terça-feira, junho 02, 2015

Urgentemente


É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.


(Eugénio de Andrade)

segunda-feira, maio 11, 2015

No touch


Ella escrevia para tentar sobrepujar toda aquela dor, ao ter que admitir, a contragosto, que ambos não poderiam mais chutar a bolinha do gato, classificar livros nas estantes, fazer panquecas e amor, ou sexo nas escadarias; tampouco poderiam ouvir o confortável silêncio que se seguia ao toque de seus olhares e sorrisos refrigerantes. Com a boca amarga, e um nó na garganta, Ella vaticinava que, diante das coisas que ouvira e de tudo que acontecera, ambos já não poderiam mais se tocar de forma alguma. Num brusco movimento de saída, engolindo seco, Ella disse:  ok, não vou mais perturbá-lo com a minha presença. E sem dizer mais nada, pensou: perturbarei sim, mas com a minha falta, muita falta...


[by Daniel Murtagh - Mourning]

sábado, abril 25, 2015

Whatever you want...

Notei que nunca havia publicado uma música aqui. Desde que descobri essa, ouço-a repetidas vezes (e incansavelmente). É bela, profunda, delicada, dolorida, rouca e rasgada. É tocante, densa, poderosa e charmosa (do jeitinho que eu gosto). 

Dedico-a àquele que souber apreciá-la, especialmente a 
você mesmo... que me mata de saudades! 
Turn up...


PostmodernJukebox


[...]

What the hell am I doing here?
I don't belong here

She's running out again
She's running
She run, run, run, run, run

Whatever makes you happy
Whatever you want
You're so very special

[...]

domingo, março 15, 2015

Desculpe o beijo que se desvanece em pó


Aquele domingo em que você acorda às 6:30 da manhã porque dormiu cedo demais, porque estava com dor de garganta, frágil, o peito ardendo, febril e cansada, e pensa no monte de coisas que tem pra fazer, e se pergunta: o que devo fazer primeiro? e se responde: faça o que mais gosta!

Uma vozinha sussurra lá do fundo do meu eu: ─ vá lá, Marília! escreva qualquer coisa (nem que seja uma bobagem qualquer). Aproveite ao menos um de seus diversos e intermináveis esboços rascunhados em seus papeizinhos e cadernetas espalhadas pelas gavetas e prateleiras de seu refúgio ─ guardião de seus sentimentos e pensamentos. Traga-os à tona. Mas não viajes demais. Lembra-te que tens que escrever uma comunicação para o V Encontro Hume. Escrever não! (a voz me corrige): reescrever, repensar e reescrever, porque um texto a respeito já foi ensaiado outrora. Retome e desenvolva aquele ponto. Teu prazo está acabando.

Mas daí a Marília, diletante como ela é, abre um caderninho aqui, outro ali, passeia os olhos pelas prateleiras de livros, dedilha algumas páginas, procura algo sem saber ao certo o quê! Abre uma gaveta. Encontra diversas anotações rabiscadas. Abre outra. Encontra mais um tanto. Lê umas, lê outras, e vai se distraindo com elas, pensando na vida, rememorando suas ideias e experiências. Dependendo do que lê, Marília sente uma dorzinha aqui, outra ali. Ou então um prazer, seguido de uma enorme satisfação, e, depois, seguido de uma mágoa, de uma raiva, sucedidas por um novo pensamento, uma nova lembrança e prazer, que seguem alternadamente circulando junto ao sangue... que vai e vem e vai e vem... in transe...

Ela decide, então, assim, num impulso e ao acaso, abrir seu bom e velho dicionário amoroso. O verbete que se estampa intitula-se FESTA: “o sujeito apaixonado vive cada encontro com o ser amado como uma festa”.

“Esta noite ─ tremo ao dizê-lo ─, eu a tinha nos braços, apertada contra o meu peito, eu cobria de beijos intermináveis seus lábios que murmuravam palavras de amor, e meus olhos se afogavam na embriaguez dos seus! Deus! serei castigado, se ainda agora experimento uma celeste felicidade ao me lembrar dessas ardentes alegrias, ao revivê-las no mais profundo do meu ser” (Werther) ?

“A festa [...] é um júbilo e não uma explosão: gozo do jantar, da conversa, da ternura, da promessa certeira do prazer: ‘uma arte de viver acima do abismo’”.

“(Então, não significa nada para você ser a festa de alguém?).”

Ela guarda a pergunta e segue o dia... absorta em seus pensamentos.

