quinta-feira, julho 23, 2015
Não posso adiar o amor
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
[António Ramos Rosa | Viagem Através duma Nebulosa | Lisboa | Ática | 1960]
terça-feira, julho 21, 2015
O insuportável peso do ser
"Will"
[Photography by Tommy Ingberg]
Vá
alce esse voo
ice essa âncora
ascenda ao sombrio céu que te aguarda
vá
voe leve
e leve contigo
o insuportável peso do ser
A imagem acima é uma daquelas que me impactam e, por isso, salvo em meus arquivos. Tenho imagens guardadas há tempos, ali, em banho-maria, fomentando ideias e pensamentos. Fiz uma rápida pesquisa sobre o autor e vi vários trabalhos dele, todos perturbadores, inquietantes, surreais. Sempre que abria meus arquivos, ficava ali, a contemplá-la, cheia de perguntas do tipo: o que será que o cara quis dizer com ela? Qual o sentido, qual seria o seu significado? Escrevi muitas coisas a partir disso. Mas deletei quase tudo (é comum que eu faça isso). Achei que me excedi, pois uma imagem, assim, tão impactante, talvez não careça de uma única palavra. Mas eu não vivo sem palavras. Sou uma enamorada da linguagem, do discurso verbal, da prosa poética, e não apenas imagética. Daí, para conter minha natureza verbal excessiva, tornei as ideias e sentimentos que a imagem suscitava em mim, mais condensadas e sintéticas. Deu nisso. That's all!
quinta-feira, julho 16, 2015
The love letters
Particularmente inspirada, e com saudades das minhas epístolas de amor, especialmente daquelas já consagradas na história e na literatura, tomo em mãos as Cartas de Amor de Albert Einstein à Mileva Maric'. Abro, ao acaso, a Carta 16 (p.62), na qual Einstein nos dá uma pequena amostra da delicadeza e doçura com as quais se dirige à sua "querida boneca", ao mesmo tempo em que, em pouquíssimas palavras, transmite (ao menos parte de) sua visão a respeito do casamento, do relacionamento homem-mulher, e das forças motivadoras da vida. Nesta carta, bem como em muitas outras, Einstein revela-nos também a capacidade de compreensão e profundo respeito para com seus pais.
[Melchtal], segunda-feira, [6 de agosto de 1900]
Minha querida pequena,
A primeira deliciosa cartinha que me enviou de casa chegou ontem. Saí sozinho para ler as linhas em silêncio, e depois relê-las mais duas vezes, e depois ler por entre as linhas com intenso prazer durante muito tempo antes de meter a carta no bolso e sorrir para comigo mesmo. Sua "sogrinha" tem estado muito amável e não toca mais no "assunto delicado". [...]
Por enquanto, papai só me escreveu uma carta moralista, prometendo transmitir a parte principal em pessoa brevemente. Aguardo obedientemente. Entendo meus pais muito bem. Para eles a esposa é um luxo que o homem pode se permitir somente quando tem um bom padrão de vida. Tenho em baixa conta essa visão do relacionamento homem-mulher porque só distingue a esposa da prostituta na medida em que a primeira tem condições de obter do homem um contrato vitalício graças a sua posição social mais favorável. Tal visão é consequência natural do fato de que, no caso dos meus pais, como no de muita gente, o bom senso exerce um controle direto sobre as emoções. No nosso caso, graças às felizes circunstâncias em que vivemos, o prazer de viver é vastamente ampliado. Mas não devemos nos esquecer de quantas existências como as de meus pais tornaram possíveis as nossas. No desenvolvimento social da humanidade, o primeiro contingente é bem mais importante. A fome e o amor foram e continuam sendo as forças motivadoras da vida, tão importantes que quase tudo pode ser explicado por elas, mesmo se desprezarmos os outros temas dominantes. Sendo assim, estou tentando proteger meus pais sem comprometer aquilo que é importante para mim - ou seja, você, amor!
[...]
Quando não estou ao seu lado, parece que me falta um pedaço. Quando sento, quero andar; quando ando, fico pensando em voltar para casa. Quando me distraio, quero estudar, quando estudo, não consigo ficar parado e me concentrar. E quando vou dormir, não fico satisfeito com a maneira que passei o dia.
Divirta-se, meu bem, e receba beijos carinhosos de seu
Albert.
