meu peito em
chamas e que se diga que o indizível só pode, então, ser mostrado.
Transbordo-me
quando ouço um tango. Tangos agitam minhas paixões (desejos, amores, temores
e dores). Eles têm um "q" de sagrado e um "q" de profano.
Ao ouvir um belo e bom tango, ao menos por um breve momento, abandono-me em mim
mesma e para além de mim mesma, tornando-me, digamos assim, metafísica ─ pura contemplação estética! É como se eu e o universo inteiro nos tornássemos um
só em toda a sua plenitude.
[ Acho que Schopenhauer iria gostar dessa última
frase rs, mas só dessa última, uma vez que ele entende o belo como uma dissolução
do eu: um rompimento completo das amarras da vontade de viver, que, por sua
vez, é enlouquecida pelo querido e amado eu. Para Schopenhauer, a contemplação
estética se dá por um apaziguamento, uma libertação momentânea dos grilhões da
vontade, e não uma agitação do eu em tormentos passionais,
como no meu caso. Well. deixemos, então, o "velho rabugento" pra lá ].
A meu ver, os tangos
inspiram o amor ─ os amantes latinos ou os simplesmente amantes.
A vida e a literatura estão repletas de amores calientes, ardentes,
trágicos, dramáticos ou simplesmente amores. Quando ouço um
tango, não quero mais nada, talvez, no máximo, um amante argentino rsr
(brincadeirinha ─ mantenham o senso de humor)
Há tangos alegres ou felizes?
Acho que não! Ao menos não me vem nenhum à memória. Arrisco-me a dizer, pois,
que os tangos são sempre trágicos ─ exprimem os sofrimentos e dramas da
existência, o que ela tem de belo, profundo, triste, dolorido e... (pausa)...
trágico! E não são menos belos por trazerem à tona a tragicidade da existência.
Ao contrário, precisamente por serem trágicos, os tangos são ainda mais belos.
Creio que vêm ao encontro do conceito de Amor-Fati exposto por Nietzsche do seguinte modo:
"Quero cada vez mais aprender a ver
como belo aquilo que é necessário nas coisas ─ assim me tornarei um daqueles
que fazem belas as coisas. Amor Fati: Amor ao
Destino". Tango Fati: "seja este, doravante, o meu
amor" (A Gaia Ciência IV | § 276).
sábado, novembro 30, 2013
A eternidade da morte
Conversando sobre a morte com a Bibi (minha filha de 19 anos), assim, ao acaso, ela me disse:
"não sei mãe
morrer... ah... morrer...
morrer é tão eterno né...?"
e eu: é!
no fundo...
morrer é que é eterno
e não viver
porque morrer é para sempre.
[Sculpture: Monumental Cemetery of Certosa di Bologna, Italy - by Renaud Martelli,1947]
quarta-feira, novembro 13, 2013
Desassossego
Dia lindo. Céu azul. Resolvi queimar o lombo. Não há uma alma viva sequer, com exceção da minha, aqui no clube. Silêncio. Meu coração está apertado. Queria poder arrancá-lo do peito para que me desse um alívio. Ah... meu angustiado coração! Por que não vais dar um passeio? Volte depois, de preferência mais leve, mais solto, mais livre. Vá... voe!
De vez em quando passa um avião sobre minha cabeça. Começo a ouvir burburinhos dos funcionários do clube, o que significa que há mais almas vivas por aqui. Percebo também os passarinhos. Sol quente. Vento fresco. Água gelada. Calor. Agonia. Calmaria exterior. Inquietação interior.
quarta-feira, outubro 30, 2013
Eros e Thanatos
Num daqueles dias em que perambulo ao léu... procurando qualquer coisa que arrebente ou arrebate meu coração, ou mesmo que o estraçalhe de uma vez por todas, encontrei esse belo hino de Lou Andreas-Salomé. Não resisti à tentação. Não resisti a esse impulso de vida... e de morte! Voici!
