sábado, janeiro 24, 2009

Sob a pena da morte




“... a melancolia inclui as coisas mortas em sua contemplação, para salvá-las” (Walter Benjamin)

Sempre me pego pensando na morte (isso não significa que eu seja nefasta). Penso na morte levada por uma certa dose de melancolia. Não preciso de muitas doses pra isso, apenas uma certa dose. Percebo que enquanto não morremos definitivamente, vivemos muitas mortes em vida. A morte vem a conta-gotas. Embora eu sempre pense na morte, não tenho a menor inclinação para o suicídio. Profundamente mesmo, só uma vez desejei morrer, e isso já faz uns quatro anos. Mas não quis me matar. Esfacelada, quis deixar-me morrer, aos poucos, de tristeza. Demorei a sair daquele estado, mas meu apego à vida, minha vontade de vida, instinto de conservação ou “coisa que o valha” (essa expressão me lembra alguém), falaram mais alto. E eu voltei: saí daquele estado de auto-abandono. 

Em geral, minha alegria e vontade de vida falam mesmo mais alto, mas eu tenho sim vontade de morte (pulsão, diria Freud). A tristeza, a melancolia, a dor na alma (quem as pode negar quando elas nos abatem?) conduzem meus pensamentos à morte. Já morri incontáveis vezes nessa vida. Perdi a conta das gotas. Nesses dias de muita tristeza, não funciono direito, o trabalho não anda, e se anda, só na marra. Tendo a diletar. Tenho necessidade de ficar quieta, ensimesmada, no redemoinho de meus próprios pensamentos. 

Mas minha casa é muito agitada (os deveres para com ela e minhas filhas me chamam a cada instante). Fico brigando comigo mesma (e muitas vezes com elas), num mau-humor desgraçado. I get unbearable. Brava, emburrada, bicuda e chorona, chuto as paredes, bato as portas, dou murros em pontas de facas. Minha única saída é trancar-me em meu quarto. Começo a folhear livros, especialmente de poesias. Procuro poesias de amor e de morte. Trechos de tragédias, romances, contos e filosofia. É uma maneira d’eu me acalmar, mergulhar na tristeza. 

Imagino alguém a se perguntar agora: mas por que ela não foge da tristeza em vez de procurar mergulhar nela? Não seria mais saudável? Talvez! Mas não vejo assim! Na verdade vejo algo de belo e sublime na tristeza, eu diria, uma estética no sofrimento, uma estética do sofrimento... pois o que seria da poesia, da música, da arte, da literatura e da filosofia, se seus gênios não experienciassem, com todo o ardor de suas almas, a dor do amor e da morte? Enfim, da própria existência? E como eu poderia apreciá-los tanto se eu não pudesse absorver e partilhar ao menos um pouquinho dos pensamentos, obras e sentimentos deles?

terça-feira, janeiro 13, 2009

Epitáfio


Um  dia, no ano de 1987, ganhei de aniversário do meu pai uma agenda chamada Diário Poético de Mário Quintana. Cada página, de cada dia, trazia um poema, um verso, uma trova ou uma frase.

Bom, já se passaram 22 anos e eu nunca consegui me desfazer dessa agenda. Ao fazer uma arrumação geral na tranqueirada, encontrei-a esquecida numa velha prateleira, toda amarelada, carcomida pelo tempo, com a capa desmantelada (mas colada com papel contact), e, imagino, uma quantidade incalculável de inimigos invisíveis - colônias de fungos que se alimentam dos restos de cola e papel velho. Pensei: devo jogar fora? Talvez... mas imediatamente me convenci de que não.
Ganhei do meu pai (motivo mais do que suficiente).
E eu gosto dela... ponto final!

Depois, vacilei novamente: puxa, mas está velha demais, carcomida demais! Tsts... deixa eu dar mais uma olhada. Sabia que a tinha guardado porque gostava, de vez em quando, de ler e refletir sobre um poeminha ou outro, em geral, tão simples e curtinho. Li vários novamente. Diversos me chamaram a atenção; outros não! Mas esse, ah... esse eu não resisti. Eis-o aí:

Epitáfio

Que importa restarem cinzas,
Se a chama foi bela e alta?

[Well... gosto pela simplicidade, pela impassibilidade, mas nem sou tão simples e impassível assim, aliás, não sou nada assim. Talvez, por isso, eu goste].