[Albert Einstein-Mileva Maric': cartas de amor/ Jürgen Renn e Robert Schulmann (orgs.); tradução: Telma Médice Nóbrega. Campinas, SP: Papirus, 1992]
domingo, julho 05, 2015
Endless
O sol nasce
o céu azula
o frio corta
o silêncio reina
o tempo passa
o tempo passa
o tempo passa
o sol se põe
o céu escurece
o frio gela
o silêncio permanece
o tempo passa
o tempo passa
o tempo passa
quinta-feira, julho 02, 2015
As palavras
São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
[Eugénio de Andrade]
(a imagem que ilustra o poema foi publicada na página do facebook Artes & Poesia: uma das inúmeras páginas que unem, como o próprio nome diz, arte e poesia. O mérito da composição é, portanto, todo dela).
domingo, junho 14, 2015
Amizade Estelar
" ─ Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. Mas está bem que seja assim, e não vamos nos ocultar e obscurecer isto, como se fosse motivo de vergonha. Somos dois barcos que possuem, cada qual, seu objetivo e seu caminho, podemos nos cruzar e celebrar juntos uma festa, como já fizemos ─ e os bons navios ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol, parecendo haver chegado a seu destino e ter tido só um destino. Mas então a todo-poderosa força de nossa missão nos afastou novamente, em direção a mares e quadrantes diversos, e talvez nunca mais nos vejamos de novo ─ ou talvez nos vejamos, sim, mas sem nos reconhecermos: os diferentes mares e sóis nos modificaram! Que tenhamos de nos tornar estranhos um para o outro é a lei acima de nós: justamente por isso devemos nos tornar também mais veneráveis um para o outro! Justamente por isso deve-se tornar mais sagrado o pensamento de nossa antiga amizade! Existe provavelmente uma enorme curva invisível, uma órbita estelar em que nossas tão diversas trilhas e metas estejam incluídas como pequenos trajetos ─ elevemo-nos a esse pensamento! Mas nossa vida é muito breve e nossa vista muito fraca, para podermos ser mais que amigos no sentido dessa elevada possibilidade. ─ E assim vamos crer em nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de ser inimigos na Terra."
(Nietzsche. A Gaia Ciência IV §279, p.189-190)
Não me lembro quando li pela primeira vez esse aforismo de A Gaia Ciência. Provavelmente foi quando comecei a estudar Nietzsche, a fim de desenvolver um projeto de iniciação científica (CNPq), na época de minha graduação (idos de 2000-2002). Há algum tempo, ao retomar minhas leituras de partes da obra deste autor perturbador, tropecei várias vezes neste belo e trágico aforismo, já tão lido, relido, trelido, pensado, sentido, interrogado e grifado. Pensei: por que ele me chama tanto a atenção? Por que ele me afeta tanto? Por que meu coração se ressente ao lê-lo? Well, não estabeleci nenhuma relação do que Nietzsche afirma nele com a pessoa para a qual ele destina este aforismo. Pois tal aforismo nunca fez propriamente parte dos temas que me propus a estudar. Minha interpretação sempre foi, num certo sentido, totalmente parcial e descontextualizada do restante de sua obra (se é que me permitem...). Sempre admirei o teor poético, imagético e passional (bem ao estilo amor-fati) do que Nietzsche escreve. Ao lê-lo, sentia em meu coração (e sinto sempre que o leio) uma dorzinha aguda e gelada. Pensava no valor da amizade e lembrava da minha amizade mais cara. Perguntava-me: será que será assim? E repetia a mim mesma, como quem torce fazendo figa: tomara que não, tomara que não! Quero continuar a crer em nossa amizade terrena, ainda que ela possa ser também estelar e celestial.
[Há uma ano e meio li a biografia de Lou Salomé e pensei se Nietzsche teria escrito esse aforismo pensando nela. Eu não havia feito ainda nenhuma pesquisa a respeito. Na época, não fui adiante com minha dúvida. Mas, lendo-o novamente esses dias, fiquei curiosa. E fui conferir. Descobri que Nietzsche escreveu-o de modo a deixar "claro que não poderia atender ao apelo" do grande compositor Richard Wagner "para resgatar uma amizade perdida." Ao menos é o que está dito na sinopse do livro Amizade Estelar: Schopenhauer, Wagner e Nietzsche, de Rosa Maria Dias, que, aliás, ainda não li. Quem sabe um dia. Até lá... (ou talvez para sempre) mantenho minha leitura parcial, ainda que agora eu saiba que a relação de amizade que serviu de mote a este aforismo é outra].
quinta-feira, junho 11, 2015
Tudo flui...
