terça-feira, abril 21, 2009

Apetite de viver e vontade de potência

Caro Aguinaldo, obrigada pelo comentário... sempre provocador!!! E já que rendeu interpretações diversas, resolvi publicar minha resposta nesse outro post.

Não acho que você interpretou mal. Mas sim de uma perspectiva unilateral. Acredito que o desespero pode ser entendido negativamente e associado à ausência de esperança, como algo que retira o amor de viver, como você falou. Mas também pode ser associado à esperança desesperada de vida, ou desespero de viver, de amar, de desejar e de ser feliz.

Posso dizer que fiz a associação que você fez em raríssimas situações em minha vida. O que me chamou a atenção na frase de Camus (e que me fez concordar com ele, por entendê-la a partir da minha vida, e não da dele) é a perspectiva, bem ao gosto nietzscheano (sorry rs), da Vontade de Potência, e, às vezes, mas só quando estou pessimista, ao gosto schopenhaueriano. No caso de Schopenhauer, refiro-me àquela vontade de vida insaciável, autofágica, sem direção e fim que nos leva a pendular do tédio à necessidade numa insatisfação desesperada. É um apetite desordenado, um desespero, mas não no sentido que geralmente eu entendo.

Meus desesperos não foram e não são raros, mas são desesperos que, em geral, aumentam o meu apetite de viver. Por isso simpatizo-me mais com a teoria nietzscheana (e aqui não quero entrar no mérito ou demérito de se Nietzsche é filósofo, poeta, bufão, louco ou dinamite) da Vontade de Potência, segundo a qual viveríamos (desesperadamente, a meu ver, se o quantum de vontade de potência for grande e forte) para ultrapassar limites, vencer desafios, culpas e ressentimentos – um auto superar-se, mas não naquele sentido piegas que a gente vive criticando rs.

Sendo mais radical, penso num desespero de poder vencer a morte. Não só a grande morte, no caso de a vida estar em risco, devido a uma doença fatal, um acidente grave, uma catástrofe, tragédia, ou apenas uma depressão profunda que, no extremo, te leve ao suicídio; como as pequenas mortes que vivemos em vida, ou seja, toda e qualquer perda que nos custe caro - como a de um amor, por exemplo.

Antes de associar desespero à falta de esperança, associo-o à esperança desesperada de superar (ou não ter que passar por) tudo isso aí que eu falei. É a idéia do náufrago que diante da consciência da morte iminente, agonizante, agarra-se a uma palha (ou tábua) na esperança de permanecer vivo: é desespero, mas é desespero de vida, de amor pela vida e por si próprio.

Você mesmo já me falou em algumas situações: nossa! como você ama a vida! não se desespere! Numa dessas vezes eu estava mesmo desesperada... e de medo! Voltávamos de Passo Fundo e na estrada despencou aquela chuva torrencial que tornou a viagem extremamente tensa e perigosa. Não enxergávamos um palmo adiante do nariz, não dava pra parar nos acostamentos, verdadeiras correntezas se formavam nas baixadas e curvas.

Enquanto isso, do outro lado do Estado do Paraná, minhas filhas mais novas também estavam na estrada, voltando de São Paulo com o pai, e eu, ali, com aquele espírito terrivelmente trágico, sofria desesperadamente com a idéia de que eles poderiam estar numa mesma (ou pior) situação, e que, portanto, alguma tragédia poderia ocorrer, fosse com eles ou conosco. O que me restava? Uma esperança desesperada de ultrapassar tudo aquilo e viver (apesar de tudo, pra mim, la vita è bella rsrs).

Quero (e acho que todo mundo quer) viver bem, feliz, com satisfação e prazer. Mas você sabe... não me agrada viver mornamente (não que eu goste de passar pela situação acima descrita). Como sou imperfeita, transbordo pelas tampas e peco, naturalmente, e na maioria das vezes, pelo excesso: excesso de intensidade rsrs. É isso que faz com que eu me identifique com o apetite desordenado, desespero e amor de viver de que Camus fala. Tá certo que com a experiência consegui ordenar melhor esse meu apetite, mas ainda faço muita desordem nessa vida hehehe.

Um beijo.


7 comentários:

Kiosco Salo Concepción disse...

Hola:

Un saludo cordial desde Concepción, Chile.