Hino à Morte
No dia em que eu estiver no meu leito de morte
Faísca que se apagou -,
Acaricia ainda uma vez meus cabelos
Com tua mão bem-amada
Antes que devolvam à terra
O que deve voltar à terra,
Pousa sobre minha boca que amaste
Ainda um beijo.
Mas não esqueças: no esquife estrangeiro
Eu só repouso em aparência
Porque em ti minha vida se refugiou
E agora sou toda tua.
(NOVAES, Adauto (org.) Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Cia das Letras, 1987)
[Jardin du Luxembourg. La fontaine Médicis. Polyphemus surprising Acis and Galatea (1866). Auguste-Louis-Marie Jenks Ottin (1811-1890)]
domingo, outubro 20, 2013
Dos umbrais do inferno
"... os pensamentos são tiranos que retornam várias e várias vezes para nos atormentar."
[...]
“Não tenho medo, nem pressentimento, nem esperança de morte. [...] Contudo, não posso continuar assim! Tenho que me lembrar de respirar, tenho quase que lembrar meu coração de bater! Vivo como se me impulsionasse uma mola endurecida: é constrangido que realizo o ato mais insignificante, desde que esse ato não dependa daquele pensamento único; é constrangido que reparo em qualquer coisa viva ou morta, se ela não está associada à ideia que é para mim universal. Um único desejo alimento, e todo o meu corpo, todas as minhas faculdades anseiam por atingi-lo. Vêm ansiando por isso há tanto tempo, e tão inflexivelmente, que estou convencido de que esse desejo será satisfeito, e em breve, porque já devorou minha existência: já fui tragado pela expectativa de sua realização. [...] Oh, Senhor, que luta sem fim e como eu quisera vê-la acabada!"
(BRONTË, Emily. O Morro dos Ventos Uivantes. Tradução de Rachel de Queiroz. São Paulo: Abril, 2010. [p.404-405])
terça-feira, outubro 01, 2013
Da tristeza
Portrait of a Woman | by Anna Lea Merritt |1844-1930
"Falar está acima de minhas forças, minha língua engrola, uma chama sutil percorre-me as veias, mil ruídos confusos soam-me aos ouvidos e o véu da noite estende-se sobre os meus olhos" (Catulo apud Montaigne | Ensaios I).
segunda-feira, setembro 23, 2013
O duplo homicida-suicida
“Já não há mais sair da morte
uma vez que foi decidida,
uma vez fechada as paredes
de algodãozinho que vestiam.
Cada um tem a melhor foice
E a razão melhor para a briga;
Juntos constroem a própria arena,
atando-se no outro a camisa.
Não há nenhum limite à arena;
atando-se no outro a camisa.
Não há nenhum limite à arena;
no terreiro, nem giz a indica;
é o pouco que ocupa esse abraço
do duplo homicida-suicida.
Então o duelo, entre um só corpo;
Morre e mata, sem que se diga
Quem é quem, e igual, quem foi quê,
na massa abraçada e inimiga.”
(MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 96-97)
Imagem: Akseli Gallen-Kalella. The Lovers, 1906-1917
sábado, julho 06, 2013
Absence as inexorable necessity
Folheando pra cá e pra lá um de meus fiéis companheiros, Barthes, in Fragmentos de um Discurso Amoroso, encontro o sentimento de ausência expresso num koan budista. Ele responde à seguinte pergunta (que no livro está implícita) de um discípulo a seu mestre :
- Mestre, o que é a verdade?
"O mestre conserva a cabeça do discípulo sob a água, por muito, muito tempo; pouco a pouco as bolhas se rarificam; no último instante, o mestre tira o discípulo, o reanima, e diz: - quando tiveres desejado a verdade como desejaste o ar, então saberás o que ela é".
Barthes, acrescenta: "a ausência do outro me conserva a cabeça sob a água; pouco a pouco sufoco, meu ar se rarefaz..." (p.31).
- Mestre, o que é a verdade?