Dia bom pra ficar em casa, pensando na vida, fazendo um monte de coisas e nada ao mesmo tempo. Estudar até que vai bem. Estuda-se um pouco, pensa-se muito, dileta-se demasiadamente, e a saudade se sente por todos os pelos e poros, e se ressente a cada gota de chuva do dia que cai e escorre...
terça-feira, junho 02, 2015
Urgentemente
É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.
(Eugénio de Andrade)
segunda-feira, maio 11, 2015
No touch
Ella escrevia para tentar sobrepujar toda aquela dor, ao ter que admitir, a contragosto, que ambos não poderiam mais chutar a bolinha do gato, classificar livros nas estantes, fazer panquecas e amor, ou sexo nas escadarias; tampouco poderiam ouvir o confortável silêncio que se seguia ao toque de seus olhares e sorrisos refrigerantes. Com a boca amarga, e um nó na garganta, Ella vaticinava que, diante das coisas que ouvira e de tudo que acontecera, ambos já não poderiam mais se tocar de forma alguma. Num brusco movimento de saída, engolindo seco, Ella disse: ok, não vou mais perturbá-lo com a minha presença. E sem dizer mais nada, pensou: perturbarei sim, mas com a minha falta, muita falta...
[by Daniel Murtagh - Mourning]
sábado, abril 25, 2015
Whatever you want...
Notei que nunca havia publicado uma música aqui. Desde que descobri essa, ouço-a repetidas vezes (e incansavelmente). É bela, profunda, delicada, dolorida, rouca e rasgada. É tocante, densa, poderosa e charmosa (do jeitinho que eu gosto).
Dedico-a àquele que souber apreciá-la, especialmente a
você mesmo... que me mata de saudades!
Turn up...
PostmodernJukebox
[...]
What the hell am I doing here?
I don't belong here
She's running out again
She's running
She run, run, run, run, run
Whatever makes you happy
Whatever you want
You're so very special
[...]
domingo, março 15, 2015
Desculpe o beijo que se desvanece em pó
Aquele domingo em que você acorda às 6:30 da manhã porque dormiu cedo demais, porque estava com dor de garganta, frágil, o peito ardendo, febril e cansada, e pensa no monte de coisas que tem pra fazer, e se pergunta: o que devo fazer primeiro? e se responde: faça o que mais gosta!
Uma vozinha sussurra lá do fundo do meu eu: ─ vá lá, Marília! escreva qualquer coisa (nem que seja uma bobagem
qualquer). Aproveite ao menos um de seus diversos e intermináveis esboços rascunhados
em seus papeizinhos e cadernetas espalhadas pelas gavetas e prateleiras de seu
refúgio ─ guardião de seus sentimentos e pensamentos. Traga-os à tona. Mas não viajes demais. Lembra-te que tens que escrever
uma comunicação para o V Encontro Hume. Escrever não! (a voz me corrige):
reescrever, repensar e reescrever, porque um texto a respeito já foi ensaiado outrora. Retome e
desenvolva aquele ponto. Teu prazo está acabando.
Mas daí a Marília, diletante
como ela é, abre um caderninho aqui, outro ali, passeia os olhos pelas prateleiras de livros, dedilha algumas páginas, procura algo sem saber ao certo o
quê! Abre uma gaveta. Encontra diversas anotações rabiscadas. Abre outra. Encontra
mais um tanto. Lê umas, lê outras, e vai se distraindo com elas, pensando na
vida, rememorando suas ideias e experiências. Dependendo do que lê, Marília sente
uma dorzinha aqui, outra ali. Ou então um prazer, seguido de uma enorme satisfação, e, depois, seguido de uma
mágoa, de uma raiva, sucedidas por um novo pensamento, uma nova lembrança e prazer, que seguem alternadamente circulando junto ao sangue... que
vai e vem e vai e vem... in
transe...
Ela decide, então, assim, num impulso e ao acaso, abrir
seu bom e velho dicionário amoroso. O verbete que se estampa intitula-se FESTA:
“o sujeito apaixonado vive cada encontro com o ser amado como uma festa”.
