quinta-feira, setembro 07, 2006

Crença, ficção ou superstição?

Curso Introdução ao pensamento de Kant
Profª. Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do encontro de 08 de julho de 2006
Por Espinosa de Aquino

No encontro de 08 de julho de 2006, foram discutidos os seguintes pontos: 1. Leitura e discussão do relatório do encontro anterior elaborado por Fábio Roberto Zambrin. 1.1. Esclarecimentos sobre a distinção entre crença, ficção e superstição em Hume.
Inicialmente a diferença entre ficção e crença foi traçada com base na consideração segundo a qual a crença, comparativamente à ficção, representa um sentimento mais forte, mais intenso. A partir disso, levantou-se a questão sobre a diferença entre a “crença” de um indivíduo delirante em seres exóticos, como, por exemplo, a crença na existência de sereias ou a crença na existência de bovinos voadores, presumivelmente mais forte que a crença de um indivíduo normal na existência, digamos, dos anéis de saturno Mas deve-se considerar, como alertou a professora Marília, que acreditar em anéis de saturno ou em dinossauros tem relação com a difusão de informações que a autoridade da ciência nos oferece, na medida em que tais informações não se opõem a tudo que encontramos na experiência, ainda que de forma indireta. Penso que há aqui o peso da autoridade influenciando, com superioridade, as paixões e a imaginação. A professora Marília esclareceu também que, de acordo com Hume, o delirante está excluído da reflexão que distingue ficção de crença. Ela citou a Investigação sobre o entendimento humano (IEH) II § 1. Se o delirante tiver uma sensação mais forte que o indivíduo normal, ainda será ficção, pois o que ele acredita é fruto apenas de sua imaginação. Ou seja, Hume pensa, ao esclarecer os conceitos de ficção e crença, em termos de normalidade, vale dizer, em uma mente sã. Com efeito, poderíamos dizer que Hume se refere à experiência comum e não à experiência incomum de um homem delirante. Se entendi bem, o que a professora Marília quis dizer é que exemplos patologicamente extravagantes fogem do horizonte da vida comum, que é o horizonte da filosofia humeana. Sublinhe-se, aqui, o termo “patologicamente”, porque exemplos extravagantes de pessoas consideradas sãs cabem na teoria. É o caso dos fanáticos (num sentido frouxo) e dos supersticiosos. Pessoas que acreditam em santos, anjos-da-guarda ou coisas que o valham se encaixam na distinção, e esses exemplos podem ser considerados extravagantes.
Foi lido em apoio aos esclarecimentos mencionados, IEH V § 8, p. 69.
[...] toda crença relativa a fatos ou à existência efetiva de coisas deriva exclusivamente de algum objeto presente à memória ou aos sentidos e de uma conjunção habitual entre esse objeto e algum outro.
Leu-se também IEH V § 9-10:
Nada é mais livre que a imaginação humana, e, embora não possa ir além daquele inventário original de idéias fornecidas pelos sentidos internos e externos, ela dispõe de poder ilimitado para misturar, combinar, separar e dividir essas idéias em todas as variedades de ficção e miragens. É-lhe possível inventar uma séria de acontecimentos que têm toda a aparência de realidade, atribuir-lhes uma ocorrência em um local e momento precisos, concebê-los como existentes e pintá-los para si mesma com todas as circunstâncias apropriadas a um fato histórico qualquer, no qual acredite com a máxima certeza. Em que consiste então, a diferença entre ficção desse tipo e uma crença? Ela não repousa simplesmente em alguma idéia peculiar que estaria anexada às concepções que exigem nosso assentimento e ausente de todas as ficções reconhecidas como tais; [...].
[...] a diferença entre ficção e crença localiza-se em alguma sensação ou sentimento que se anexa à segunda, mas não à primeira, e que não depende da vontade nem pode ser convocado quando se queira.
Surgiu também a questão sobre por que dizemos, ou deveríamos dizer, conforme sugere o pensamento de Hume, que a existência de dinossauros é uma crença e não uma ficção. De acordo com a professora, essa dificuldade é resolvida se atentarmos para o fato de que na crença há uma sensação, o mesmo não ocorrendo com a ficção. Precisamos notar que os devaneios soltos da imaginação nunca serão sentidos por nós do mesmo modo que sentimos aquilo em que cremos.
Foi observado ainda que a perspectiva empirista de Hume parece prescindir de uma teoria da verdade, o que a própria distinção entre ficção e crença a partir da intensidade das sensações parece confirmar.
Após o tratamento desse ponto, passamos a discutir a diferença entre superstição e entusiasmo. Vimos que a superstição se refere ao medo de males desconhecidos [fraqueza e melancolia também] e o entusiasmo à esperança, ao orgulho, à presunção [e cálida imaginação]. Contudo, superstição e entusiasmo têm uma fonte comum, a saber, a ignorância.
Para a próxima reunião restou ainda a discussão sobre o tópico - destacado no relatório de Fábio Zambrin – sobre a liberdade ilusória. O próximo encontro retomará esse ponto e dará seqüência à leitura do artigo de Lebrun “Hume e a astúcia de Kant”, bem como ao estudo da CRP.

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