"O mestre conserva a cabeça do discípulo sob a água, por muito, muito tempo; pouco a pouco as bolhas se rarificam; no último instante, o mestre tira o discípulo, o reanima, e diz: - quando tiveres desejado a verdade como desejaste o ar, então saberás o que ela é".
Barthes, acrescenta: "a ausência do outro me conserva a cabeça sob a água; pouco a pouco sufoco, meu ar se rarefaz..." (p.31).
Photography
Rafal Makiela
terça-feira, julho 02, 2013
terça-feira, maio 28, 2013
IV Encontro Hume
A Comissão Organizadora do IV Encontro Hume convida os alunos de pós-graduação e pesquisadores da filosofia de Hume à submissão de trabalhos. O encontro será realizado entre os dias 03, 04 e 05 de setembro de 2013 no campus da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina/Pr. Os interessados deverão submeter um resumo de até 500 palavras em arquivo Word ou similar (fonte Arial, tamanho 12, espaço 1,5) para o e-mail: encontros.hume@hotmail.com O título e o resumo deverão constar em página separada, com a devida identificação do problema e as linhas gerais do argumento que se pretende desenvolver. Na primeira página deverão constar os seguintes dados do proponente:
Nome completo;
Endereço eletrônico;
Endereço e telefone;
Título do trabalho;
Instituição de origem e titulação;
Realizar a inscrição no sítio http://www.uel.br/eventos/insc/?id=692 bem como o pagamento da taxa de inscrição (R$ 20,00).
A data limite para o envio dos resumos é 15 de julho de 2013 e o resultado será divulgado juntamente com a programação completa do evento no dia 10 de agosto do corrente ano. A notificação sobre a aceitação de cada trabalho será enviada exclusivamente por e-mail a partir do dia 25 de julho de 2013. A aceitação do resumo possibilita ao proponente a apresentação oral de comunicação na data do evento, conforme programação a ser divulgada. O tempo para cada comunicação será de 20 min, com 10 min, para a discussão do trabalho. Após a realização do evento, haverá entrega de certificado para os apresentadores de comunicação e ouvintes devidamente inscritos.
COMISSÃO ORGANIZADORA
Andre Luiz Olivier da Silva (Unisinos)
Andrea Cachel (IFPR/Unicamp)
Andrea Faggion (UEL)
Franco Nero Soares (UFRGS)
José Oscar de Almeida Marques (Unicamp)
Marília Côrtes de Ferraz (UEL/Unicamp)
[para melhor visualizar o cartaz clique sobre ele]
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terça-feira, maio 07, 2013
quarta-feira, abril 17, 2013
Nietzsche: o filósofo do perigoso talvez!
ECCE HOMO
[Nietzsche - 2010, by Alexandre Bellei]
"Com todo o valor que possa merecer o que é verdadeiro, veraz, desinteressado: é possível que se deva atribuir à aparência, à vontade de engano, ao egoísmo e à cobiça um valor mais alto e fundamental para a vida. É até mesmo possível que aquilo que constitui o valor dessas coisas boas e honradas consista exatamente no fato de serem insidiosamente aparentadas, atadas, unidas, e talvez até essencialmente iguais a essas coisas ruins e aparentemente opostas. Talvez! ─ Mas quem se mostra disposto a ocupar-se de tais perigosos "talvezes"? Para isso será preciso esperar o advento de uma nova espécie de filósofos, que tenham gosto e pendor diversos, contrários aos daqueles que até agora existiram ─ filósofos do perigoso "talvez" a todo custo. ─ E, falando com toda a seriedade: eu vejo esses filósofos surgirem" (ABM. Dos preconceitos dos filósofos, § 2, p.10-11).