“Esta noite ─ tremo ao
dizê-lo ─, eu a tinha nos braços, apertada contra o meu peito, eu cobria de
beijos intermináveis seus lábios que murmuravam palavras de amor, e meus olhos
se afogavam na embriaguez dos seus! Deus! serei castigado, se ainda agora
experimento uma celeste felicidade ao me lembrar dessas ardentes alegrias, ao
revivê-las no mais profundo do meu ser” (Werther) ?
“A
festa [...] é um júbilo e não uma explosão: gozo do jantar, da conversa, da
ternura, da promessa certeira do prazer: ‘uma arte de viver acima do abismo’”.
“(Então,
não significa nada para você ser a festa de alguém?).”
Ela guarda a pergunta e segue o dia... absorta em seus pensamentos.
Ela guarda a pergunta e segue o dia... absorta em seus pensamentos.
BARTHES, Roland | Fragmentos de um discurso amoroso | 9ª. Ed. | Tradução de Hortênsia
dos Santos | Rio de Janeiro| F. Alves | 1989 | p.113
sexta-feira, fevereiro 13, 2015
Um pico certeiro na veia
Dalton Trevisan disse uma vez
que "um bom conto é pico certeiro na veia". A meu ver, ao dizer isso,
Trevisan já nos dá um pico na veia. No entanto, não estou aqui para falar de contos,
mas sim de filosofia.
Mutadis mutandis, penso que existem mais coisas boas, além de um bom conto, que
podem ser consideradas um "pico certeiro na veia": uma frase forte,
densa, profunda, curta e precisa (tal como essa picada dada pelo próprio
Trevisan); três, cinco, ou, talvez, sete linhas contidas numa ideia breve, mas
brilhante, que nos atinja como um olhar dardejante, ou mesmo uma paulada na
cabeça, um corte na jugular ou um tiro na fonte. Sim, um pico certeiro na veia, tal como uma facada no peito, pode nos levar desta para o nada absoluto (pois não
creio que a gente vá desta para melhor).
Além dos literatos, alguns
filósofos são especialistas em picar nossas veias. Schopenhauer é um deles. Ao
tratar do tema "felicidade", um tópico caro à filosofia, bem como a qualquer
mortal comum, ele tem coisas interessantes a dizer, ainda que possa soar no
mínimo curioso um filósofo pessimista (que concebe o sofrimento como a essência da vida e a felicidade como
simples ausência de dor) ter algo interessante a dizer sobre a arte de ser
feliz. Acerca desse tema já teci alguns comentários aqui http://mariliacortes.blogspot.com.br/2009/02/felicidade-amor-pelo-estudo-e-ilusoes.html e aqui http://mariliacortes.blogspot.com.br/2009/03/ilusao-crenca-esperanca-paixao-e-auto.html a partir de outros autores da filosofia.
Em A Arte de Ser
Feliz (um pequeno tratado que
contém anotações, máximas e regras de vida), Schopenhauer
afirma, entre muitas outras coisas, que a principal verdade da arte de ser feliz é a de que tudo
depende muito menos daquilo que se tem ou representa do que daquilo que se é... e que "a personalidade é a felicidade suprema"
(p. 126). Quer dizer, o que se tem (bens e posses) ou representa (a reputação,
a categoria, a fama) são bens necessários para a felicidade, mas o que se é (a
personalidade), é, de longe, mais fundamental para atingir tal fim (p.123). “Aquilo que alguém tem para si mesmo, aquilo que o acompanha na solidão e que ninguém pode lhe dar ou tirar é muito mais essencial do que tudo o que possui ou do que ele representa aos olhos alheios” (p.126).
Convém notar que o
termo personalidade é aqui concebido
em sentido muito mais amplo, “compreendendo a saúde, a força, a beleza, o caráter
moral, a inteligência e a educação da inteligência" (A Arte de Ser
Feliz, p.123). De acordo com Schopenhauer, a maior parte desses bens ─ que não só contribuem para a felicidade, mas
também estabelecem “a diferença na sorte
dos mortais” (p.123) ─ depende do quanto a natureza foi ou não generosa
conosco - o que não significa, obviamente, que não podemos fazer nada com o que
a natureza fez de nós. Como e qual é a (suposta) margem de manobra (ou liberdade) que temos para
alterar as determinações que a mãe ou, dependendo do caso, a madrasta natureza
fez de nós seria matéria para outro post (que não sei se um dia vou escrever).
