
Profª. Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do encontro de 08 de julho de 2006
Por Espinosa de Aquino
No encontro de 08 de julho de 2006, foram discutidos os seguintes pontos: 1. Leitura e discussão do relatório do encontro anterior elaborado por Fábio Roberto Zambrin. 1.1. Esclarecimentos sobre a distinção entre crença, ficção e superstição em Hume.
Inicialmente a diferença entre ficção e crença foi traçada com base na consideração segundo a qual a crença, comparativamente à ficção, representa um sentimento mais forte, mais intenso. A partir disso, levantou-se a questão sobre a diferença entre a “crença” de um indivíduo delirante em seres exóticos, como, por exemplo, a crença na existência de sereias ou a crença na existência de bovinos voadores, presumivelmente mais forte que a crença de um indivíduo normal na existência, digamos, dos anéis de saturno Mas deve-se considerar, como alertou a professora Marília, que acreditar em anéis de saturno ou em dinossauros tem relação com a difusão de informações que a autoridade da ciência nos oferece, na medida em que tais informações não se opõem a tudo que encontramos na experiência, ainda que de forma indireta. Penso que há aqui o peso da autoridade influenciando, com superioridade, as paixões e a imaginação. A professora Marília esclareceu também que, de acordo com Hume, o delirante está excluído da reflexão que distingue ficção de crença. Ela citou a Investigação sobre o entendimento humano (IEH) II § 1. Se o delirante tiver uma sensação mais forte que o indivíduo normal, ainda será ficção, pois o que ele acredita é fruto apenas de sua imaginação. Ou seja, Hume pensa, ao esclarecer os conceitos de ficção e crença, em termos de normalidade, vale dizer, em uma mente sã. Com efeito, poderíamos dizer que Hume se refere à experiência comum e não à experiência incomum de um homem delirante. Se entendi bem, o que a professora Marília quis dizer é que exemplos patologicamente extravagantes fogem do horizonte da vida comum, que é o horizonte da filosofia humeana. Sublinhe-se, aqui, o termo “patologicamente”, porque exemplos extravagantes de pessoas consideradas sãs cabem na teoria. É o caso dos fanáticos (num sentido frouxo) e dos supersticiosos. Pessoas que acreditam em santos, anjos-da-guarda ou coisas que o valham se encaixam na distinção, e esses exemplos podem ser considerados extravagantes.
Foi lido em apoio aos esclarecimentos mencionados, IEH V § 8, p. 69.
[...] toda crença relativa a fatos ou à existência efetiva de coisas deriva exclusivamente de algum objeto presente à memória ou aos sentidos e de uma conjunção habitual entre esse objeto e algum outro.
Leu-se também IEH V § 9-10:
Nada é mais livre que a imaginação humana, e, embora não possa ir além daquele inventário original de idéias fornecidas pelos sentidos internos e externos, ela dispõe de poder ilimitado para misturar, combinar, separar e dividir essas idéias em todas as variedades de ficção e miragens. É-lhe possível inventar uma séria de acontecimentos que têm toda a aparência de realidade, atribuir-lhes uma ocorrência em um local e momento precisos, concebê-los como existentes e pintá-los para si mesma com todas as circunstâncias apropriadas a um fato histórico qualquer, no qual acredite com a máxima certeza. Em que consiste então, a diferença entre ficção desse tipo e uma crença? Ela não repousa simplesmente em alguma idéia peculiar que estaria anexada às concepções que exigem nosso assentimento e ausente de todas as ficções reconhecidas como tais; [...].
[...] a diferença entre ficção e crença localiza-se em alguma sensação ou sentimento que se anexa à segunda, mas não à primeira, e que não depende da vontade nem pode ser convocado quando se queira.
Surgiu também a questão sobre por que dizemos, ou deveríamos dizer, conforme sugere o pensamento de Hume, que a existência de dinossauros é uma crença e não uma ficção. De acordo com a professora, essa dificuldade é resolvida se atentarmos para o fato de que na crença há uma sensação, o mesmo não ocorrendo com a ficção. Precisamos notar que os devaneios soltos da imaginação nunca serão sentidos por nós do mesmo modo que sentimos aquilo em que cremos.
Foi observado ainda que a perspectiva empirista de Hume parece prescindir de uma teoria da verdade, o que a própria distinção entre ficção e crença a partir da intensidade das sensações parece confirmar.
Após o tratamento desse ponto, passamos a discutir a diferença entre superstição e entusiasmo. Vimos que a superstição se refere ao medo de males desconhecidos [fraqueza e melancolia também] e o entusiasmo à esperança, ao orgulho, à presunção [e cálida imaginação]. Contudo, superstição e entusiasmo têm uma fonte comum, a saber, a ignorância.
Para a próxima reunião restou ainda a discussão sobre o tópico - destacado no relatório de Fábio Zambrin – sobre a liberdade ilusória. O próximo encontro retomará esse ponto e dará seqüência à leitura do artigo de Lebrun “Hume e a astúcia de Kant”, bem como ao estudo da CRP.
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