Escolhi essa passagem de Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro, uma das principais obras de Nietzsche, como ponto de partida e fio condutor do tema do próximo minicurso de Filosofia para Diletantes, promovido pela Aldeia Coworking de Londrina. O tema versa sobre aquilo que se pode encontrar de mais fundamental e saliente na filosofia de Nietzsche, ou seja, sua crítica à cultura. A meu ver, esta passagem já nos dá um pequeno indício do quanto Nietzsche é um autor très polemique, capaz de provocar um verdadeiro bouleversement em nossas cabeças. Posso garantir (e eu vou procurar mostrar) que muito do que ele diz é de revirar o estômago de qualquer cristão (e saibam que é possível dizer que, num certo sentido, é isso mesmo que ele quer). Aliás, nem é preciso ser cristão, basta ser, digamos assim, humano, ainda que alguns humanos escapem, pelo bem ou pelo mal, ao mal-estar que suas ideias podem provocar.
Por outro lado, Nietzsche (dotado de um virtuosismo sem igual no trato com sua língua materna) possui um poder encantatório, capaz de seduzir e enlevar os mais diversos tipos de leitor: filósofos, poetas, literatos, dançarinos, dramaturgos, artistas plásticos, mortais comuns... ora, o que faz com que Nietzsche seja tão lido e difundido? O que faz com que seus leitores oscilem entre o fascínio e a repulsa? Quem é esse filósofo artista dançarino bufão e dinamite, que propõe que transvaloremos nossos valores, se autodenomina o primeiro imoralista (EH, p. 101) e se julga a uma altura em que já não fala “com palavras, mas com raios” (EH, p.102)? Quem é esse autor subversivo que coloca a superação da compaixão entre as virtudes nobres (EH, p.51) e baila ora com ora sobre a nossa moral? Quem é esse virtuose da linguagem que em Assim Falou Zaratustra diz que de tudo o que se escreve aprecia "somente o que alguém escreve com seu próprio sangue" (p.56)? Quem é esse "cara" (ops, desculpem-me a intimidade) que diz ter se dado conta de que "Sócrates e Platão são sintomas de declínio" (CI II § 2), e ousa declarar que Leibniz e Kant são "dois grandes entraves à retidão intelectual da Europa" (EH, p.145)? Enfim, para encerrar essa primeira série de perguntas, lá vai... quem é essa nitroglicerina pensante que nos convida a dizer adeus às velhas verdades e anuncia, em A Gaia Ciência, que Deus está morto (GC § 125)?
Por outro lado, Nietzsche (dotado de um virtuosismo sem igual no trato com sua língua materna) possui um poder encantatório, capaz de seduzir e enlevar os mais diversos tipos de leitor: filósofos, poetas, literatos, dançarinos, dramaturgos, artistas plásticos, mortais comuns... ora, o que faz com que Nietzsche seja tão lido e difundido? O que faz com que seus leitores oscilem entre o fascínio e a repulsa? Quem é esse filósofo artista dançarino bufão e dinamite, que propõe que transvaloremos nossos valores, se autodenomina o primeiro imoralista (EH, p. 101) e se julga a uma altura em que já não fala “com palavras, mas com raios” (EH, p.102)? Quem é esse autor subversivo que coloca a superação da compaixão entre as virtudes nobres (EH, p.51) e baila ora com ora sobre a nossa moral? Quem é esse virtuose da linguagem que em Assim Falou Zaratustra diz que de tudo o que se escreve aprecia "somente o que alguém escreve com seu próprio sangue" (p.56)? Quem é esse "cara" (ops, desculpem-me a intimidade) que diz ter se dado conta de que "Sócrates e Platão são sintomas de declínio" (CI II § 2), e ousa declarar que Leibniz e Kant são "dois grandes entraves à retidão intelectual da Europa" (EH, p.145)? Enfim, para encerrar essa primeira série de perguntas, lá vai... quem é essa nitroglicerina pensante que nos convida a dizer adeus às velhas verdades e anuncia, em A Gaia Ciência, que Deus está morto (GC § 125)?
Nietzsche afirma: “reconhecer a inverdade como condição de vida: isto significa, sem dúvida, enfrentar de maneira perigosa os habituais sentimentos de valor; e uma filosofia que se atreve a fazê-lo se coloca, apenas por isso, além do bem e do mal” (ABM. Dos preconceitos dos filósofos, § 4, p.11).