Ele diz também (e aqui me
aproximo de onde quero chegar) que "em todas as ocasiões possíveis
usufrui-se na verdade apenas de si mesmo: se o próprio eu não vale
muito, então, todos os prazeres são como vinhos excelentes em boca azeda com
fel” (Máxima 44, p.108).
Ora, quando Schopenhauer faz
menção ao "próprio eu" (esse é o ponto), ele está a se referir
especificamente ao caráter moral do sujeito, ou seja, àquilo que ele é em
sua essência. Vale dizer, em sua
consciência moral.
Em Sobre o Fundamento da Moral, Schopenhauer se serve da máxima
expressa pelos escolásticos “Operari
sequitur esse” segundo a qual
as “ações se seguem do ser” ou “o fazer se segue do ser”, para enfatizar a
dependência da ação de alguém em relação ao seu caráter. “Como alguém é, assim tem de agir” (SFM § 10: 96). Nesse sentido, as ações dos homens são signos de seu caráter. Então, se queres
conhecer alguém, observes regularmente como ele age, como ele se comporta, que
tipo de coisas ele é capaz ou não de fazer. A observação constante do temperamento,
do comportamento e das ações de uma pessoa, sob determinadas circunstâncias, é
fator indispensável para o conhecimento de seu caráter. Essa é uma regrinha básica de
sabedoria de vida que poderia ser considerada um truísmo caso não fosse
pronunciada pela boca de um filósofo da envergadura de Schopenhauer (e de outros tantos do mesmo calibre). Pois não
se exige propriamente filosofia para o seu conhecimento ─ a experiência confirma
a regra.
Mas voltemos à picada na veia
(deixando de lado os problemas que emergem da distinção schopenhaueriana acerca do caráter inteligível, caráter empírico e caráter adquirido, bem como as consequências disso tudo para a teoria sobre a liberdade e responsabilidade moral).
A sentença segundo a qual se o caráter do indivíduo "não vale muito... todos os prazeres são como vinhos excelentes em boca azeda com fel" é, a meu ver, um pico certeiro na veia. Feliz de quem sacar essa “sabedoria de vida” e souber usar a margem de manobra que se tem para conseguir corrigir, com a experiência e a instrução (a educação da inteligência) os péssimos traços ou desvios de caráter com os quais a madrasta natureza por ventura o dotou. Ser belo, saudável, inteligente, sedutor, abastado (e possuir muitos outros bens) contribui em muito para a felicidade, mas se o caráter não for bom, dificilmente tal indivíduo será feliz ─ o que significa que a qualidade do caráter de um indivíduo é o que mais importa para a sua felicidade.
Quem não teve a sorte de ser agraciado por uma natureza-mãe em sua constituição natural (especialmente quanto ao caráter e temperamento), e não compreender os princípios básicos da arte de ser feliz, jamais poderá saborear os néctares dos deuses, ainda que eles desçam dos céus e lhe ofereçam diretamente em seus lindos lábios.
A sentença segundo a qual se o caráter do indivíduo "não vale muito... todos os prazeres são como vinhos excelentes em boca azeda com fel" é, a meu ver, um pico certeiro na veia. Feliz de quem sacar essa “sabedoria de vida” e souber usar a margem de manobra que se tem para conseguir corrigir, com a experiência e a instrução (a educação da inteligência) os péssimos traços ou desvios de caráter com os quais a madrasta natureza por ventura o dotou. Ser belo, saudável, inteligente, sedutor, abastado (e possuir muitos outros bens) contribui em muito para a felicidade, mas se o caráter não for bom, dificilmente tal indivíduo será feliz ─ o que significa que a qualidade do caráter de um indivíduo é o que mais importa para a sua felicidade.