BARTHES, Roland | Fragmentos de um discurso amoroso | 9ª. Ed. | Tradução de Hortênsia dos Santos | Rio de Janeiro| F. Alves | 1989 | p.113

sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Um pico certeiro na veia



Dalton Trevisan disse uma vez que "um bom conto é pico certeiro na veia". A meu ver, ao dizer isso, Trevisan já nos dá um pico na veia. No entanto, não estou aqui para falar de contos, mas sim de filosofia.

Mutadis mutandis, penso que existem mais coisas boas, além de um bom conto, que podem ser consideradas um "pico certeiro na veia": uma frase forte, densa, profunda, curta e precisa (tal como essa picada dada pelo próprio Trevisan); três, cinco, ou, talvez, sete linhas contidas numa ideia breve, mas brilhante, que nos atinja como um olhar dardejante, ou mesmo uma paulada na cabeça, um corte na jugular ou um tiro na fonte. Sim, um pico certeiro na veia, tal como uma facada no peito, pode nos levar desta para o nada absoluto (pois não creio que a gente vá desta para melhor). 

Além dos literatos, alguns filósofos são especialistas em picar nossas veias. Schopenhauer é um deles. Ao tratar do tema "felicidade", um tópico caro à filosofia, bem como a qualquer mortal comum, ele tem coisas interessantes a dizer, ainda que possa soar no mínimo curioso um filósofo pessimista (que concebe o sofrimento como a essência da vida e a felicidade como simples ausência de dor) ter algo interessante a dizer sobre a arte de ser feliz. Acerca desse tema já teci alguns comentários aqui http://mariliacortes.blogspot.com.br/2009/02/felicidade-amor-pelo-estudo-e-ilusoes.html e aqui http://mariliacortes.blogspot.com.br/2009/03/ilusao-crenca-esperanca-paixao-e-auto.html a partir de outros autores da filosofia.

Em A Arte de Ser Feliz (um pequeno tratado que contém anotações, máximas e regras de vida), Schopenhauer afirma, entre muitas outras coisas, que a principal verdade da arte de ser feliz é a de que tudo depende muito menos daquilo que se tem ou representa do que daquilo que se é... e que "a personalidade é a felicidade suprema" (p. 126). Quer dizer, o que se tem (bens e posses) ou representa (a reputação, a categoria, a fama) são bens necessários para a felicidade, mas o que se é (a personalidade), é, de longe, mais fundamental para atingir tal fim (p.123). “Aquilo que alguém tem para si mesmo, aquilo que o acompanha na solidão e que ninguém pode lhe dar ou tirar é muito mais essencial do que tudo o que possui ou do que ele representa aos olhos alheios” (p.126).

Convém notar que o termo personalidade é aqui concebido em sentido muito mais amplo, “compreendendo a saúde, a força, a beleza, o caráter moral, a inteligência e a educação da inteligência" (A Arte de Ser Feliz, p.123). De acordo com Schopenhauer, a maior parte desses bens  ─ que não só contribuem para a felicidade, mas também estabelecem “a diferença na sorte dos mortais” (p.123) ─ depende do quanto a natureza foi ou não generosa conosco - o que não significa, obviamente, que não podemos fazer nada com o que a natureza fez de nós. Como e qual é a (suposta) margem de manobra (ou liberdade) que temos para alterar as determinações que a mãe ou, dependendo do caso, a madrasta natureza fez de nós seria matéria para outro post (que não sei se um dia vou escrever).

Ele diz também (e aqui me aproximo de onde quero chegar) que "em todas as ocasiões possíveis usufrui-se na verdade apenas de si mesmo: se o próprio eu não vale muito, então, todos os prazeres são como vinhos excelentes em boca azeda com fel” (Máxima 44, p.108).

Ora, quando Schopenhauer faz menção ao "próprio eu" (esse é o ponto), ele está a se referir especificamente ao caráter moral do sujeito, ou seja, àquilo que ele é em sua essência. Vale dizer, em sua consciência moral.

Em Sobre o Fundamento da Moral, Schopenhauer se serve da máxima expressa pelos escolásticos  “Operari sequitur esse” segundo a qual as “ações se seguem do ser” ou “o fazer se segue do ser”, para enfatizar a dependência da ação de alguém em relação ao seu caráter. “Como alguém é, assim tem de agir” (SFM § 10: 96). Nesse sentido, as ações dos homens são signos de seu caráter. Então, se queres conhecer alguém, observes regularmente como ele age, como ele se comporta, que tipo de coisas ele é capaz ou não de fazer. A observação constante do temperamento, do comportamento e das ações de uma pessoa, sob determinadas circunstâncias, é fator indispensável para o conhecimento de seu caráter. Essa é uma regrinha básica de sabedoria de vida que poderia ser considerada um truísmo caso não fosse pronunciada pela boca de um filósofo da envergadura de Schopenhauer (e de outros tantos do mesmo calibre). Pois não se exige propriamente filosofia para o seu conhecimento ─ a experiência confirma a regra.