Pois bem, reconhecer a inverdade como condição de vida é, obviamente, reconhecer a mentira (e também, conforme veremos, a ilusão, a aparência, os véus e máscaras) como condição de vida. Hã? Será que ouvi direito? Como assim? O bem pode não ser mais bem e o mal pode não mais ser mal? Ops, sim! não! não é bem assim, talvez... calma... eu explico! ou ao menos arrisco!
Again: Ecce Homo!
Filosofia para Diletantes
Nietzsche Crítico da Cultura
A crítica da cultura empreendida por Nietzsche constitui-se num dos temas mais fundamentais de sua filosofia. Nietzsche pretende demolir os valores da tradição filosófica, em especial, aqueles implantados por Sócrates, isto é, a crença na racionalidade, no bem em si, na unidade do conhecimento, na objetividade e na verdade. No primeiro período de seus escritos, cujas obras compreendem os anos de 1869 a 1876, Nietzsche tematiza uma oposição entre arte e conhecimento deixando clara a sua posição: a arte é mais importante do que a ciência. A primeira direção da reflexão nietzscheana sobre a ciência é uma "investigação sobre as questões afins do conhecimento, do pensamento, do intelecto, da razão, da consciência e, sobretudo, da verdade" (cf. Machado: 1989, p.9). Criticar a ciência é, para Nietzsche, fundamentalmente, criticar a ideia de verdade, considerada como um valor superior, um ideal sagrado. Posteriormente, a reflexão nietzscheana seguirá uma segunda direção: buscará mostrar que, pelo fato de a ciência não estar isenta de juízos de valor, há um certo parentesco, uma relação de continuidade entre ciência e moral, porquanto é a moral que dá valor à ciência, isto é, valor ao conhecimento. A valorização da arte como atividade que dá acesso às questões fundamentais da existência é, para Nietzsche, a alternativa modelar que lhe permite pensar a renovação da cultura alemã de seu tempo. Um mergulho em suas obras nos faz ver que, em geral, todas elas “incitam a uma inversão das valorações habituais e dos hábitos valorizados” (Humano Demasiado Humano. Prólogo, p.7), quer dizer, a uma transvaloração de todos os valores. Ele inicia sua transvaloração colocando sob suspeita todos os valores consagrados da moral, da religião, da ciência, da metafísica e, portanto, de toda a cultura denominada cultura superior, uma vez que, de acordo com Nietzsche, de uma perspectiva filosófica, todos os problemas da filosofia são problemas de valor. E, para ele, a medida de valor se estriba na pergunta: “Quanta verdade suporta, quanta verdade ousa um espírito” (Ecce Homo, p.39)? É o que vamos ver!
PROGRAMA
MÓDULO II
O minicurso está dividido em quatro encontros nas seguintes quartas-feiras:
08/05 - 15/05 – 22/05 – 05/06, das 20 às 22 horas, na Aldeia Coworking Londrina
1. Introdução: A crítica de Nietzsche aos valores da tradição filosófica (08/05)
1.1. O universo filosófico tradicional criticado por Nietzsche
1.2. Socratismo, Platonismo e Cristianismo
2. A relação entre arte e conhecimento (15/05)
2.1. A justificação da existência como fenômeno estético
2.2. O apolíneo e o dionisíaco
3. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro (22/05)
3.1. A verdade como ideal sagrado da filosofia
3.2. A inversão do platonismo e a metáfora feminina da verdade
4. O projeto transvaloração de todos os valores (05/06).
4.1. Perspectivismo
4.2. Vontade de Poder
4.3. Eterno Retorno e Amor Fati
Abaixo, para os mais sedentos, referências de algumas importantes obras de Nietzsche.
