quinta-feira, julho 19, 2018

domingo, julho 15, 2018

Refrigescere


A Pantera
(No Jardin des Plantes, Paris)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.



[ Rainer Maria Rilke | Novos poemas I | (1907) | In: CAMPOS, Augusto de (organização e tradução) | Coisas e anjos de Rilke | São Paulo | Perspectiva | 2013 | p. 120-121 ]




(não entendo nada de alemão, mas eis, abaixo, o poema na língua original)



Der Panther
(Im Jardin des Plantes, Paris)

Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden,dass er nichts mehr hält.
Ihm ist, als ob es tausend Stäbe gäbe
und hinter tausend Stäben keine Welt.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein grosser Wille steht.

Nur manchmal schiebt der Vorhang der Pupille
sich lautlos auf -. Dann geht ein Bild hinein,
geht durch der Glieder angespannte Stille –
und hört im Herzen auf zu sein.

[Rainer Maria Rilke | in “Neue gedichte – I” (1907)]



Rilke
by Helmuth Westhoff
 1902

quarta-feira, julho 04, 2018

Existência


Não sei se és real. Há qualquer coisa em ti que depõe contra a tua existência. Talvez sejas mesmo irreal e só aos meus olhos sejas aquilo que tu és. De qualquer forma, só com os meus olhos posso ver-te – e nada garante que eles não estejam enganados. Quem sabe sejas tu um delírio meu, ou sejas onírico, ou mesmo alucinatório. Como posso eu provar a tua existência? Eu poderia tocar-te, mas quem garante que o meu tato seja mais confiável que a minha visão? Eu poderia com gosto provar da tua saliva, do teu suor ou do teu sangue, mas tampouco confio em meu paladar. Eu poderia ainda farejar-te, como fazem os cães, mas nada leva a crer que o meu olfato tenha mais acesso a ti do que os outros sentidos. Porém, quando escuto a tua voz, sei que alguma parte de ti deve existir, pois que tua voz me fala de arcaicas tempestades, tragédias há muito sepultadas, festejos de um deus estrangeiro e bárbaro, algo em tua voz me traz de volta à Hélade, a Atenas do século V a.C., estando tu misturado à plateia no teatro de Dioniso, quando Ésquilo encenava a Oresteia, ou quando Eurípedes a Fedra ou quando Sófocles o Oedipous Rex.

[ Ygor Raduy | in: Pequeno Manual de Coisas Absolutamente (In)Úteis | p.4 ]



male figure in red
by Ygor Raduy

segunda-feira, junho 18, 2018

De olhos bem vendados


Imaging Red |Asya Kucherevskaya


Nunca, na história deste país, os fatos contradisseram tão bem o velho ditado-clichê segundo o qual a justiça tarda, mas não falha. Aqui, em nossa corrupta e mal administrada res publica, a justiça não apenas tarda, mas, na maioria das vezes, também falha. E, pior, agoniza!

Aliás, eu diria, não apenas aqui, na história deste país, e agora, em nosso tempo (nesse caso, o "nunca" introduz o assunto aqui apenas como recurso retórico). Se houve na história da humanidade, acho eu, um tempo e lugar no qual a justiça (pensemos especialmente naquilo que costumamos chamar de justiça social) se fez efetivamente justa, prevalecendo sobre as injustiças, esse tempo deve ter sido muito curto. Não é à toa que desde Sócrates e Platão essa virtude cardeal par excellence  foi e continua sendo matéria de diversas controvérsias, teses e dissertações.

É claro que alguns vão dizer que Deus - o supremo legislador moral - está vendo e fará a justiça prevalecer no dia do juízo final, que não compreendemos seus onibenevolentes desígnios, que Ele nos reserva um verdadeiro paraíso no além, e que, em algum momento, todos os males serão punidos e todos os bens recompensados, ou mesmo que, do ponto de vista da eternidade ou do todo (que ninguém jamais alcança, diga-se de passagem, exceto o próprio Deus, caso exista), os males, misérias e injustiças que superabundam no mundo serão, ao fim e ao cabo, bens para o universo.

Mas isso, diriam outros, já seria sair do exame da vida ordinária, ultrapassar o alcance e os limites de nossas faculdades e adentrar o reino das fadas, centauros e dragões.


Giulio Aristide Sartorio | Studio per la Gorgone e gli eroi


terça-feira, junho 12, 2018

A morte feliz




"... Tudo se esquece, até mesmo os grandes amores. É o que há de triste e ao mesmo tempo de exaltante na vida. Há apenas uma certa maneira de ver as coisas, e ela surge de vez em quando. É por isso que, apesar de tudo, é bom ter tido um grande amor, uma paixão infeliz na vida. Isso constitui pelo menos um álibi para os desesperos sem razão que se apoderam de nós".

[Albert Camus | A Morte Feliz]


quarta-feira, maio 30, 2018

Da imensidão do mar


Pena Líquida

Saudade,
dor de talento solitário,

sinonímia de banzo. Dor
de arrasto recolhida

ao leito das lembranças,
que nos condena à penitência

das aves sem voos,
de passos sem presença

e na esperança de retorno
do outro nos alinha.