Mas voltemos à picada na veia (deixando de lado os problemas que emergem da distinção schopenhaueriana acerca do caráter inteligível, caráter empírico e caráter adquirido, bem como as consequências disso tudo para a teoria sobre a liberdade e responsabilidade moral). 

A sentença segundo a qual se o caráter do indivíduo "não vale muito... todos os prazeres são como vinhos excelentes em boca azeda com fel" é, a meu ver, um pico certeiro na veiaFeliz de quem sacar essa “sabedoria de vida” e souber usar a margem de manobra que se tem para conseguir corrigir, com a experiência e a instrução (a educação da inteligência) os péssimos traços ou desvios de caráter com os quais a madrasta natureza por ventura o dotou. Ser belo, saudável, inteligente, sedutor, abastado (e possuir muitos outros bens) contribui em muito para a felicidade, mas se o caráter não for bom, dificilmente tal indivíduo será feliz ─ o que significa que a qualidade do caráter de um indivíduo é o que mais importa para a sua felicidade. 

Quem não teve a sorte de ser agraciado por uma natureza-mãe em sua constituição natural (especialmente quanto ao caráter e temperamento), e não compreender os princípios básicos da arte de ser feliz, jamais poderá saborear os néctares dos deuses, ainda que eles desçam dos céus e lhe ofereçam diretamente em seus lindos lábios.

sábado, janeiro 31, 2015

sábado, janeiro 10, 2015

Entre o céu e o inferno

Daqueles manuscritos que a gente encontra guardados naquela pasta escondidinha bem no fundo da gaveta da escrivaninha




em meio à agonia do excesso da tua ausência que me dilacera há dias,
encontro-me entre o agir e o permanecer na inércia,
entre o falar e o silenciar
entre ir até aí te encher de beijos, carinhos e cuidados
ou te falar poucas e boas que podem ferir e magoar
enfim
encontro-me entre a generosidade e miséria do meu coração.

toda essa dor faz com que eu me sinta como um animal acorrentado pelo tornozelo da pata traseira.

e me vem uma louca vontade de sair correndo de dentro de mim mesma, como se ao abandonar meu corpo pudesse também libertar minha alma.

ora me encontro num inferno gelado
ora no seio da cratera de um vulcão
neste, me sinto malévola, pronta pra espalhar minhas lavas e destruir tudo, inclusive você!
naquele, me sinto frágil, desprotegida, doente e só na minha dor.

e me vem uma vontade louca de te implorar socorro
e aí eu choro, perdida, intemperada, dissoluta
transitando entre o amor e o ódio,
o céu e o inferno.

[24/01/2000]

quinta-feira, janeiro 08, 2015

Ossos do ofício

Segue abaixo um mini diálogo inventado para aproveitar certos termos e empregos "pérolas" encontrados nas provas de alguns alunos da UEL do semestre retrasado. O contexto no qual os termos se encontravam era outro, mas o emprego deles sugeria os sentidos que dei aqui.

- Professora... a senhooora pode me assanar umas dúvidas?
- Oh, claro, meu caro!
- Eu queria saber, professora, se o homem é ou não é adotado de sentimentos humanitários, e também como a filosofia explica o extinto humano...

Oh... help me! rs

quarta-feira, janeiro 07, 2015

About titles

Como se não bastasse, agora, a quantidade de livros, artigos, revistas, cadernos e cadernetas de anotações; a quantidade de pastas de estudos, manuscritos, arquivos em PDF, word et cetera e tal (afora docs, músicas, vídeos e filmes) que tenho armazenada aqui, tenho também um arquivo de imagens e fotos ─ não só aquelas que poderíamos chamar de "pessoais", isto é, de família, amores, amigos, lugares, passeios, viagens and so on, mas também imagens públicas que encontro e salvo pelas andanças que faço pela internet, especialmente imagens de obras de arte, fotos incríveis, sugestivas, curiosas, interessantes, criativas e/ou, simplesmente, belas. Salvo-as em meus arquivos e fico imaginando um texto (ou um poema) pra elas, a começar pelo título. Às vezes, fico só no título. A foto abaixo, por exemplo, eu intitularia assim: 

Que tal um tango para o jantar?



E talvez, um dia, eu escreva um texto pra ela.



[sorry, mas não encontrei a referência da foto]