NIETZSCHE, Friedrich. A
Gaia Ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
NIETZSCHE, F. Além
do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Tradução de Paulo
César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
NIETZSCHE, F. Assim
Falou Zaratustra. Tradução de Mário da Silva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
NIETZSCHE, F. Aurora:Reflexão
sobre os preconceitos morais. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
NIETZSCHE, F. Cinco
Prefácios para cinco livros não escritos. Tradução de Pedro Süssekind. Rio
de Janeiro: Sette Letras, 1996.
NIETZSCHE, F. Crepúsculo
dos Ídolos ou como se filosofa com o martelo. Tradução de Paulo César de
Souza. São Paulo. Companhia das Letras, 2006.
NIETZSCHE, F. Ecce Homo. Tradução de Paulo César de Souza. 2ª. ed. São Paulo: Max Limonad, 1986.
NIETZSCHE, F. Genealogia
da Moral. Tradução de Paulo César de
Souza. São Paulo: Brasiliense, 1987.
NIETZSCHE, F. Humano,
Demasiado Humano I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das
Letras, 2000.
NIETZSCHE, F. O
Anticristo. Ensaio de uma crítica do cristianismo. Tradução de Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2008.
NIETZSCHE, F. O
Livro do Filósofo. Tradução de Ana Lobo. Porto : Rés, s.d.
NIETZSCHE, F O
Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. Tradução de J. Guinsburg. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
NIETZSCHE, F. Os
Pensadores. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova
Cultural, 1999.
A LP&M Pocket publicou várias obras importantes de Nietzsche a preços bem acessíveis:
A obra citada sobre Nietzsche é de:
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. São Paulo: Paz e Terra. Graal, 1999.
clique no cartaz para visualizar as informações sobre como se inscrever no curso
terça-feira, abril 02, 2013
Eu comigo mesma
Larga de ser preguiçosa, Marília, para de enrolar e escreva uma besteira qualquer nesse blog, antes que ele morra de fome. Conta aí pra gente o que é que você anda lendo, pensando e escrevendo. Saia aí desse seu mundinho de chocolate, meio doce, meio amargo, e diga alguma coisa que preste!
Ah... cala a boca e me deixa quieta, aqui, no meu canto de pássara...
domingo, janeiro 20, 2013
Um universo de sonhos e pesadelos
“Na manhã em que me levantei para começar este livro tossi. Algo estava a sair-me da garganta, a estrangular-me. Rasguei o cordão que o retinha e arranquei-o. Voltei para a cama e disse: Acabo de cuspir o coração. [...] Aqueles que escrevem sabem o processo. Pensei nisto enquanto cuspia o coração. Só que não estou à espera da morte do meu amor" (p.2-3).
"A casa abria o portão-boca verde e engolia-nos. A cama flutuava. A rua saiu-me da boca como uma fita de veludo, e deixou-se ficar qual serpentina. As casas abriram os olhos. O buraco da fechadura mostrou uma curva irónica como um ponto de interrogação" (p.11)
"A realidade afogara-se e a fantasia sufocava cada uma das horas do dia" (p.24).
Eis aí um livro (A Casa do Incesto, de Anaïs Nin) que se pode chamar de louco: o universo onírico dos sonhos e pesadelos. Ele é intrigante, denso, profundo e sombrio. Ele dói! E te deixa, num primeiro momento, meio sem saber o que pensar. Sendo o livro composto de sonhos e pesadelos, não há, obviamente, um comprometimento com aquilo que poderíamos chamar de nexo, embora não se possa dizer que ele não contém qualquer nexo. É um nexo louco rsr que certamente causará ao leitor um profundo estranhamento.
