domingo, abril 12, 2009

O apetite desordenado de viver


No prefácio que Albert Camus (1913-1960) escreve em O Avesso e o Direito, ele mesmo se refere à frase "Não há amor de viver sem desespero de viver", revelando que na época em que a escreveu (aos 22 anos), "não sabia a que ponto dizia a verdade" pois "não tinha atravessado, ainda, os tempos do verdadeiro desespero." A frase se encontra no ensaio Amor pela Vida.

É engraçado, a primeira vez que li essa frase (bom... eu já tinha 39 anos), meu coração disparou e nunca mais parou de disparar por ela.

Ela está duplamente grifada: no prefácio e no ensaio. Cada vez que a leio sinto-me profundamente tocada. Verdade ou não, ao rememorar meus 22 anos, lembrei-me que eu já havia experienciado sim, algumas vezes (e não poucas), o verdadeiro desespero, não só já aos 22 anos, como a todos os que se seguiram e se seguiam...

Alguém poderia pensar agora: NOSSA! O que será que ela viveu tanto assim para falar em verdadeiro desespero? Eu diria, eu vivi muitas coisas que não vêm aqui ao caso (uma hora dessas eu conto... rs, em partes, é claro!). O ponto não é o quê (o quid), mas como eu vivi cada segundo dessa minha vida, com que intensidade: dúvidas, incompreensões, erros, euforias, alegrias, dores e dilemas morais, desejos, frustrações, medo, amor, ódio, algumas dores físicas... ah... como briguei comigo e com o mundo, como quis que o universo se ajustasse aos meus desejos, como chorei, como virei do avesso, como tentei me endireitar (em algumas coisas eu consegui haha), como ri, como me regozijei, como me desesperei!

Camus diz que estes tempos chegaram e conseguiram destruir tudo nele, "exceto, justamente, o apetite desordenado de viver." Eis outra frase que me arrebata, pois isso nada mais é do que paixão, um tema que eu persigo e que me persegue: esse apetite desordenado de viver.

Camus revela ainda sofrer dessa paixão, "ao mesmo tempo fecunda e destrutiva, que explode até nas páginas mais sombrias de O Avesso e o Direito". Ele fala em "ardor esfomeado", no que a vida tem de melhor e pior. Isso me faz lembrar o amor fati de que Nietzsche fala, de seu reclame à retomada do espírito trágico. Depois, Camus cita Stendhal: "Mas a minha alma é um fogo que sofre se não arde."

Os ensaios reunidos em O Avesso e o Direito foram escritos entre 1935 e 1936 e publicados em 1937, na Argélia, em tiragem muito reduzida. A edição foi rapidamente esgotada e Camus se recusou a reimprimi-la por 20 anos. Quem quiser saber por que terá de ler o prefácio que o autor adicionou à sua reedição. Só o prefácio já vale a obra. E a obra... ah... a obra, você terá de ler também. E acho que não é preciso dizer por que...

9 comentários:

Aguinaldo Pavão disse...

Belíssimo post.
Mas fiquei intrigado. O desespero é para ser entendido como? Eu associo essa palavra à ausência de esperança. Se for esse o caso, discordo da frase de Camus. As ocasiões, felizmente raras, em que mergulho no desespero retiram de mim o amor de viver. Mas talvez tenha interpretado mal. Nesse caso, acho que você poderá me ajudar.
Beijo.

Marília Côrtes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marília Côrtes disse...

Caro Aguinaldo, obrigada pelo comentário... sempre provocador!!! Já que rendeu interpretações diversas, resolvi publicar num outro post. Veja lá. Um beijo.

Anita disse...

Eita, Marília, estava pesquisando sobre o Camus, e me surgiu na tela esse teu post, li devorando e saboreando. Me identifiquei como nada...

Gostaria muito de um dia ainda ter aula com você, acho que seria uma experiência ímpar!
Vem pra cá também, vai! rsss...

Saudades das conversas que tínhamos.

Bjo grande!

Marília Côrtes disse...

Oi Anita... obrigada pelo comentário. Foi bom porque há tempos não lia isso aqui. E é sempre bom rememorar. Posteriormente escrevi um outro sobre o mesmo ponto no qual eu respondia a um comentário. Se tiver curiosidade, acesse aqui: http://mariliacortes.blogspot.com.br/2009/04/apetite-e-vontade-de-potencia.html

Quanto a dar aulas por aí, bem que eu queria... Mas agora to em Sampa. Como sou meio nômade, quem sabe um dia. Seria um prazer, beijos.

Anita disse...

Ah que legal a indicação. Vou ler logo mais, com toda certeza.
Não sabia que está em SP, que bacana.

A PUC daqui tem bem mais professores do que professoras na área de filosofia, seria muito bom mesmo te ter por aqui, acho que se daria muito bem, é super tua cara...rss

E já que mencionou a vida nômade, quando estiver por aqui, lembre-se de avisar e tomamos aquele café que há milênios não foi tomado.

Beijo!

Marília Côrtes disse...

Ops, você está estudando na PUC, Anita?
Bom, pode deixar, passando por aí te dou um alô.
beijos.

Anita disse...

Sim, Marília, desde o ano passado. Tem sido uma experiência ótima, apesar de bem puxado.

Vou te enviar um e-mail com meu telefone, faço questão de verdade de tomar um café contigo ;)

Beijo!

Marília Côrtes disse...

ok... legal, aguardo o email, bjos