Há pouco, ao me levantar da cadeira na qual estudava,
levei um tombo ridículo (como em geral são os tombos). Virei-me rapidamente para ir até a sala buscar meu
celular e tropecei feio no adorável cão da casa que, por sua vez, descansava silenciosamente logo atrás da cadeira. Chegou ali sem que eu, absorta, o
tivesse percebido. Ele é meio cor de creme, o piso da casa é cor de creme e até
eu sou meio cor de creme. Diante desse cenário de cores e tons praticamente
indistintos, não vi nada na minha frente, afora, após o tombo, o chão na cara,
uma escuridão momentânea, seguida de algumas estrelas piscando. Caí dura, de corpo inteiro no chão, feito bloco de pedra, pois o
silente e vigilante companheiro ─ que é grande e alto ─ me passou uma rasteira. Levantou-se rapidíssimo deslocando
meus dois pés do chão ao mesmo tempo. Sem qualquer apoio, a queda foi praticamente livre. Digo praticamente porque consegui
amortizá-la um pouco com as duas mãos. As
veias de meus pulsos saltaram grossas e roxas. Meus ossos gritaram.
Doeu pacas!!! Cheguei a tocar o nariz e a testa no chão. Junto a essa cena tragicômica, senti uma
pontada nas escápulas, no pescoço, e uma forte dor no peito. Ninguém assistiu ao espetáculo, a não ser o
próprio Bóris ─ doce cão, amigo, querido, e cheio de expressão nos olhos. Sem
ninguém para me acudir no momento, fiquei ali por um tempo, estatelada, gemendo
muitos ais. Aos poucos, fui me levantando. Toda trêmula e doída.
Pensei: tive muita sorte. Se eu tivesse caído de modo um
pouco mais desajeitado, as consequências poderiam ter sido desastrosas. Eu
poderia ter quebrado o nariz, ou o osso da fronte, um ou outro ou ambos os
braços, ou uma clavícula, os pulsos, ou mesmo o pescoço ─ um pensamento trágico nunca pode faltar em se tratando de
moi...
Ah... como a vida é frágil e incerta! Eu poderia ter me quebrado toda. Um tombinho de nada (na verdade, um tombão ridículo!) e tudo que eu programei
para a semana que vem, ou mesmo para o resto de minha vida, seria revirado,
alterado ou afundado.
[Boris: cheio de expressão nos olhos]
E por falar em vida frágil e incerta, a gente ouve falar daquelas pessoas que morrem num tombo
besta porque caíram de mau jeito. Pensei: ainda que eu esteja agora toda
dolorida, com hematomas nos dois pulsos, caí de bom jeito, assim como
capotei de bom jeito na famosa estrada da morte, em outubro de 2016, a mais ou
menos 100 km de Curitiba. Nessa capotada, que de cômica não teve nada (uma clássica rodada no óleo de uma pista sob garoa), também tive muita sorte. Saí
praticamente indene. Não fiz nenhum corte, não verti nenhuma gota de sangue,
não quebrei um osso sequer. Ganhei apenas alguns hematomas abaixo dos joelhos,
nas costelas e na clavícula esquerda, além de diversos incômodos práticos e dores pelo corpo todo (como se tivesse levado uma surra). Mal
acreditei que na hora do acidente não fiquei nem tonta e saí andando, embora
estupefata, imediatamente após o carro parar embicado numa vala do canteiro que divide as pistas. Mas, para a sorte do meu destino, "esse fantasma sincronizador" (como diz Humbert Humbert em Lolita), com as rodas no chão. Para não dizer que não
perdi nada, perdi alguns materiais impressos de estudos (que foram parar na lama), um brinco da
orelha esquerda, meu Celtinha "bala" ─ tão leve, rodado e cheio de spirit ─ e mais algumas ilusões.
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[marília côrtes / 2017]