Creio que se possa dizer que é um livro que bem representaria aquilo que Franz Kafka diz numa carta a Oscar Pollak (1904). Leia-se aqui: http://mariliacortes.blogspot.com.br/2012/06/acho-que-so-devemos-ler-especie-de.html
O livro é tão estranho que já mexi e remexi nesse post algumas vezes, na tentativa de expressar mais claramente o estranhamento que me causou (well, tornar claro aquilo que é estranho é tarefa difícil). Titubeei mil vezes na escolha de alguns excertos para publicar.O livro perturba! Desperta sensações de prazer e dor ao estampar, por meio de sonhos e pesadelos, imagens belas e grotescas na mente do leitor. Como próprio do universo onírico, há nele uma mistura de fantasia, realidade, lucidez e loucura. Ademais, tem um Q de trágico e, como não poderia faltar (em se tratando de Anaïs Nin), algumas doses (sem gelo) de conteúdo erótico. Eu teria muitas coisas a dizer, mas chega de papo! Vamos ao que interessa: um pouco de Anaïs. Ao escrever, ela flutua... (e o que não lhe falta é fertilidade imaginativa e talento literário)!
“Lembro o meu primeiro nascimento na água. À minha volta a transparência sulfurosa e os meus ossos moviam-se como se fossem de borracha. Oscilo e flutuo nas pontas sem ossos dos meus pés atenta aos sons distantes, sons para além do alcance de ouvidos humanos, vejo coisas que são para além do alcance dos olhos. Nasço cheia das memórias dos sinos da Atlântida. Sempre à espera de sons perdidos e à procura de perdidas cores, permanecendo para sempre no limiar como alguém perturbado por recordações, corto o ar a passo largo com largos golpes de barbatana e nado através de quartos sem paredes" (p.3).
Salto algumas páginas!
"Parte-se o desejo que tinha esticado os nervos e cada nervo parece partir-se um por um, em cadeia, provocando incisões, onde ácido corria em vez de sangue. Torço-me dentro da minha própria vida, à procura de um caminho livre para as lágrimas fundidas, para dissolver o sofrimento num caldeirão de palavras onde todos os que procuram nomes para o seu próprio sofrimento pudessem cair. Que enorme caldeirão estou nesta altura a mexer; grandes bocarras estou agora a alimentar de ácido, palavras suficientemente amargas para queimarem toda a amargura" (p.22). Caramba!!! Imaginem só ácido em vez de sangue a circular pelas incisões decorrentes de um desejo que estica seus nervos ao ponto de arrebentá-los. Tudo se parte, o desejo, os nervos...
Salto de novo!
"Passo as esponjas brancas do conhecimento sobre as cordas dos meus nervos. À medida que passo para dentro do meu livro sou cortada por estilhaços, dentes de vidro e garrafas partidas, onde ainda há vestígios de cheiros de espuma e de perfume. Mais páginas foram acrescentadas ao livro, páginas que lembram o vaivém de um prisioneiro num espaço fechado. O que é que me é restrito dizer? Apenas a verdade disfarçada de conto de fadas e este é o conto onde todas as verdades têm olhar fixo como se estivessem por detrás de janelas de grades de um mosteiro. Com véus" (p.44).
Compreende-se bem por que a autora, ao contar seus sonhos e pesadelos, diz : "Há no meu olhar uma ruptura por onde a loucura sempre escoa. Debruça-te sobre mim na cabeceira da minha demência e depois deixa-me de pé sem muletas. Sou uma mulher louca a quem as casas piscam o olho e oferecem a hospitalidade dos seus ventres" (p.27).
(NIN, Anaïs. A Casa do Incesto. Tradução de Isabel Hub Faria. Porto: Assírio & Alvim, 1997)
"A casa abria o portão-boca verde e engolia-nos. A cama flutuava. A rua saiu-me da boca como uma fita de veludo, e deixou-se ficar qual serpentina. As casas abriram os olhos. O buraco da fechadura mostrou uma curva irónica como um ponto de interrogação" (p.11)
"A realidade afogara-se e a fantasia sufocava cada uma das horas do dia" (p.24).
Eis aí um livro (A Casa do Incesto, de Anaïs Nin) que se pode chamar de louco: o universo onírico dos sonhos e pesadelos. Ele é intrigante, denso, profundo e sombrio. Ele dói! E te deixa, num primeiro momento, meio sem saber o que pensar. Sendo o livro composto de sonhos e pesadelos, não há, obviamente, um comprometimento com aquilo que poderíamos chamar de nexo, embora não se possa dizer que ele não contém qualquer nexo. É um nexo louco rsr que certamente causará ao leitor um profundo estranhamento.