Atentamente,

Luis Roco C.
Kiosco Salo Concepción

Aguinaldo Pavão disse...

Marília.
Acho que você tem razão quando afirma que interpretei a frase Camus a partir de uma “perceptiva unilateral”. Talvez possamos selar um acordo de paz nos seguintes termos: você parece querer tirar proveito (licitamente) do sentido lato da palavra desespero enquanto eu procuro conferir a ela um sentido mais estreito. O caso de Schopenhauer me parece muito interessante. Eu arriscaria dizer que há curto-circuito na compreensão schopenhaueriana. Se agimos, necessariamente acalentamos uma esperança mínima. Se o pessimismo teórico de Schopenhauer pudesse ser assimilado a um ponto de vista pratico, não consigo ver razões para que continuemos apostando nossas fichas na vida. Ou deveríamos reconhecer que vivemos por viver (sem razão) ou deveríamos devolver o bilhete. Há, porém, um sentido positivo ao desespero que nos é ensinado pelo epicurismo e estoicismo. A alegação deles, como você sabe, é de que a esperança envolve incerteza e nossa alma não pode ficar tranquila diante disso. Se nada esperássemos, alcançaríamos a ataraxia. A mim parece sobre-humano tal ideal.
E por falar em viagens e chuvas torrenciais, você não acha que o motorista merecia alguns encômios?
Bj

Marília Côrtes disse...

Acordo de paz selado... e acho bem pertinente a relação que vc fez com o estoicismo e epicurismo. Inclusive acredito que essa idéia possa ser estendida à concepção dos budistas de que o estado mais elevado de vida (o de Buda) traduz-se na imperturbabilidade absoluta de nosso espírito (ou alma). E isso se apresenta a mim também como algo sobre-humano. Como demasiadamente humana (e mundana... não pejore esse termo, please), percebo-me, ao menos quando estou desesperada (naquele sentido bem lato que você falou), a anos-luz desse estado. Pobre de mim shuiff rsrsr!
Quanto ao reclame dos merecidos encômios, de fato, você foi estoicamente sobre-humano, além, é claro, de demasiadamente hábil e eficiente. Desculpe-me não ter mencionado essa proeza antes, my lovely lord. bj

Gilberto G. Pereira disse...

Marília, em primeiro lugar, gostei muito de sua explicação sobre o desespero, tendendo, me parece, a concordar com o conceito empregado por Camus, segundo o qual, se o mundo desaba sob nossos pés e nos desesperamos, uma vez que não existe Deus, só nos resta encarar a vida com resignação, ir adiante como Sisifo fazia ao rolar a pedra dada por Zeus montanha acima. "Viver é muito perigoso", frase de Riobaldo que também nos revela uma constatação de desespero latente.
Em segundo lugar, queria agradecer sua visita ao meu blog e convidá-la a aparecer sempre.
Um abraço!
Gilberto

Marília Côrtes disse...

Gilberto, obrigada pela visita e comentário. Na verdade não gosto muito da palavra resignação (tenho um espírito meio briguento), mas confesso que quando as coisas escapam aos nossos poderes, quando o universo de jeito nenhum se ajusta aos nossos desejos, só nos resta ajustarmo-nos aos ditames dele, isto é, resignarmo-nos. E isso é fatal.
Um abraço

Anita disse...

Marília, li. E, lendo esse texto um insight me ocorre: não foi à toa que projetei coisas em você (foi terrível, já tentei me desculpar, mas também é passado), mas lendo percebi o quanto me identifico com tua forma de ver a vida, e quem sabe mesmo, a tua forma de ser na vida.
Também eu, compreendo esse desespero como algo até transcendente (e não falo num sentido além vida), que te coloca novamente em pé diante da vida, mesmo quando essa não parece mostrar sentido algum.
Nem preciso dizer o quanto sou "fã" de Nietzsche, né? rsss...

Muito ótimo te ler. Um dia ainda consigo escrever de maneira assim, tão fluida, contundente e também simples, didática.

Beijo grande!

Marília Côrtes disse...

Obrigada, Anita, pelo interesse, leitura e elogios. Na buena, girl, já te desculpei, esqueça aquela história... e concentre-se na filosofia (que é algo bem mais interessante rsrs).
beijos