SAIR
Largar o cobertor, a cama, o
medo, o terço, o quarto, largar
toda simbologia e religião; largar o
espírito, largar a alma, abrir a
porta principal e sair. Esta é
a única vida e contém inimaginável
beleza e dor. Já o sol,
as cores da terra e o
ar azul – o céu do dia –
mergulharam até a próxima aurora; a
noite está radiante e Deus não
existe nem faz falta. Tudo é
gratuito: as luzes cinéticas das avenidas,
o vulto ao vento das palmeiras
e a ânsia insaciável do jasmim;
e, sobre todas as coisas, o
eterno silêncio dos espaços infinitos que
nada dizem, nada querem dizer e
nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer.
Antonio Cicero | 'Sair' | A Cidade e os Livros | Editora Record | Rio de Janeiro | 2002 | p.77.
"... sobre todas as coisas, o eterno silêncio dos espaços infinitos que nada dizem, nada querem dizer e nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer. ... sobre todas as coisas, o eterno silêncio dos espaços infinitos que nada dizem, nada querem dizer e nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer. ... o eterno silêncio... sobre todas as coisas..."
Encontrei esse belo poema de Antonio Cicero num site de literatura que não me lembro qual. Fui conferir, agora, a autenticidade dele e o encontrei publicado no blog do próprio autor que, aliás, eu não conhecia (o blog, não o autor). Há, nesse blog, um desdobramento dessa publicação motivado por um comentário que serve como pretexto para uma reflexão que discorda do conteúdo do poema. Achei esquisito discordar do conteúdo de um poema, but... o rapaz acaba levantando questões interessantes.
Antônio Cícero dá um show nas respostas, ainda que diga "não me sinto capaz de explicar um poema meu". Ele acaba sim, num certo sentido, explicando o poema ao responder as perguntas do rapaz. E faz isso muito bem (embora o poema não carecesse propriamente de explicação). Responde às questões com excelentes perguntas, suposições, interpretações possíveis e um raciocínio que me parece impecável. A discussão versa sobre o clássico tema da existência e natureza divinas, bem como sobre aquilo que ficou conhecido (seja na filosofia, na teologia ou na filosofia da religião) como o “problema do mal” — tema sobre o qual passei debruçada uns bons anos da minha vida. Há outros comentários ali, mas a discussão para a qual eu chamo a atenção é entre Lucas Nicolato e Antônio Cícero. Estou com um pouco de preguiça de reconstruir a discussão. Então, se tiver curiosidade,
take a look: http://antoniocicero.blogspot.com.br/2007/08/sair.html.