Quem não teve a sorte de ser agraciado por uma natureza-mãe em sua constituição natural (especialmente quanto ao caráter e temperamento), e não compreender os princípios básicos da arte de ser feliz, jamais poderá saborear os néctares dos deuses, ainda que eles desçam dos céus e lhe ofereçam diretamente em seus lindos lábios.
sábado, janeiro 31, 2015
sábado, janeiro 10, 2015
Entre o céu e o inferno
Daqueles manuscritos que a gente encontra guardados naquela pasta escondidinha bem no fundo da gaveta da escrivaninha
em meio à agonia do excesso da tua ausência que me dilacera há dias,
encontro-me entre o agir e o permanecer na inércia,
entre o falar e o silenciar
entre ir até aí te encher de beijos, carinhos e cuidados
ou te falar poucas e boas que podem ferir e magoar
enfim
encontro-me entre a generosidade e miséria do meu coração.
toda essa dor faz com que eu me sinta como um animal acorrentado pelo tornozelo da pata traseira.
e me vem uma louca vontade de sair correndo de dentro de mim mesma, como se ao abandonar meu corpo pudesse também libertar minha alma.
ora me encontro num inferno gelado
ora no seio da cratera de um vulcão
neste, me sinto malévola, pronta pra espalhar minhas lavas e destruir tudo, inclusive você!
naquele, me sinto frágil, desprotegida, doente e só na minha dor.
e me vem uma vontade louca de te implorar socorro
e aí eu choro, perdida, intemperada, dissoluta
transitando entre o amor e o ódio,
o céu e o inferno.
o céu e o inferno.
[24/01/2000]
quinta-feira, janeiro 08, 2015
Ossos do ofício
Segue abaixo um mini diálogo inventado para aproveitar certos termos e empregos "pérolas" encontrados nas provas de alguns alunos da UEL do semestre retrasado. O contexto no qual os termos se encontravam era outro, mas o emprego deles sugeria os sentidos que dei aqui.
- Professora... a senhooora pode me assanar umas dúvidas?
- Oh, claro, meu caro!
- Eu queria saber, professora, se o homem é ou não é adotado de sentimentos humanitários, e também como a filosofia explica o extinto humano...
Oh... help me! rs
- Professora... a senhooora pode me assanar umas dúvidas?
- Oh, claro, meu caro!
- Eu queria saber, professora, se o homem é ou não é adotado de sentimentos humanitários, e também como a filosofia explica o extinto humano...
Oh... help me! rs
quarta-feira, janeiro 07, 2015
About titles
Como se não bastasse, agora, a quantidade de livros, artigos, revistas, cadernos e cadernetas de anotações; a quantidade de pastas de estudos, manuscritos, arquivos em PDF, word et cetera e tal (afora docs, músicas, vídeos e filmes) que tenho armazenada aqui, tenho também um arquivo de imagens e fotos ─ não só aquelas que poderíamos chamar de "pessoais", isto é, de família, amores, amigos, lugares, passeios, viagens and so on, mas também imagens públicas que encontro e salvo pelas andanças que faço pela internet, especialmente imagens de obras de arte, fotos incríveis, sugestivas, curiosas, interessantes, criativas e/ou, simplesmente, belas. Salvo-as em meus arquivos e fico imaginando um texto (ou um poema) pra elas, a começar pelo título. Às vezes, fico só no título. A foto abaixo, por exemplo, eu intitularia assim:
Que tal um tango para o jantar?
E talvez, um dia, eu escreva um texto pra ela.
[sorry, mas não encontrei a referência da foto]
quarta-feira, novembro 26, 2014
V Encontro Hume - UFSC - 2015
David Hume (1711-1777) é considerado atualmente como um dos maiores, mais profundos, penetrantes e abrangentes filósofos do período moderno. Suas obras alcançaram grande sucesso em seu próprio tempo e continuam a despertar imenso interesse e a oferecer contribuições significativas para a reflexão filosófica atual. O V Encontro Hume pretende dar continuidade a uma série de eventos dedicados à filosofia de Hume, realizados nos últimos anos em diferentes instituições brasileiras. Essa série de eventos nasceu por iniciativa de estudantes de Pós-Graduação em filosofia, que promoveram o I Encontro Hume no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, em 2009. Em 2010 foi realizado o II Encontro Hume na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, em 2011, o III Encontro Hume, na UNISINOS (RS). O IV Encontro Hume, o mais recente da série, foi realizado na Universidade Estadual de Londrina (UEL) em 2013. Esses eventos têm representado um importante espaço para estudantes de pós-graduação e professores apresentarem e debaterem os resultados de suas pesquisas. Como resultado concreto da realização dessa série de eventos destaca-se a publicação de vários artigos em periódicos da área de filosofia. O V Encontro Hume, a ser realizado na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, de 08 a 10 de abril de 2015, tem por objetivo reunir estudantes de pós-graduação de diferentes programas de Pós-graduação do Brasil e professores que desenvolvam pesquisas sobre a filosofia de Hume.
