domingo, maio 23, 2021

Tudo traz, tudo leva, tudo lava


Ela me perguntou o quanto eu a amava.

Reuni em vidro todos os humores vertidos:

sangue, sêmen, lágrimas.

Amo você tantos rios.

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Carla Madeira | Tudo é rio | Record | 2021




Desnudo tendido
José María Rodríguez-Acosta | 1878-1941
Granada | Museo de Bellas Artes


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Quem não leu esse romance fascinante de Carla Madeira não tem ideia do que está perdendo. Tudo é rio é tão bem escrito que dá até raiva na gente. Raiva e inveja. A gente pensa: como é que pode escrever tão bem assim, e já em seu romance de estreia? A história é tão formidável (não vou dar spoiler rs) e tão bem escrita que o livro não precisa sobreviver à crítica 200 anos pra gente saber que é bom — (sim, há quem defenda essa "tese da sobrevivência de uma obra", mas não é o meu caso). E tem mais: é um romance que não deve ser lido, devorado, assim, como um outro qualquer. Ele tem de ser degustaaado.

O título que dei ao post é uma frase do prefácio de Cris Guerra. E o poema-epígrafe, pelo que entendi, é da própria Carla Madeira. Bom, não é preciso dizer (dizendo) que gamei nesse livro. Ganhei de presente da minha amiga Marly. Amiga que sabe das coisas.

sexta-feira, maio 14, 2021

O peso do mundo

 CANÇÃO

O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação

o peso
o peso que carregamos
é o amor.

Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano –

sai para fora do coração
ardendo de pureza –
pois o fardo da vida
é o amor,

mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.

Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor –
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
– não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contido
quando negado:

o peso é demasiado

– deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.

Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho –

sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.

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Allen Ginsberg
In: “Uivo e outros poemas” (1956).

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Imagem: Brook Shaden Photography

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Não está nada fácil comemorar mais um ano de vida em meio à trágica notícia, ontem, de 430.596 vidas perdidas em praticamente apenas um ano, e só nesse nosso país lascado chamado Brasil. Vivemos, atualmente, numa espécie de show de horrores. É meu segundo aniversário em plena pandemia. E esse é meu jeito weird de, sem palavras, bendizê-lo 🖤.