Creio que se possa dizer que é um livro que bem representaria aquilo que Franz Kafka diz numa carta a Oscar Pollak (1904). Leia-se aqui: http://mariliacortes.blogspot.com.br/2012/06/acho-que-so-devemos-ler-especie-de.html
O livro é tão estranho que já mexi e remexi nesse post algumas vezes, na tentativa de expressar mais claramente o estranhamento que me causou (well, tornar claro aquilo que é estranho é tarefa difícil). Titubeei mil vezes na escolha de alguns excertos para publicar.O livro perturba! Desperta sensações de prazer e dor ao estampar, por meio de sonhos e pesadelos, imagens belas e grotescas na mente do leitor. Como próprio do universo onírico, há nele uma mistura de fantasia, realidade, lucidez e loucura. Ademais, tem um Q de trágico e, como não poderia faltar (em se tratando de Anaïs Nin), algumas doses (sem gelo) de conteúdo erótico. Eu teria muitas coisas a dizer, mas chega de papo! Vamos ao que interessa: um pouco de Anaïs. Ao escrever, ela flutua... (e o que não lhe falta é fertilidade imaginativa e talento literário)!
“Lembro o meu primeiro nascimento na água. À minha volta a transparência sulfurosa e os meus ossos moviam-se como se fossem de borracha. Oscilo e flutuo nas pontas sem ossos dos meus pés atenta aos sons distantes, sons para além do alcance de ouvidos humanos, vejo coisas que são para além do alcance dos olhos. Nasço cheia das memórias dos sinos da Atlântida. Sempre à espera de sons perdidos e à procura de perdidas cores, permanecendo para sempre no limiar como alguém perturbado por recordações, corto o ar a passo largo com largos golpes de barbatana e nado através de quartos sem paredes" (p.3).
Salto algumas páginas!
"Parte-se o desejo que tinha esticado os nervos e cada nervo parece partir-se um por um, em cadeia, provocando incisões, onde ácido corria em vez de sangue. Torço-me dentro da minha própria vida, à procura de um caminho livre para as lágrimas fundidas, para dissolver o sofrimento num caldeirão de palavras onde todos os que procuram nomes para o seu próprio sofrimento pudessem cair. Que enorme caldeirão estou nesta altura a mexer; grandes bocarras estou agora a alimentar de ácido, palavras suficientemente amargas para queimarem toda a amargura" (p.22). Caramba!!! Imaginem só ácido em vez de sangue a circular pelas incisões decorrentes de um desejo que estica seus nervos ao ponto de arrebentá-los. Tudo se parte, o desejo, os nervos...
Salto de novo!
"Passo as esponjas brancas do conhecimento sobre as cordas dos meus nervos. À medida que passo para dentro do meu livro sou cortada por estilhaços, dentes de vidro e garrafas partidas, onde ainda há vestígios de cheiros de espuma e de perfume. Mais páginas foram acrescentadas ao livro, páginas que lembram o vaivém de um prisioneiro num espaço fechado. O que é que me é restrito dizer? Apenas a verdade disfarçada de conto de fadas e este é o conto onde todas as verdades têm olhar fixo como se estivessem por detrás de janelas de grades de um mosteiro. Com véus" (p.44).
Compreende-se bem por que a autora, ao contar seus sonhos e pesadelos, diz : "Há no meu olhar uma ruptura por onde a loucura sempre escoa. Debruça-te sobre mim na cabeceira da minha demência e depois deixa-me de pé sem muletas. Sou uma mulher louca a quem as casas piscam o olho e oferecem a hospitalidade dos seus ventres" (p.27).
(NIN, Anaïs. A Casa do Incesto. Tradução de Isabel Hub Faria. Porto: Assírio & Alvim, 1997)
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