Comissão Organizadora
Jaimir Conte (UFSC)
Flávio Miguel de Oliveira Zimmermann (UFFS)
Marília Côrtes de Ferraz (UEL)
Franco Nero Antunes Soares (IFRS)
Marília Côrtes de Ferraz (UEL)
Franco Nero Antunes Soares (IFRS)
Andreh Sabino Ribeiro (UFMG)
Ítalo Lemos (UFSC)
Ítalo Lemos (UFSC)
Comissão Científica
José Oscar de Almeida Marques (UNICAMP)
José Oscar de Almeida Marques (UNICAMP)
Andrea Cachel (UFJF)
André Luiz Olivier da Silva (UNISINOS)
Maria Isabel de M. Papaterra Limongi (UFPR)
Alexandre Meyer Luz (UFSC)
André Luiz Olivier da Silva (UNISINOS)
Maria Isabel de M. Papaterra Limongi (UFPR)
Alexandre Meyer Luz (UFSC)
Participantes convidados
V Encontro Hume
Florianópolis, 08
a 10 de
abril de 2015.
terça-feira, novembro 25, 2014
Artigos do IV Encontro Hume (UEL/2013)
Encontram-se já disponíveis na Revista Natureza Humana ─ Revista Internacional de Filosofia e Psicanálise - Órgão Oficial da Sociedade Brasileira de Fenomenologia e da Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana [ISSN 2175-2834], as publicações dos trabalhos apresentados no IV ENCONTRO HUME, realizado na Universidade Estadual de Londrina (UEL) em 03-05/09/2013. São dez artigos distribuídos em dois volumes.
A primeira edição (vol. 15 n.1/2013) conta com os artigos de Andrea Cachel (UFJF), Andrea Faggion (UEL), Gabriel Bertin de Almeida (PUC/Londrina), Franco Nero Soares (IFRS) e Marília Côrtes de Ferraz (UEL). Acesso em:
A segunda edição (vol.15 n.2/2013) traz os artigos de André Luiz Olivier da Silva (UNISINOS), Hélio Rebello Cardoso Jr. (UNESP) e Gonzalo Montenegro (UNESP), Matheus de Mesquita Silveira (UNISINOS) e Adriano Naves de Brito (UNISINOS), Rômulo Martins Pereira (UFRS) e Lívia Guimarães (UFMG). Acesso em:
Eis o resumo do meu artigo
"O final cut de Hume contra o argumento do desígnio"
Com base na crítica que Hume faz ao argumento do desígnio,
especialmente nas partes 10 e 11 dos Diálogos
sobre a Religião Natural, meu objetivo neste artigo é, a partir de uma
análise da relação entre a existência do mal
no mundo e a suposta existência de uma divindade
possuidora dos atributos tradicionais do teísmo, defender a tese segundo a
qual o tratamento que Hume dá ao problema do mal corresponde, digamos assim, à
cartada final ─ o último e decisivo recurso que Philo (o personagem que
articula essa crítica) aciona para mostrar que o argumento do desígnio não
fornece bases suficientemente sólidas e consistentes para dar suporte à crença
na existência de um Deus maximamente poderoso, justo e benevolente; e que,
portanto, a existência do mal no mundo tem uma força argumentativa tal que a
improbabilidade da existência de Deus é maior do que com base nos argumentos
apresentados nas partes 2 a 8 dos Diálogos.
Isso significa que eu tomo aqui o problema do mal como o maior problema para o
teísta experimental — cuja argumentação pretende provar a existência de Deus a
partir da observação dos fenômenos do mundo.
domingo, novembro 23, 2014
No silêncio da rocha
"Secaram as sementes no silêncio da rocha e mineral. As palavras que não chegamos a gritar, as lágrimas retidas, as pragas que se engolem, a frase que se encurta, o amor que matamos, tudo isso transformado em minério magnético, em turmalina, em ágata, o sangue congelado em cinábrio, sangue calcinado tornado galena, oxidado, aluminizado, sulfatado, calcinado, o brilho mineral de meteoros mortos e sóis exaustos numa floresta de árvores secas e desejos mortos."
(NIN, Anaïs. A Casa do Incesto. Tradução de Isabel Hub Faria. Porto: Assírio & Alvim, 1997, p.41)
sábado, novembro 08, 2014
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