Saudade é a pena líquida
que polimos quando

o objeto amado
de nós se distancia

em ausências sem esperas
ou em esperas sofridas.

[Marina Alice da Luz Ferreira]





Marina Alice foi, outrora, minha professora no curso de Comunicação Social da UEL (1982-1984). Coincidentemente, no dia em que minha primeira filha, Marina, nascia (1985), Marina Alice apareceu nos corredores da maternidade e presenciou-me andando e chorando um pouco as dores e o medo do parto que se aproximava. Um parto que se tornou cesária. Nunca me esqueci daquele dia, daquela cena, tampouco do abraço carinhoso de "boa hora" da Marina Alice. E jamais se esquece também do nascimento de uma filha.

Há não muito tempo soube pelo facebook (sim, o facebook é uma entidade falante) que Marina Alice escrevia poesias. Saquei melhor o porquê de ter sentido uma admiração e simpatia imediatas por ela. 

Marina tem poesia dentro dela
e mar... mar... 
mar...



O poema apareceu em minha timeline dedicado aos amigos queridos com as seguintes palavras:

"uma pausa do caos externo para pautar o que me vai na alma." 


quinta-feira, maio 24, 2018

A cell phone call



Lá estava ela
toda nua
e molhada
suspirando alto
e solenemente
como ama
um banho quente
quando
de repente
ouve o celular vibrar
e tocar impune
e desavergonhadamente

triiiiim
(é ele...)

(palpita o coração)

triiiiiim
(é ele...)

(para o coração)

triiiiiim
(é ele...)

(dispara o coração)

trim trim trim trim trim trim trim trim...

........................................
[marília côrtes / 2018]


segunda-feira, maio 14, 2018

Abismo-me


"Por mágoa ou por felicidade, sinto às vezes vontade de me abismar."

[ Barthes, Roland | Fragmentos de um Discurso Amoroso | p.9 ].

Abisme-se!


[photo by Taida Celi ]


sexta-feira, maio 11, 2018

sexta-feira, maio 04, 2018

Voyages V


Meticulosos, após a meia-noite em clara geada,
Infrangíveis e solitários, suaves como moldados
Em conjunto numa só impiedosa lâmina branca –
Os estuários da baía pontilham os severos limites do céu.

– Como que friáveis ou claros demais para tocar!
As cordas de nosso sono tão rapidamente dispostas,
Já pendem, pontas rasgadas de estrelas relembradas.
Um só sorriso gelado sem rastros... Que palavras
Podem asfixiar esse surdo luar? Pois nós

Somos tragados. Agora nenhum grito, nenhuma espada
Pode comprimir ou desviar essa cunha das marés,
Retardar a tirania do luar, luar amado
E transformado... “Não existe

Nada assim no mundo”, dizes tu,
Sabendo que não posso tocar tua mão e olhar
Também naquela fresta ímpia do céu
Onde nada gira a não ser a areia faiscante.

– “E nunca entender plenamente!” Não,
Na frota de teus cabelos brilhantes nunca sonhei
Tal navio sem bandeira, uma pirataria dessas.

Mas agora
Aproxima tua cabeça, sozinha, alta em demasia.
Teus olhos já no ângulo da espuma que se afasta;
Tua respiração, selada por fantasmas que não conheço:
Aproxima tua cabeça e dorme a longa viagem para casa.


[ Hart Crane (1889-1932) | tradução de Denise Bottman ]


Hart Crane by Walker Evans
....................

Às vezes o facebook nos traz coisas muito boas. Não conhecia esse poema de Crane. Segundo a própria tradutora, de quem "roubei" o belo poema, Crane era um rapaz torturadíssimo que se matou aos trinta e dois anos. Seu amante mais amado era um marinheiro dinamarquês, Emil Opffer. Daí as referências ao mar, à despedida e à viagem (de Emil) de volta para casa.

Dei uma googlada e soube também que ele se suicidou saltando do navio que o levava a New York. 

Vinicius de Moraes dedica a ele um poema intitulado 'O poeta Hart Crane suicida-se no mar', acesso aqui a quem interessar possa.


quinta-feira, abril 19, 2018

sábado, abril 07, 2018

A velha e soberana verdade


Bah!
estou farta de
opiniões
opiniões
opiniões!

proclama a voz da velha e soberana Verdade
 essa metida a besta e sabe-tudo

blá blá blá
Blá Blá Blá
BLá BLá BLá
BLÁ BLÁ BLÁ

burburinham seus súditos 
ph*didos 

em meio ao caos geral da nação



La Verité | 1901 
Luc Olivier Merson
(1846-1920)
huile sur toile
Musée d'Orsay | Paris | France

quarta-feira, abril 04, 2018

Por quê?





Hey, boy,
por que apagaste
as linhas de meus horizontes?

Hey, boy,
por que empalideceste
o alvorecer de minha manhã?

Hey, boy,
por que ocultas
o meu sol?

Hey, boy,
por quê?


[ digital collage by © Fajar P. Domingo ]


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Mais tarde, minha sobrinha (Lully), nos comments do facebook, arrematou o poema com um:

"Damn, boy, f**k u !"

(confesso que adorei, rs)